Os livros no caminho do Homem

O Livro dos Mortos do antigo Egito tinha como objetivo ajudar os mortos na sua viagem para o outro mundo, afastando eventuais perigos que poderiam encontrar na viagem para o Além. Inscreve-se na categoria das obras que são símbolos ou referências de uma determinada cultura ou civilização. Este tipo de obras permite-nos entender a existência, o comportamento e o pensamento dos homens e mulheres que estão na sua origem. Como tal, estas obras são eternas e mantêm a sua vitalidade através dos milénios da História da Humanidade. O Livro dos Mortos é o mais antigo livro ilustrado do mundo. Surgiu pela primeira vez como um conjunto organizado de textos, em forma de livro, na XVIIIª Dinastia egípcia, por volta do ano 1 550 antes de Cristo, ou seja, há cerca de 3 500 anos. Mas, a sua origem remonta ao reinado de Unas, o último rei da V Dinastia, há aproximadamente 4 400 anos. Estes textos, gravados na pirâmide real, os chamados Textos das Pirâmides, são os primeiros textos funerários do antigo Egito, sendo compostos por hinos, recitações mágicas destinadas a assegurar a ressurreição dos reis e a protegê-los contra influências malignas e alguns rituais.Durante o Império Médio egípcio, entre 2 300 e 1 700 a. C., surgem duas novas coleções de textos funerários: os Textos dos Sarcófagos e o Livro dos Dois Caminhos. Estes textos comprovam o novo espírito religioso e a democratização da imortalidade.A XVIIIª Dinastia foi uma dinastia de mudança da sociedade egípcia. Foi com ela que se estabeleceu a Recensão Tebana, através de uma compilação e escolha de todos os textos funerários escritos até então. Posteriormente, a Recensão Saíta vai procurar encontrar uma ordem para os textos.Os capítulos do livro apresentam um conteúdo bastante heterogéneo, devido à diversidade temporal dos textos, mas também pela origem variada dos conteúdos: hinos, prescrições, orações, exposições da criação, indicações sobre as diversas divindades que o morto devia conhecer, textos mágicos de proteção contra determinados animais, etc.Todos os capítulos apresentam um título e, a maior parte, uma ilustração, havendo alguns capítulos que constam só de imagens. A riqueza das ilustrações é uma das características da obra, onde os papiros surgem ilustrados com todas as cores: amarelo, vermelho, azul, verde, malva, preto e branco. A beleza e a harmonia das ilustrações acompanham a filosofia do texto, que é escrito a negro, sob o fundo amarelo claro do papiro. Os títulos e os comentários iniciais e finais surgem a tinta vermelha. Os textos são escritos em hieróglifos cursivos em todas as épocas em que foram escritos, mas, a partir do ano 1 080 a. C. também aparecem em hierático.Ao conjunto dos capítulos, o egiptólogo alemão Richard Lepsius deu o nome porque hoje é conhecido: O Livro dos Mortos. A ele também se deve a sua publicação, a qual consiste num fac-simile de um documento da época ptolomaica encontrado no Museu de Turim, que ele classifica e divide em 165 capítulos.Alguns anos depois, o egiptólogo holandês, Willem Pleyte, publicou os chamados Capítulos suplementares, alterando a numeração de Lepsius e acrescentou-lhe mais nove capítulos. Não obstante, a edição mais completa que se conhece foi publicada por Edouard Naville, egiptólogo suíço, que produziu a edição mais completa que se conhece. Este seguiu a numeração de Lepsius e não a de Pleyte, completando-a com novos capítulos, já conhecidos na XVIIIª Dinastia e no Império Novo. Um dos volumes é, precisamente, consagrado às variantes fornecidas pelos papiros por ele consultados nos museus da Alemanha, França, Inglaterra, Egito, Itália e Holanda. Outro volume apresenta um texto base escolhido entre os papiros, seguindo a ordem dos capítulos da recensão saíta. Mais tarde, o egiptólogo E. A. Wallis Budge publicou os “Capítulos da Saída à luz do dia”. Esta publicação agrupa, indiferentemente, os textos que vão desde a XVIIIª Dinastia até à época ptolomaica, mas acrescenta-lhe alguns capítulos. A partir desta altura, O Livro dos Mortos, passa a ser composto por 190 capítulos, em três volumes: um de textos, um com a tradução e um de vocabulário. Ainda hoje, as três grandes publicações, de Lepsius, Naville e Budge, constituem as obras de base para quem quiser estudar esta obra.Todos os egípcios ambicionavam fazer-se acompanhar do Livro dos Mortos na sua viagem para o Além pois nele se encontravam os caminhos possíveis para a vida eterna, duas vias de salvação: uma osírica e outra solar. Tal como sucedeu com Osíris, os mortos eram mumificados, purificados e embalsamados para que o seu corpo não sofresse corrupção e pudesse voar, livre, em direção ao Céu. Aqui se fundiria com Ré, transformando, assim, o Osíris, de Ontem, no Ré, de Hoje e de Amanhã.Pelo poder mágico das suas fórmulas, o morto poderia aspirar e conquistar a vida no Além. Por isso, os egípcios não temiam as diferentes provas que tinham de ultrapassar depois da morte. Este livro demonstra a luta pela eternidade, a força da palavra e da magia, do pensamento e do homem e da sua “divindade”.