Entrevista: João Filipe Dias Nunes, Presidente da Junta de Freguesia de Faia


A GUARDA: A freguesia de Faia esteve em festa no dia 8 de Dezembro. Qual o significado desse dia para a Freguesia?

João Nunes: O dia 8 de Dezembro é uma data que assinala a forte devoção dos paroquianos à padroeira da Freguesia da Faia que é Nossa Senhora da Conceição. É também uma tradição de fé a quem o povo sempre recorreu nas horas de aflição e que viu as suas preces serem ouvidas. De acordo com a tradição, foi a Nossa Senhora que o povo fez o voto, quando uma praga de lagartas apareceu nos campos. Para além disso, é uma dará celebrativa da cultura e da identidade do povo português, como consta na “Apoteose a Nossa Senhora da Conceição”, escrita pelo Padre José Geada, em homenagem à nossa Freguesia.

A GUARDA: A Junta de freguesia preparou algum programa especial para assinalar a data?

João Nunes: Para assinalar esta data, a Junta de Freguesia procura, todos anos, apresentar um programa que seja de complemento à tradição religiosa. Deste programa, faz parte um almoço convívio oferecido à população e nele consta uma mesa farta. À mesa não podem faltar a Sopas de Natal e o nosso arroz doce, uma tradição gastronómica da Freguesia. Do programa costuma, também, fazer parte o Grupo de Cantares da Faia e um grupo convidado. Este ano foi o Grupo de Cavaquinhos do Centro Social da Póvoa do Mileu que nos honrou com a sua presença.

A GUARDA: De onde vem a tradição e o que são as Sopas de Natal da Faia?

João Nunes: A Sopas era um prato tradicional à mesa dos Faienses e associado aos trabalhos agrícolas, como as ceifas, as mondas, a vindima e a apanha da azeitona, que exigiam uma alimentação com substância. Na época do Natal, a Sopas diferenciava-se pela introdução da couve de penca, hortícola típico de Dezembro, em substituição dos ovos. Assim, a Sopas de Natal era composta pela couve de penca, feijão vermelho, pão de trigo, bacalhau, alho refugado e bastante azeite. Cada família ajustava a receita ao seu paladar e, por isso, em determinadas casas havia a junção de outros ingredientes como a hortelã, a salsa, o vinho e os ovos. À mesa de Natal é um prato obrigatório com as tradicionais “fritas” com chocolate quente feito na panela de ferro, e as filhós.
A partir de 2012, a Sopas de Natal passou a ser uma das especialidades gastronómicas associada à Festa da Freguesia.

A GUARDA: O arroz doce é outra das especialidades gastronómicas da Freguesia. Quem guarda a receita desta maravilha da doçaria?

João Nunes: A Freguesia orgulha-se de ter excelentes doceiras que souberam preservar as receitas que foram transmitidas pelas avós, de geração em geração, e que se esmeravam em datas importantes, por exemplo nas festas religiosas e em visitas régias às Quintas nobres da Freguesia. O arroz doce é uma iguaria ligada à grande Festa da terra que é a Festa de São Pedro de Verona. Apesar do arroz doce ser uma sobremesa tipicamente portuguesa, o nosso arroz doce distingue-se pela sua cremosidade e o tempo dedicado à sua confecção. Segundo as nossas doceiras, para um quilo de arroz é necessário entre 9 a 10 litros de leite e nunca menos uma hora de cozedura. Portanto, o nosso arroz doce resulta do amor e da entrega, o que faz dele um dos ex-libris gastronómicos da Faia.

A GUARDA: O que é que a freguesia está a fazer para promover a preservação destas tradições ancestrais?
João Nunes: O povo da Faia revela, desde sempre, um forte apego às suas tradições, e preocupação em transmitir aos mais novos os seus saberes e sabores de forma a preservá-los. Neste sentido, nasceu o Grupo de Cantares da Faia que recuperou cantigas do Cancioneiro popular português. Mais recentemente formou-se o Grupo de Teatro Amador da Faia, a fim de divulgar e reviver as nossas histórias, lendas e romances. Também nos últimos anos, a professora Liliana Brás tem vindo a fazer uma recolha da literatura da tradição oral, e este ano publicou o livro “Faia no século XIX”. Está, também, para ser publicado em livro uma recolha sobre o Património gastronómico da Freguesia e a apresentação de uma iguaria que assinala a passagem da rainha D. Amélia pela Faia.

A GUARDA: Quem visita a Faia o que é que pode encontrar em termos de património natural e edificado?
João Nunes: A Freguesia oferece aos amantes da natureza passeios de montanha por troços de calçada romana, miradouros para o deslumbrante Vale do Mondego, banhos e desportos radicais no rio Mondego, passeios a cavalo, e a Rota dos Periqueiros convidativa à contemplação da biodiversidade. Quem visita a Faia fica maravilhado com as janelas Manuelinas e os vãos biselados, com a Igreja Matriz datada do século XIII e o seu altar em Pedra de Ançã que sobrou do Retábulo mor da Sé Catedral da Guarda. Ao longo da rua Direita é possível contemplar as abundantes marcas cruciformes nas fachadas de casas, possivelmente ligadas a uma comunidade criptojudaica. A Faia, também, possui quintas e casas solarengas que receberam visitas da Família Real da Casa de Bragança. Na freguesia existem várias quintas ligadas ao turismo rural e da natureza que convidam a umas férias inesquecíveis.

A GUARDA: A Construção dos Passadiços do Mondego também pode ser uma alavanca para o desenvolvimento turístico da Freguesia de Faia?

João Nunes: Sim, dada a riqueza patrimonial e paisagística da Freguesia da Faia e do Vale do Mondego. Acredito que o projecto dos Passadiços do Mondego trará mais turismo à região e permitirá o desenvolvimento económico local pelo projecto em si, mas também pelas potencialidades que a Freguesia da Faia tem.

A GUARDA: Quais os projectos que a Junta de Freguesia gostaria de ver concretizados, tendo em vista a fixação de jovens?

João Nunes: O problema da desertificação do interior é um problema que afecta a região e que se agrava com a crise de grandes empresas, como a Empresa Dura, por exemplo. Também o facto de os jovens terem outros interesses profissionais e económicos, que não se ajustam às potencialidades do Vale do Mondego, dificultam a sua fixação.
No entanto, o programa político da Junta de Freguesia passa por promover a fixação de jovens na Faia, apoiando as associações existentes e estabelecendo protocolos com a Câmara Municipal da Guarda. Esperamos também que no ano de 2020 seja cumprida a promessa da instalação da fibra óptica, melhorando assim o acesso às novas tecnologias nesta Freguesia. Os programas de incentivo a jovens agricultores e a novos empresários são uma possibilidade para quem queira dedicar-se à cultura da vinha e da oliveira, à restauração, e desenvolver negócios na área do turismo e do lazer. Portanto, estamos receptivos a novos residentes, visitantes e novas actividades.