Entrevista: Aires Antunes Dinis – Autor do livro “José Joaquim Ferreira de Moura: Republicano Liberal” 
Aires Antunes Dinis, autor do livro “José Joaquim Ferreira de Moura: Republicano Liberal”, nasceu em Moçambique onde o pai era militar, mas é jarmelista dos Monteiros e de Pousade. 
Estudou em Lourenço Marques, Pousade, Rio Tinto, Porto e Lisboa, Coimbra e nos tempos livres gosta de andar a pé, viajar, ouvir música, ver televisão, conversar com amigos e ouvir o que o mundo que o rodeia tem para lhe dizer…
 
A GUARDA: O que o levou a escrever sobre José Joaquim Ferreira de Moura?
 
Aires Dinis: Começo por agradecer a oportunidade que me deram de contactar com os leitores do semanário A Guarda. 
Há cerca de 3 anos comecei a investigar sobre a Revolução Liberal, em particular sobre o dia 24 de Agosto de 1820, encontrando muitas informações sobre personalidades envolvidas nesta revolução e uma delas foi José Joaquim Ferreira de Moura, que logo identifiquei como alguém de Vila Nova de Foz Coa. 
Como desde há 9 anos colaboro na revista Coavisao, editada pelo município de Vila Nova de Foz Coa, comecei a pesquisar sobre ele, tendo aí publicado em 2021 o texto Vila Nova de Foz Côa na Revolução Liberal de 1820, em que descrevi com detalhe o papel de José Joaquim Ferreira de Moura, encontrando muita história mal contada, o que espevitou o meu interesse em clarificar a situação.
Como em 2019 publiquei com Maria Idalina Alves de Brito e António Alves sobre Tomé Rodrigues Sobral, um homem de Felgueiras, concelho de Moncorvo, que fica quase em frente de Vila Nova de Foz Coa, sendo os dois liberais muito activos acabei por encontrar informações sobre os dois, mostrando que se estimavam. Foi o que fui juntando para construir uma narrativa da Revolução Liberal muito detalhada e esclarecedora do que se passou.
Entretanto, aconteceu a Pandemia e passei muito tempo em casa, onde fui descobrindo na Internet os trabalhos, que José Joaquim Ferreira de Moura foi escrevendo e ainda muitos dados sobre a sua participação na construção da Constituição Liberal de 1822, que encontrei no Diário das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, que é muito rico em pormenores sobre a realidade social e política desse tempo, incluindo sobre a Guarda e aí a emergente luta de classes suscitada pelo interesse dos nobres em se apossarem dos pastos comuns, algo em que o Juiz de Fora da Guarda, Fernando Pacheco e Ornelas, esteve sempre muito empenhado.
Neste trabalho agradeço o apoio de muitos trabalhadores das bibliotecas, arquivos e livrarias e, claro, de muitos amigos que comigo partilham o seu saber e o resultado das suas investigações.
 
A GUARDA: Na investigação que teve de fazer encontrou muitos dados sobre esta figura política?
Aires Dinis: Quando em 2022 quis publicar de novo sobre José Joaquim Ferreira de Moura, tal era a abundância de dados, que tive de me cingir a três ideias: Calúnia, Contra-revolução e Companhia do Alto Douro. 
De facto, uma das ideias falsas sobre José Joaquim Ferreira de Moura e o Pai era que um e o outro eram farmacêuticos, uma mentira necessária para tornar credível que o Réu ou o filho José Joaquim podiam ter fabricado o veneno com que mataram o primo, João Domingues Barandas, um homem rico que muitos queriam herdar.
Bem preparado juridicamente, José Joaquim Ferreira de Moura conseguiu em 1804 que a sentença que condenou o Pai fosse revertida e que a sentença absolutória fosse publicada a expensas do Estado para que ficasse bem clara a falsidade da acusação e exemplo para os profissionais do Foro, juízes e agentes de acusação, ou seja, procuradores. 
Preocupado com o recuo da Revolução Liberal e o avanço da Contrarrevolução, analisou sem dogmatismos com Francisco Simoes Margiochi as suas causas. 
Como homem do Douro, escreveu A abolição do Companhia do Alto Douro igoalmente necessaria ao productor em Portugal e ao consumidor em Inglaterra com o fornecedor, evidenciando o mau funcionamento deste monopólio pombalino.
Perante a abundância de dados, acabei por concluir pela necessidade de publicar um livro, em que esta figura política tivesse um retrato o mais fidedigno possível, esclarecendo desse modo os contornos históricos do tempo em que viveu e onde foi um protagonista corajoso.  
Quero também sublinhar o apoio de funcionários das muitas bibliotecas e arquivos que utilizei que foram sempre inexcedíveis no carreamento de informações.
 
