Entrevista: Pedro Pires, Presidente da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Gonçalo
Pedro Pires, Presidente da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Gonçalo, é natural da Amadora. Estudou na Escola Primária de Gonçalo, Escola Secundária Pedro Álvares Cabral (Belmonte), Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Nos poucos tempos livres que tem gosta de ler um bom livro, gosta de passear com a família, gosta de pesquisar e escrever sobre a história de Gonçalo e sobre as suas tradições, como a cestaria e gosta de colaborar com as associações locais na organização de eventos de várias ordens…
A GUARDA: Como foi recebida a decisão da Secretaria de Estado da Administração Interna, de aprovação de uma segunda Equipa de Intervenção Permanente para a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Gonçalo?
Pedro Pires: Naturalmente que a decisão foi recebida, quer junto do Corpo Activo desta Associação Humanitária, quer junto dos autarcas e das populações das freguesias que integram a área de actuação dos Bombeiros Voluntários de Gonçalo (Benespera, Gonçalo, Valhelhas, Vela e a localidade de Seixo Amarelo) com enorme satisfação. Em 2008, este Corpo de Bombeiros foi um dos primeiros Corpos de Bombeiros não localizados em sedes de concelho, a nível nacional, a ter uma Equipa de Intervenção Permanente. Rapidamente, todos nos consciencializámos da enorme mais-valia que uma EIP representa para a salvaguarda da segurança e da protecção dos cidadãos.
Durante os períodos em que os voluntários não podem dar o seu contributo em missões de protecção e socorro, porque estão nos seus locais de trabalho, sobretudo nos períodos diurnos, tem sido fundamental poder contar com uma EIP bem formada e bem equipada para dar resposta às múltiplas operações de socorro que vão surgindo, com especial enfoque, naturalmente, para o combate a incêndios florestais, operações de socorro em acidentes de viação e emergência pré-hospitalar.
Já contávamos com 5 elementos da primeira EIP. Podermos contar, a partir de agora, com duas equipas e 10 elementos só pode ser um motivo de grande satisfação para todos.
A GUARDA: Era uma aspiração antiga da direcção dos Bombeiros de Gonçalo para assegurar o socorro e a emergência à população?
Pedro Pires: Desde o momento em que foi anunciada a possibilidade de abertura de candidaturas para a constituição de novas Equipas de Intervenção Permanente que a Direcção da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Gonçalo sinalizou, quer junto da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, quer junto do Município da Guarda, a necessidade e a importância da constituição da segunda EIP neste Corpo de Bombeiros Voluntários.
Mais do que uma aspiração, a vontade de ver concretizada a segunda EIP prendia-se com a noção da enorme responsabilidade que impende, neste momento, sobre um Corpo de Bombeiros Voluntários de pequena dimensão como é o nosso. Na verdade, a par da prestação de socorro, que temos a responsabilidade garantir às populações que residem nas freguesias da nossa área operacional, existem, ainda, quatro pontos que consideramos extremamente sensíveis e para os quais temos de estar muito bem preparados. A Praia Fluvial de Valhelhas que, no verão, requer uma atenção redobrada, os troços da EN18 e da A23, duas das vias mais movimentadas do concelho e, mais recentemente, o troço da Linha da Beira Baixa, com um conjunto significativo de pontes na zona da Benespera.
Esta Associação Humanitária tem investido muito na formação especializada dos bombeiros, direccionando-a, naturalmente, também, para as especificidades do território em que o Corpo de Bombeiros de Gonçalo tem de operar. A reabertura da Linha da Beira Baixa, por exemplo, fez com que direccionássemos investimento, quer para a aquisição de equipamento de salvamento em grande ângulo, quer para a respectiva formação. E estamos certos de que as duas EIP, constituídas por bombeiros profissionais, permitirão, precisamente, reforçar a performance de formação dos operacionais do Corpo de Bombeiros de Gonçalo.
A GUARDA: No âmbito da aprovação desta nova equipa foi assinado um protocolo entre a Câmara da Guarda e a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Gonçalo. Em que se traduz este protocolo?
Pedro Pires: Trata-se de um Protocolo tripartido, assinado entre a Câmara Municipal da Guarda, a Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Gonçalo e a Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil.
