A palavra “museu”, oriunda do Grego, significa “templo das musas”

; e as musas, para a religiosidade antiga, de então, eram divindades que presidiam às artes liberais. Este último termo, “musas”, foi ganhando em significado, mas o que há a reter é que sempre esteve ligado à religião, beleza e mistério. Baste recordar que as musas eram filhas do deus supremo, Zeus (Júpiter para os romanos), e de uma das suas ligações.
Neste louco mundo em que vivemos – e a nível global, acentue-se –, dominado pela vulgaridade e o rebaixamento, é bem plausível que Deus esteja a “escrever direito por linhas tortas”. (A mim parece-me perfeitamente claro). Uma vez que as religiões confessionais, no que se considera o “mundo desenvolvido”, estão em acentuada retracção (o sobremaneira preferido de todos os meus papas, Bento XVI, alemão, tinha disso uma muito percuciente consciência) e que a religiosidade é, afinal, um sentimento de veneração e de união com tudo o que nos rodeia – e eleva, portanto –, os templos confessionais foram substancialmente “substituídos” por museus e bibliotecas. Estes, ambos, são, por excelência, lugares de discernimento; e discernimento é, precisamente, o que uma vida triunfante exige.
A nível mundial há não só um escol numeroso e suficientemente rico e culto para poder visitá-los, como, sabe-se, grupos espalhados por todo o orbe terráqueo cujo desiderato é a oração e a beneficência (não me refiro a congregações religiosas stricto sensu). Museus e bibliotecas são, assim, os hodiernos templos por excelência – e só muito superficialmente podem ser entendidos como espaços de passatempo (especialmente aqueles). Repito: uma vida triunfante exige discernimento. Nem o escol “brinca em serviço”, nem se limita a ver passar o tempo. É de sua índole estar sempre activo e profundamente consciente de que, por tudo o que se faz e/ou fizer, há as mais positivas consequências. “E de tudo o que acabamos nasce um deus”, escrevia, em poesia, o meu Prof. de Filosofia Antiga.
Os museus são culminâncias do espírito, emanações aristocráticas (em Grego os aristói eram os melhores), concreções do refinamento, portanto. Tal qual hoje os entendemos, surgiram e desenvolveram-se nas épocas moderna e contemporânea; e dos quais os primeiros (Ashmolean, Britânico, Louvre e Prado) promanam da Universidade ou Realeza.
Fineza, finura, sensibilidade, intuição, lhaneza, desenvoltura, densidade, atracção, elegância… eis o que, como corolário das aduzidas premissas, se nos depara quando os frequentamos. De facto trata-se de espaços divinos. São um deleite, uma emoção – mesmo comoção – só comparáveis, equivalentes, mutatis mutandis, às grandes viagens por terra em áreas que nos são desconhecidas, remotas (África, Europa, América do Norte e Central são o que conheço).
Como lugares de iluminada verdade que nos catapultam para a Metafísica encontram-se aí desde os genuínos e discretos cosmopolitas, às mulheres mais belas ou personalidades de inolvidável ironia.
O carácter divino de uma mulher bela é salientado na Bíblia e, quando encontro uma, não resisto a dizer-lho, seja, v.g., no Prado (Madrid) ou na Fundação Daniel Terra, em Giverny, ali ao lado da Fundação Monet. A distinção feminina agradece a autenticidade dos meus piropos, claro. E esta mesma tocante elevação manifesta-se noutras circunstâncias. Em virtude das atenções havidas para com o nosso Liceu por altura das visitas de estudo aí efectuadas, quando da morte do Barão Thyssen-Bornemisza, sugeri ao então Presidente do Conselho Executivo, Dr. António Soares, que enviássemos um cartão de pêsames à viúva, Baronesa Carmen Cervera Thyssen-Bornemisza. Agradeceu com uma tocante pagela ilustrada com um Cristo na cruz, medievo ou renascentista, já não me lembro bem.
A expansão de um ensino de qualidade com o concomitante acesso a tal, bem como a melhoria das condições de vida e – instante dizer-se – os níveis de prosperidade atingidos em vastíssimas zonas do Globo, no que é obrigatório incluir japoneses e chineses, engendraram multidões incontáveis dos que querem mais da Vida. Por isso os museus transformaram-se em instituições que acolhem os melhores, propiciando-lhes um serviço de inexcedível qualidade.
O profissionalismo da empregada de balcão da loja do Thyssen-Bornemisza, de Madrid, ao dizer à turista compradora, com a assertiva simpatia castelhana, “You are welcome”( “Seja bem vinda”) ; a bonomia da empregada da bilheteira do Prado (um cidadão da”UE” é tratado como se fosse espanhol); a proximidade da jovem atendedora do Guggenheim Bilbau); ou – outro supremo – o desarmante carinho da recepcionista alemã na Friedensaal (Sala da Paz) de Münster, em que, pelo Tratado de Vestefália, se pôs termo à hecatombe que foi a Guerra dos Trinta Anos; casos da França e Dinamarca à Noruega, v.g., as abonações podiam repetir-se; e tudo para ilustrar o sumo refinamento que, em tais templos se nos depara. Inestimáveis, outrossim, os áudio-guias, que são espantosas lições ex professo.
(…Debaixo do braço trago sempre um livro ou jornal para nunca perder o tempo. Em Münster a recepcionista interpretou tal posição como um incómodo – e não era nada. E tanto, carinhosamente, insistiu em dar-me um saco de plástico que não tive alternativa que não fosse aceitar).
Pelo que dito fica não admira que estes centros de peregrinação se tenham transformado em grandes instituições capitalistas. – Graças a Deus. Sabe-se como a sofisticada Peggy Guggenheim “espalhou” vários museus através do planeta; e como o Barão Thyssen-Bornemisza também não se limitou a Espanha. Mais. Todas as grandes instituições financeiras, ou que aspiram a sê-lo, têm um olho na Arte ou desenvolvem importantes acções de mecenato cujo alcance social é supérfluo mencionar – tudo isto com o concomitante prestígio que obtêm. Até um banco de gestão tão ruinosa como o BPN adquiriu uma colecção de Mirós. (Sobre esta colecção louvores ao actual Ministro da Cultura, João Soares, pela solução conseguida).
Afinal, o dinheiro atrai Arte; e a Arte atrai dinheiro. E este é uma energia prodigiosa. Haja dinheiro!!

P.S:- A minha imperícia com computadores é responsável pelo facto de o saído na última edição não corresponder ao trabalho revisto. A falha assumiu gravidade no tocante a Maria do Carmo Borges, razão por que se corrige o erro: (Salvaguardo, como é de justiça, o humanismo de pessoas que lá encontrei – com destaque para Maria do Carmo Borges. Para a senhora a minha eterna gratidão. E eterna, repita-se, porque a sua densidade humana me impregnou. “É bem verdade que todas as grandes questões estão cheias de ambiguidade”, Tácito). Mas – tal como valor e sucesso não são necessariamente sinónimos – também humanismo não é equivalente de aptidão.
“Errar é humano; perdoar é divino”, li algures. Conto com o perdão da senhora, tal como contará com a minha eterna gratidão. Jamais a esquecerei. Para todos os leitores as minhas desculpas.
Guarda-10-I-2016