Pontos de Vista


No meu último artigo, ao abordar as causas dos incêndios e as deficiências da prevenção, fiz dois comentários que agora gostaria de retomar e desenvolver e, por arrasto, formular algumas perguntas/sugestões a quem tão afectuosamente nos vem acompanhando: o nosso Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa.

1 – O primeiro refere-se à minha convicção de que, na origem criminosa dos fogos, sejam eles causados por actos negligentes ou intencionais, está um problema de manifesta falta de EDUCAÇÃO, a qual, em vez de diminuir, se vai espalhando progressiva e preocupantemente pelo país. A atestá-lo, aí está a onda de violência juvenil que, nos últimos dias de Agosto, fez diversas vítimas entre jovens de catorze e quinze anos, alguns deles barbaramente agredidos por outros jovens um pouco mais velhos. Vieram à tona sinais de doenças sociais graves que afectam a juventude: a ociosidade (preenchida por uma presença assídua e agressiva nas redes sociais – twiter, facebook, instagram, etc.), a deterioração da escola, o hedonismo sem freios, o álcool e a droga, a perda de perspectivas de futuro, o desemprego, a ausência de civismo… É triste dizê-lo mas esses casos recentes revelam a face negra de uma juventude sem valores, que perdeu ou nunca ganhou o respeito pelos outros, e ignora o que sejam direitos humanos. Explicando parcialmente este aumento da violência juvenil, merece estudo e atenção por parte das autoridades o papel dos grupos (gangues) em que os jovens se associam para matar o tempo, ocupar ócios, satisfazer vícios, projectar vinganças ou planear assaltos no que afinal parece ser tido pelos especialistas como uma busca atribulada duma posição na sociedade em simultâneo com o definir duma personalidade própria.
Correndo embora o risco de ser acusado de conservadorismo, não posso deixar de salientar a preocupante crise da(s) FAMÍLIA(S), com a inevitável quebra intergerações e a consequente perda na transmissão de valores através do exemplo e da palavra. A morbidez do “crime” e do “sexo” é fomentada por uma comunicação social obcecada e freneticamente explícita que nos entra pela casa em vagas assustadoras de “tempos de antena” dedicados ao relato e comentário, repetidos ad nauseam de notícias macabras ou, no mínimo, dramáticas. E aqui, talvez se justificasse a intervenção pedagógica do nosso sempre atento e activo Presidente da República (PR) que, com a sua palavra culta, inteligente e autorizada, chamasse a atenção do Governo (e, por contiguidade, dos partidos de esquerda radical que o apoiam) para a inadiável responsabilidade que lhes assiste de habilitarem as gerações futuras de forma a inverterem (malogradamente já estamos aí) a cultura de violência e iniquidade que, parece, lhes caberá em sorte.
Será que continuaremos a permitir que se confunda “notícia” com a “bisbilhotice” doentia, narrada e comentada ao longo de horas sobre todos os dramas e misérias que acontecem por esse País fora, atropelando sensibilidades, privacidade e direito à imagem de todo e qualquer um? Que é feito da leitura (para quê então a sua biblioteca de Celorico de Basto, Senhor Presidente?), do diálogo culto e aberto entre as pessoas (jovens e menos jovens), em busca do saber e da experiência que levem à formação do carácter e da personalidade dos jovens? Pergunto: não será que o peso obsessivo dado pelos canais de televisão (e pelas redes sociais) à criminalidade, mormente à violência doméstica em especial contra as mulheres, com contornos de crueldade insuportável, possa ter um efeito mimético, conduzindo à reprodução de mecanismos de sadismo, vingança e violência? À divulgação do “retrato” de que só é gente quem manda e mata, e por tal é falado e temido? À banalização do mal, Senhor Presidente?

2 – O segundo comentário diz respeito à circunstância de considerar um erro a extinção do serviço militar obrigatório. Não sou nem nunca fui militarista, mas não deixo de reconhecer que, enquanto existiu, ele constituiu para tantos jovens uma oportunidade única de educação, formação e abertura de horizontes e uma escola de camaradagem, solidariedade e disciplina. Erro que poderia ter sido colmatado com a criação de um serviço cívico ao serviço da comunidade, com a vantagem de permitir aos jovens não uma iniciação bélica mas uma consciencialização e um compromisso de cidadania que os novos tempos exigem.
Com o 25 de Abril deu-se uma inevitável fractura na imagem popular das Forças Armadas. De um lado, idolatrados, os libertadores, militares progressistas e revolucionários, os “capitães de Abril” que derrubaram um regime dito fascista e restituíram a liberdade ao Povo; do outro, as Forças Armadas que tinham feito a guerra colonial e garrotado a legítima expectativa de autodeterminação e independência das ex-colónias. Mas cedo apareceram os desvirtuamentos e as caricaturas dentro das Forças Armadas post-25 de Abril, resultado de uma degenerescência ideológica iniciada no PCP e prosseguida, à sua revelia, por grupos e grupelhos revolucionários de extrema-esquerda. Entre os militares ditos progressistas surgiram derivas e manifestações radicais. Foram, a título de exemplo, os casos dos SUV’s (“Soldados Unidos Vencerão”), tropa indisciplinada e malpronta, sem dignidade nem aprumo, ou ainda os juramentos de bandeira de punho fechado.
Por outro lado, ao colar-se à guerra no Ultramar o nome de “colonial” menorizou-se toda uma geração sacrificada por treze anos de guerra em África, onde milhares de jovens perderam a vida e outros milhares sofreram incapacidades para o resto dos seus dias. Sofrimento que também atingiu profundamente as famílias que por cá ficaram. Muitas mulheres ficaram viúvas e tantas não reconheceram nos regressados da guerra os homens com quem tinham casado. E mesmo os que voltaram sem mazelas físicas ou psicológicas não deixaram de sofrer perturbações mais ou menos graves nas suas vidas e carreiras resultantes de dois anos de comissão militar no Ultramar. Guerra é guerra e a guerra é isto: sofrimento e futuros incertos …
Para todos e sobretudo para os que cumpriram as suas obrigações militares, soldados saídos de um País profundo e sofredor, que partiram para a guerra sem verdadeira consciência do que ela representava, mas convictos de que estavam a cumprir um/o seu dever. Mas, lamentavelmente, tivemos de assistir à vanglória e ao auto-elogio de desertores e refractários, que, por boas ou más razões, se subtraíram ao cumprimento do serviço militar em África.
Porém o Povo, na sua sabedoria e na saudade dos seus Filhos, nunca acompanhou o extremismo ideológico dos que quiseram atirar a guerra “colonial” para o caixote de lixo do fascismo. No “Diário de Notícias” de 12 de Agosto findo, pode-se ler que “já são 300 os monumentos de homenagem aos combatentes” […] “em memória dos cerca de nove mil militares mortos em África, entre 1961 e 1974”.
Por isso aqui deixo, com a devida vénia, uma segunda sugestão ao Senhor Presidente: que, com o prestígio do seu cargo e com o conhecimento que tem da nossa História recente, se lembre de incluir na sua agenda uma homenagem às vítimas da guerra… colonial - porque nós somos hoje o futuro que elas não tiveram.
Lisboa, 2 de Setembro de 2016

*Devido a um lapso na paginação voltamos a publicar, na íntegra, o texto do nosso colaborador José Augusto Sacadura Garcia Marques, que saiu na última edição do Jornal A GUARDA. Pelo sucedido apresentamos as nossas desculpas quer ao autor do texto, quer aos nossos leitores.