Entrevista: José Carlos Travassos Relva – antigo Notário


José Carlos Travassos Relva nasceu em Ansa, concelho de Cantanhede. Tem Licenciatura em Direito, pela Universidade de Coimbra. Foi Delegado do Procurador da República em Pinhel, Rio Maior e em Lisboa. Foi Advogado, Vogal da Comissão Instaladora da Administra ao Regional de Saúde da Guarda, Presidente da Comissão Instaladora da Administração Regional de Saúde da Guarda, Coordenador da Sub-Região de Saude da Guarda, Notário do Sabugal, da Covilhã e da Guarda (Janeiro de 2003 a Setembro de 2019). No dia 18 de Janeiro, sábado, vai ser homenageado pelo Rotary Club da Guarda.

A GUARDA: Todos os anos o movimento Rotário, consagra um mês ao reconhecimento dos serviços profissionais, distinguindo, anualmente, um profissional que se evidenciou ao longo da sua carreira. Que significado tem para si a homenagem que o Rotary Club da Guarda lhe vai prestar este sábado?

José Relva: É evidente que me deixa honrado, no entanto eu penso que como André Malraux dizia no livro “A condição humana” todos nós erramos. Eu penso que esta homenagem, apesar de todas as limitações humana que todos nós temos, será o reconhecimento de que tentai fazer o melhor que sabia e podia. É nessa perspectiva que eu vejo e do reconhecimento de muita amizade de muitos dos membros do Club Rotary da Guarda. É nessa perspectiva que eu vejo esta homenagem.

A GUARDA: Mas sente que esta homenagem ultrapassa o próprio Rotary Club?

José Relva: Eu sei que a humildade em demasia significa vaidade, é o que o ditado diz. Eu estive aqui Notário na Guarda, desde 2003 a 2019, portanto foram dezasseis anos. Eu ligo esta homenagem não tanto à pessoa mas à função que uma determinada pessoa exerce. Como era o único Notário, agora nos últimos tempos na Guarda, houve uma altura em que houve o Cartório de Competência Especializada, eu penso que, naquilo que respeitava às necessidades das pessoas, sobretudo em transacções, testamentos, etc…, é fácil uma pessoa acabar por ser conhecida e, portanto, acabar por ter relações com muita gente, nomeadamente com advogados, com solicitadores e com o público em geral.

A GUARDA: Foi mesmo o limite de idade que o obrigou a cessar funções de Notário da Guarda?

José Relva: Sim, foi mesmo o limite de idade. O estatuto do notariado prevê a cessação de funções pela idade dos 70 anos. Eu entendi que havia uma directiva europeia que dizia que a obrigatoriedade de cessar funções aos 70 anos poderia ser considerada ilegal, e portanto eu pedi para continuar. Sou franco, pedi para continuar. A Ordem entendeu que não porque está nos estatutos os 70 anos e tive de cessar funções por limite de idade.

A GUARDA: Ao longo do seu percurso profissional quais os momentos que mais o marcaram?

José Relva: Como exerci outras funções na magistratura, na advocacia e os nove anos que estive na Administração Regional de Saúde, no que concerne ao notariado, muitas vezes, ouvimos um pouco quase segredo de confissão. Todos nós temos o sigilo e, sobretudo em testamentos e partilhas, nós ouvimos coisas muito complicadas, mas também coisas muito alegres. Ouvimos situações muito complicadas de que temos de guardar sigilo. Sobretudo nas questões de partilhas, testamentos, digamos heranças em geral, há certas situações que marcam porque temos conhecimento de factos e dados que a gente não imaginava.

A GUARDA: Como define a profissão de Notário?

José Relva: Hoje a definição de Notário, depois da denominada privatização do notariado é um trabalhador independente e ao mesmo tempo oficial público. A grande matriz do notariado é evitar conflitos. O Notário não é o advogado que defende uma parte - tenho todo o respeito pelo advogado que tem de defender a sua parte. O Notário é aquele que interpreta a vontade das partes e a passa a papel. E portanto, a grande vantagem do notariado é dirimir conflitos, ou seja, evitar que os conflitos aconteçam. E muitas vezes nós aconselhamos as pessoas para que os conflitos não aconteçam, desde uma compra e venda, um testamento, uma herança, como se faz uma partilha, muitas procurações em que as pessoas poem toda a sua vida não mão de outrem. E é preciso ponderar isto bem. Nós temos muitos emigrantes, temos muitas pessoas em lares, que colocam a sua vida económica e às vezes mais que isso, na mão de determinada pessoa. É preciso saber o que a pessoa quer exactamente, se está consciente daquilo que está a fazer e se está consciente dos poderes que está a dar a outrem, que pode ser um mau administrador.
A GUARDA: Como é que um homem do concelho de Cantanhede veio parar à Guarda?
José Relva: Tem uma razão muito simples. Quando acabei o curso de Direito vim Delegado Procurador da República, em 1973, para Pinhel e durante o tempo da magistratura fiquei em Pinhel até meados de 1976 e depois fui um ano para Rio Maior e, a seguir, um para Lisboa. Quando fui chamado ao estágio para juiz já a minha filha mais velha tinha nascido e, na altura, estamos a falar em 1977, princípio de 1978, os magistrados andávamos um pouco de casa às costas e foi sobretudo isso que me fez deixar a magistratura. Eu fui chamado ao estágio para juiz em 1978 e soube, em conversa, que o Cartório do Sabugal estava vago. Como tinha estado em Pinhel e tinha gostado acabei por vir, passados dois anos, para Notário no Sabugal. Foi esse contacto que tive, desde 1973 até 1976, na magistratura em Pinhel, foi isso que me fez vir para esta zona.

A GUARDA: Considera a Guarda como a sua cidade?

José Relva: Há pessoas que dizem assim: ‘vou à minha terra’. Eu não costumo dizer isso. Eu costumo dizer: ‘vou à terra onde nasci’. Eu penso que mais importante que a terra onde nós nascemos é o lugar onde desenvolvemos a nossa actividade. A minha filha nasceu em Lisboa, no único ano que eu estive em Lisboa, e provavelmente ela dirá que é da Guarda, de certeza. O meu filho acaba por nascer em Coimbra, já eu estava na Guarda, e dirá com toda a certeza que é da Guarda. A terra onde nascemos é importante, é obvio, mas também não deixa de ser tão importante, ou mais, a terra onde fazemos a nossa vida, onde somos acarinhados, onde somos queridos.

A GUARDA: Tem muitos amigos na Guarda?
José Relva: Eu penso que sim. Foi assim que começámos esta conversa: todos nós temos muitos defeitos, nenhum de nós é perfeito. Eu costumo dizer que errar é da condição humana. Penso que nós temos de fazer o possível para não errar. Quando em qualquer actividade profissional ou em qualquer missão fazemos aquilo que podemos para não errar, os erros têm que ser sempre desculpados pelos amigos. Penso que é isso que no fundo eles fazem: reconhecem que eu talvez tenha feito sempre tudo por não errar e, olhe, quando errei é da condição humana.