Este protocolo visa estabelecer as competências de cada uma destas três entidades no âmbito da constituição da EIP. À Associação Humanitária cabe o enquadramento dos elementos da EIP que passam a ser trabalhadores da instituição. Ao Município e à Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil cabe o pagamento, em partes iguais, das respectivas responsabilidades salariais.
Estamos, por isso, muito gratos ao Governo e ao Município pelo facto de terem sabido dar as mãos e terem possibilitado a criação de mais uma EIP no concelho da Guarda, que vai contribuir para a fixação de mais 5 jovens bombeiros na Vila de Gonçalo. No fim de contas, para além dos ganhos operacionais resultantes da constituição destas equipas, temos de considerar, de igual modo, o muito que elas contribuem para inverter o ciclo de despovoamento a que assistimos nas regiões do Interior.
Por outro lado, importa referir que a celebração deste protocolo define, também, a abrangência da actuação desta nova EIP que tem, como sabemos, acima de tudo, âmbito concelhio. E nessa medida, com a sua criação ganham, não só as populações das freguesias que constituem a área operacional do Corpo de Bombeiros de Gonçalo, mas, também, toda a população do concelho da Guarda.
A GUARDA: Quais as principais dificuldades com que se debate a vossa Associação?
Pedro Pires: A Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Gonçalo foi constituída em 1980, há 42 anos. Como muitos se recordarão, foram precisas mais de duas décadas para que esta Associação pudesse ver, finalmente, erguido, um quartel com as condições mínimas que os bombeiros tanto reivindicaram, ano após ano. O novo quartel foi inaugurado em 2004, depois de um processo muito conturbado de avanços e recuos.
O quartel tem, hoje, 18 anos e, fruto de alguns erros de concepção do projecto, requer uma intervenção global de requalificação. Por outro lado, as garagens já não conseguem albergar os 17 veículos operacionais da Associação. Nesse sentido, temos já aprovado o projecto de requalificação e ampliação do Quartel dos Bombeiros de Gonçalo, que se estima possa custar mais de 200 mil euros. Naturalmente que a Associação, apesar de se encontrar numa situação financeira estável, não tem possibilidade de fazer face a este grande encargo. Contamos, por isso, para o efeito, com o apoio da Câmara Municipal da Guarda e com o apoio do Governo, através de eventuais fundos comunitários.
Resolver o problema das instalações e conseguir assinar um protocolo com o INEM para a criação de um PEM (Posto de Emergência Médica) com ambulância do INEM, creio que são, neste momento, as nossas maiores dificuldades e aspirações.
Quanto ao parque de viaturas estamos, por agora, muito bem. Acabámos de adjudicar uma nova ambulância de emergência, para a qual contámos com o apoio da Câmara Municipal da Guarda e fomos uma das Associações do distrito contempladas com uma viatura florestal de combate a incêndios no âmbito do PRR do Ministério da Administração Interna.
A GUARDA: O aumento do preço dos combustíveis obrigou a uma gestão mais rigorosa dos recursos?
Pedro Pires: Nos Bombeiros de Gonçalo, e creio que na maior parte das Associações de Bombeiros do País, já estamos habituados, há muito tempo, a uma gestão rigorosa de recursos. É muito importante que se perceba que as Associações de Bombeiros servem, essencialmente, para suportar financeiramente o funcionamento dos Corpos de Bombeiros que prestam serviços de protecção e socorro às populações em substituição do Estado (quando digo Estado, refiro-me à Administração Central e às Autarquias). Como costumo dizer muitas vezes, nós (Bombeiros) só existimos porque o Estado não tem uma estrutura pública de resposta para protecção e socorro. A estrutura que tem suporta-se nas Associações de Bombeiros. E referi isto tudo para dizer que o aumento dos preços dos combustíveis, agora tão badalado, é, apenas, mais um problema na gestão corrente das Associações. Importa, naturalmente, que relativamente a esta matéria, se possam encontrar mecanismos de compensação para os bombeiros na mesma medida e proporção em que se encontraram para outros sectores de actividade. Mas importa, igualmente, que se possam resolver problemas crónicos do sistema, como por exemplo o financiamento das Associações de Bombeiros por parte dos municípios. Foi, em tempos, determinado que o financiamento das Câmaras a atribuir às Associações de Bombeiros seria na mesma proporção e com os mesmos critérios definidos pela Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil. Muitos municípios manifestaram-se contra e a medida caiu. Creio que está na altura de voltar a exigir financiamento em partes iguais entre Administração Central e Administração Local, tal como já acontece, por exemplo, nas EIP.
