Entrevista: Filipe Santos - Presidente da Associação Move Beiras


Filipe Santos, Presidente da Associação Move Beiras, é natural de Almada mas, desde sempre, com ligações afectivas à Benespera.
Fez os estudos do 5º ao 12º Ano no Seminário do Fundão e Externato de Nossa Senhora dos Remédios, no Tortosendo. Obteve Licenciatura em Contabilidade no ISCAL, em Lisboa e Mestrado em Contabilidade, Fiscalidade e Finanças Empresariais no ISEG, em Lisboa.
Aproveita os tempos livres para dar vida e actividade à população da bela aldeia no Vale da Teixeira, a Benespera.
A GUARDA: O que é quais os objectivos da Associação Move Beiras?

Filipe Santos: A Associação Move Beiras é uma associação privada, sem fins lucrativos, que teve origem há alguns meses a partir da ideia de um grupo de entusiastas da ferrovia. O objetivo é, como se costuma dizer, que não fiquemos apenas a ver passar os comboios. As linhas da Beira Baixa e da Beira Alta foram definidoras do desenvolvimento de toda a região, ao longo do século XX. E se é verdade que o subsequente desinvestimento, tanto na infraestrutura como no material circulante, levou ao abandono e ao encerramento (veja-se o que aconteceu no troço Covilhã-Guarda, que encerrou em 2009 para obras e depois fechou no que parecia ser para sempre), a política adotada nos últimos quatro ou cinco anos, com uma forte canalização de fundos europeus para a reabilitação dos corredores internacionais estratégicos, colocou-nos, um tanto inesperadamente, até, no centro do futuro. A Linha da Beira Baixa reabriu, eletrificada, em toda a sua extensão. A da Beira Alta vai beneficiar de obras que a modernização para níveis nunca antes pensados, inclusive com correções de traçado que vão permitir encurtar em meia hora o tempo de viagem entre a Guarda e a ligação à Linha do Norte. A CP encomenda novos comboios, ao mesmo tempo que desenvolve um plano enorme de recuperação e recolocação em circulação de material que estava destinado à sucata ou à ornamentação de rotundas. Perante isto, a ferrovia tem vindo a renascer. E nós pretendemos posicionar-nos no centro desta nova era, ajudando a tirar o maior proveito possível para a Guarda e para toda a região das Beiras. Uma região entre linhas, que seja cada vez mais visitada de comboio. Mas que seja, também, destino de investimentos e base atrativa tanto para clássicas como para novas formas de trabalho, tirando partido de todas as ligações. Uma região que volte a definir-se pelo meio de transporte que há mais de um século rasgou montanhas, atravessou vales, serpenteou rios e trouxe o desenvolvimento.

A GUARDA: Apesar de ter sido criada recentemente, no dia 8 de Abril de 2022, esta Associação já desenvolveu algumas actividades. Fale-nos um pouco das iniciativas promovidas?

Filipe Santos: A primeira de todas aconteceu ainda antes da data de constituição formal: a 26 de março, os fundadores da associação colaboraram ativamente com a APAC-Associação Portuguesa dos Amigos dos Caminhos-de-ferro e com a CP na organização do Comboio das Beiras, numa viagem memorável pelas linhas da Beira Baixa e da Beira Alta a bordo de nove carruagens panorâmicas Schindler rebocadas por uma locomotiva eléctrica Alsthom da série 2600. Lá está: “sucata” restaurada e posta a circular, nos últimos dois anos, para circuitos de turismo ferroviário. Entre os quase 500 passageiros, quase uma centena fez o percurso do Entroncamento à Benespera, que é como quem diz do vale do Médio Tejo ao alto do Vale da Teixeira. Depois, a 2 de maio, celebrámos festivamente, da maneira que nos caracteriza, o primeiro aniversário da reabertura da Linha da Beira Baixa, com uma cerimónia na estação da Benespera, onde descerrámos uma placa alusiva e fizemos a apresentação da associação. E no dia 4 estivemos presentes no seminário sobre a modernização da Linha da Beira Alta, em Mangualde, numa organização da Infraestruturas de Portugal e da CP.

A GUARDA: E já estão pensadas outras actividades?

