Pontos de Vista


Foram dois os grandes acontecimentos do Congresso do PS: os discursos de António Costa - triunfalista o da abertura, mais estratégico e comedido o de encerramento - e a intervenção de Francisco Assis, um dos raros congressistas que teve a coragem de, contra a corrente, fazer ouvir a sua voz para dizer que o “rei vai nu”, criticando severamente a orientação política que o Partido e o Governo adoptaram.
Quanto ao “talentoso Dr. Costa”, direi, reproduzindo Luís Marques (Expresso, suplemento de Economia, de 4 de Junho, pág. 33), que “tivemos mais uma demonstração da sua infinita capacidade para descobrir uma pérola numa ostra vazia”. Receio bem que se venham a confirmar os receios segundo os quais o caminho até agora trilhado pelo dr. Costa “é uma sinuosa vereda que nos pode conduzir a mais um desastre”. Apesar da profecia. Importa reconhecer a grande habilidade política, o equilibrismo e o “jogo de cintura” do homem que lidera o governo. Tem-se revelado um insuperável manobrista de projectos destinados a gerir o dia-a-dia numa governação sem amanhã, visando a perpetuação nas cadeiras do poder. Portugal tem, enfim, nos dois mais altos cargos do aparelho do Estado, uma parelha de incorrigíveis optimistas, simpáticos, distribuidores de afectos, disputando, num interminável “mano a mano”, o prémio de o “mais popular”. Marcelo disse, sorrindo, que Costa era um optimista por vezes “irritante”. Costa poderia replicar ao hipercativo Professor Marcelo: “olha quem fala!” É que há, na verdade, em palco, um par de artistas estilo Senhor Feliz e Senhor Contente que se batem pelo favor do público! Qual dos dois acabará por levar a melhor, é o que muitos portugueses já se perguntam, porque ninguém duvida de que parcerias destas duram o tempo de um entremez, que talvez não chegue sequer a uma legislatura...

Pois foi num palco todo preenchido por um Dr. Costa em alta voz e pose de soberana auto-satisfação que Francisco Assis ousou levantar uma voz dissonante e dizer o que pensava perante uma plateia de incondicionais e acríticos. Nas palavras do “Público”, chegou e disse: «sei bem que esta minha posição me condena no presente a um elevado grau de isolamento no seio do partido». Ainda assim, sendo o único crítico assumido da solução de Governo assente em entendimento com o BE, o PCP e o PEV, Francisco Assis subiu ao palco do Congresso e, num ambiente crispado, afrontando a tensão tangível duma plateia de veneradores do “grande chefe”, não deixou uma palavra por dizer. Os assobios que lhe foram dirigidos no início da sua intervenção menorizam quem os lançou e enaltecem a coragem e a estatura intelectual e ética do orador. Aconteça o que acontecer no futuro, Assis marcou pontos e saiu mais forte e respeitado do palco do XXI Congresso do PS, como já tinha saído dignificado na jornada de Felgueiras, quando, há já bastantes anos, enfrentou uma multidão em fúria, bem como os desmandos e a arrogância de energúmenos que saíram em defesa da então poderosa Presidente da CM. Fê-lo também sozinho, dando verdadeiramente e no sentido próprio “o corpo ao manifesto”.
Mas quem, como Costa, anda na política desde os catorze anos, sabe como são voláteis os momentos de glória. E sabe mais: sabe que, agora, o sucesso cá dentro depende, em grande parte, das decisões da Europa. Ora, quando a roda do tempo político tiver girado, muitos dos que, hoje e no passado, maltrataram Francisco Assis, serão os primeiros a virar de bordo. Serão então, como sempre nestes casos, muito mais “papistas” do que foi Assis, quando disse o que pensava perante o partido congregado: “a aliança com o BE e o PCP é «contranatura» e o Governo está em situação muito condicionada, permanentemente vigiado por quem pensa e age de forma radicalmente diferente”. No dia, mais ou menos distante mas que não deixará de chegar, quando a sagração de Costa tiver esvaziado, não admirará que seja Assis a defender, com a coerência e a coragem de sempre, a esquerda democrática de que é um paladino e um exemplo e a lutar nas urnas pela vitória do seu PS.
Outra voz corajosa que se ouviu no Congresso, numa acerba crítica à acção económica do Governo, foi a do antigo deputado socialista Ricardo Gonçalves. Considerou “insustentáveis” as justificações que o PS apresentou para o falhanço económico da acção do Governo, pondo o dedo nalgumas feridas afirmando, por exemplo:”[…] Pôr o petróleo barato e Angola a comprar, meus amigos, isso só se for mesmo uma vaca a voar – as duas coisas não são possíveis”.
Mas não nos limitemos ao nosso país e ao congresso do partido que ocupou o governo.
Olhemos um pouco para o que se está a passar lá por fora. Os tempos que se avizinham revestem-se de transcendente importância, sendo imprevisíveis as consequências deles resultantes!
São grandes as expectativas sobre o resultado do referendo no Reino Unido (RU) acerca da sua permanência na União Europeia, a realizar no próximo dia 23. Uma eventual saída do RU – o chamado Brexit –, constitui o maior risco que se coloca à evolução da economia global e à evolução dos níveis de aversão ao risco por parte dos principais mercados financeiros. E a verdade é que as sondagens revelam o crescimento do NÃO no referendo britânico. A campanha em curso tem trazido à superfície uma guerra implacável entre os conservadores, com insultos nos media, à falta de argumentos sólidos a favor da saída ou da permanência na UE. Aguardemos os resultados e tenhamos esperança no sucesso do apelo das dez maiores centrais sindicais britânicas que pediram aos seus seis milhões de membros que votassem pela permanência, isto é, pelo SIM.
Igualmente imprevisível é o resultado das eleições em Espanha, marcadas para o próximo dia 26. Seis meses depois das que deram origem ao mais fragmentado Parlamento de sempre, gerando a incapacidade de os partidos se entenderem para formar governo. Para já, as sondagens apontam para uma guerra entre extremos. O Partido Popular, de um lado, e a coligação “Unidos Podemos”, do outro, com o PSOE a perder eleitorado (à atenção do nosso PS!).
Mas, do lado de lá do Atlântico, Hillary Clinton será a candidata do Partido Democrático e o mundo democrático espera e reza para que, em Novembro, seja eleita Presidente da maior potência mundial. Uma eventual vitória do candidato dos republicanos Donald Trump representaria uma catástrofe política sem paralelo.
Uma conclusão que importa tirar, acompanhando a jornalista Teresa de Sousa, é a de que, na Europa como nos EUA, ninguém soube antecipar a força dos sentimentos anti-sistema. “Na Alemanha, como na França, na Áustria, nos países nórdicos, na Itália ou na Holanda, o mesmo movimento de rejeição é em tudo similar aos norte-americanos, mesmo que se possa exprimir de forma diferente”.
Parece que um vento de inconformismo varreu o velho planeta, criando miragens de revoluções benévolas na crença ingénua e voraz de que a Vontade tudo pode, sem freios nem limites.

Lisboa, 8 de Abril de 2016