Sinceramente, considero que a Liga de Bombeiros Portugueses devia concentrar os seus esforços mais em termos da estratégia de futuro dos Bombeiros Portugueses. E esta matéria do financiamento das associações é fundamental e estrutural, porquanto concorre, entre outros aspectos, para critérios de justiça e equilíbrio na atribuição de verbas às Associações de Bombeiros, acabando com a discricionariedade praticada pelos municípios.
A GUARDA: Quantos Bombeiros integram a corporação de Gonçalo?
Pedro Pires: O Corpo de Bombeiros Voluntários de Gonçalo é constituído por 40 elementos.
A GUARDA: Tem sido fácil fazer o recrutamento de novos elementos?
Pedro Pires: De facto, o recrutamento de novos elementos tem sido uma tarefa complicada. O voluntariado nos bombeiros é muito exigente, comparativamente com outros tipos de voluntariado. É um tipo de voluntariado que exige compromisso, sentido de responsabilidade e uma paixão muito grande pelo cumprimento da missão. E, sinceramente, o que sinto é que a juventude dos nossos dias tem alguma dificuldade em lidar com o compromisso e com a responsabilidade. Esta crítica não pode, naturalmente, ser generalizada, mas é para mim a expressão de um sentimento.
E deixe-me dizer-lhe, a propósito, que é por sentir isto mesmo que considero que o caminho que temos de começar a trilhar para o futuro dos Bombeiros Portugueses é o caminho dos corpos de bombeiros mistos, em que a base tem que ser, sem sombra de dúvidas, profissionalizada e, depois, o apoio pode ser complementado com os voluntários.
E mesmo assim, para conseguirmos motivar os bombeiros voluntários, creio que se torna necessário ir muito além do que já foi legislado a nível nacional pelo Governo.
É fundamental que os municípios, e em concreto o Município da Guarda, no nosso caso, possa tomar medidas concretas de incentivo, como descontos da factura da água, redução nas taxas de IMI e noutras taxas municipais. Aliás, sobre esta matéria, as três Associações de Bombeiros do concelho já manifestaram ao senhor Presidente da Câmara Municipal da Guarda disponibilidade para dialogar.
No que respeita ao Corpo de Bombeiros Voluntários de Gonçalo, podemos dizer que é um Corpo relativamente jovem e que, apesar de tudo, tem havido renovação. É, aliás interessante constatar que muita dessa renovação se tem concretizado através da passagem de testemunho de pais para filhos e de filhos para netos. Os Bombeiros Voluntários de Gonçalo contam, neste momento, com uma escolinha de bombeiros muito activa e promissora, que constitui a nossa grande esperança para o futuro desta tão nobre Instituição.
A GUARDA: Como é que a população de Gonçalo olha para os Bombeiros?
Pedro Pires: A população de Gonçalo sempre acarinhou muito a sua Associação de Bombeiros e sempre manifestou um enorme orgulho no seu Corpo de Bombeiros Voluntários. E isso mesmo nota-se na participação activa das pessoas na vida da Associação. O Quartel tem um pequeno bar para convívio dos bombeiros e dos associados que é, também, ponto de encontro para a comunidade.
Sempre que é preciso, a população de Gonçalo está na linha da frente para nos “ajudar a ajudar” como frequentemente dizemos.
E o mesmo sentimento têm as populações das restantes freguesias que integram a área operacional do Corpo de Bombeiros de Gonçalo. E, sobretudo para os bombeiros, é muito importante poderem receber o carinho e a admiração das populações. São eles os grandes heróis que todos os dias fazem impossíveis para defender, com a maior dedicação e altruísmo, as populações que lhes estão confiadas.