Filipe Santos: Claro que sim. Este é um comboio em andamento, que acaba de partir para uma longa e, esperamos, bonita viagem. Vamos, desde logo, focar-nos no potencial do turismo ferroviário nesta região. Na promoção de uma mobilidade limpa. Na sensibilização para a intermodalidade de uma rede de transportes à escala regional, que inclua horários, ligações e preços que tornem o transporte coletivo de passageiros atrativo para quem vem e para quem cá vive e estuda ou trabalha. O nosso grande objetivo é potenciar a utilização do comboio e fazer com que a ferrovia volta a rasgar distâncias, desconhecimentos e, até, preconceitos em relação ao interior.
A GUARDA: O que levou a Associação a assinalar, na Estação Ferroviária de Benespera, o primeiro aniversário da reinauguração do troço ferroviário Covilhã Guarda, na Linha da Beira Baixa?

Filipe Santos: Porque a Benespera é a Capital Ferroviária da Linha da Beira Baixa, como muito bem se lhe referiu um dos fundadores e agora presidente da Assembleia Geral da Associação, o engenheiro José Carlos Barbosa, até há pouco Diretor de Manutenção e Engenharia da CP, presidente do novo Centro de Competências para a indústria ferroviária e agora deputado na Assembleia da República. E porque esperámos muito pela reabertura da linha. E porque lutámos para que a Benespera não ficasse apenas a ver passar os comboios, mas fosse, como acabou por ser graças à nossa insistente reivindicação, estação de paragem de todas as composições de passageiros. E porque no primeiro dia, há um ano, fomos a bordo, em festa.

A GUARDA: Como é que a Benespera e o Vale da Teixeira podem beneficiar com a reactivação deste troço da Linha da Beira Baixa?

Filipe Santos: Todo o vale pode beneficiar de ligações diretas a qualquer parte do país: agora pela Linha da Beira Baixa, daqui a um ano também pela Linha da Beira Alta a partir da Guarda. Fiquei imensamente satisfeito por saber, no seminário da semana passada em Mangualde, que o Comboio Académico de Castelo Branco ao Porto será uma realidade. Tal como o Intercidades Lisboa-Porto pelo interior, pelas Beiras. Mas hoje todos os comboios da Beira Baixa param aqui. Isto traz um potencial fantástico à nossa região, tanto como destino turístico como local de eleição para viver e trabalhar. Com o nível de qualificação que se antevê necessitarem os investimentos à volta do porto seco da Guarda, todo o vale poderá transformar-se num bairro periférico da cidade, com uma imensa qualidade de vida. Mas é também uma oportunidade para o turismo na natureza, a combinação de percursos pedonais e cicláveis com o comboio, o fomento da economia de proximidade, a promoção de saberes, sabores e tradições. É um potencial imenso, que só terá como limite a nossa vontade e a nossa capacidade.

A GUARDA: Ou seja, o Comboio faz mesmo parte da vida e da história das gentes desta região?

Filipe Santos: Claro! O comboio definiu a região. Trouxe gente para o Sanatório há 115 anos. Trouxe as Indústrias Lusitanas Renault na década de 60. Permitiu a passagem de refugiados a caminho da liberdade, nos anos da II Guerra. Levou os nossos avós e pais a procurarem melhores condições de vida. Não nos imaginamos sem o comboio. E a Benespera é terra de ferroviários.
A GUARDA: A Associação quer mesmo “colocar o comboio no futuro do Interior”?

Filipe Santos: Sem dúvida. Queremos trabalhar em parceria com instituições e intervenientes no desenvolvimento da região, definindo planos que coloquem o comboio como elemento central no turismo, no desporto, na juventude, na mobilidade sustentável. Em duas palavras: na coesão territorial.
A GUARDA: Quem é que pode fazer parte da Associação Move Beiras?

Filipe Santos: Qualquer pessoa, desde que se identifique com estes objetivos. Desde que queira fazer connosco esta viagem pelo futuro da região.
Acrescentar a vitória que se conseguiu com a integração de uma Base Regional de Escuteiros da Diocese da Guarda na Benespera, protocolo realizado entre a Junta Regional do CNE e a Associação Cultural e Recreativa de Benespera. Jovens que certamente podem potenciar a utilização deste serviço que é o comboio.