A GUARDA: Em que se distinguiu José Joaquim Ferreira de Moura?
Aires Dinis: José Joaquim Ferreira de Moura foi um jurista de alto nível como pude verificar nos trabalhos que publicou, sublinhando por isso que durante o exílio que viveu em Inglaterra aproveitou o tempo para estudar a organização dos tribunais ingleses, sempre com o objectivo de mudar o nosso sistema judicial, que sabia muito imperfeito e a necessitar de correcções que o tornassem mais eficaz e mais justo.
Como político quis melhorar a administração pública e a organização política de modo a construir uma democracia, participando por isso na elaboração da Constituição de 1822, tendo em vista a modernização da nossa sociedade e o seu correto funcionamento político através da censura de alguns comportamentos imorais e oportunistas dos homens do seu tempo, incompatibilizando-se por isso com alguns de quem foi amigo e correligionário, preferindo seguir um percurso ético irrepreensível.  
Isso não o impediu de inventar com outros um Dicionário de Algibeira Filosófico, Político, Moral que dá de certas palavras a sua noção verdadeira, Oficina da Junta Apostólica, Madrid, um manuscrito em boa letra publicado em 1832 que encontrei nos Reservados da Biblioteca Na cional com que dei temporariamente por terminada esta minha investigação. 
 
A GUARDA: O livro contou com o apoio da Câmara De Vila Nova de Foz Côa? 
 
Aires Dinis: Sim e mais importante do que o apoio monetário, tive ao longo dos anos em que colaboro na Coavisão uma atenção e abertura muito especial da Câmara e de amigos como o Dr. José Ribeiro, um homem cuja coragem salvou as Gravuras de Foz Côa e muitos outros, que sempre me incentivaram no meu trabalho, dando-me até o privilégio de intervir nas sessões comemorativas do Foral de Vila Nova de Foz Côa, que se realizam a 21 de Maio.   
 
A GUARDA: Para além deste livro tem outras obras publicadas. Quais os assuntos que mais gosta de abordar?
 
Aires Dinis: Escrevi livros sobre Economia Regional, Educação em Portugal, Ciência e mais recentemente sobre Saúde. 
Comecei por escrever há 40 anos sobre os problemas da Região das Beiras e há 20 anos sobre a Economia do Distrito da Guarda e também sobre a história do Associativismo Comercial da Guarda
Escrevo agora sobre a vida de uma Escola Centenária e os problemas que desde sempre enfrentou.  
No dia-a-dia procuro prioritariamente intervir na análise dos problemas do Interior através da minha escrita nos jornais e nas revistas regionais como a Praça Velha da Guarda, Brigantia da CIM Terras de Trás-os-Montes, Coavisão, Colégio Campos Monteiro de Torre de Moncorvo, Cadernos de Cultura de Castelo Branco. Colaborei ainda em revistas como O Professor, Arquivo Coimbrão, Munda, Altitude procurando sempre participar no necessário debate público esclarecendo e procurando esclarecimentos sobre os problemas de todos nós.
Participo regularmente em Congressos Internacionais sobre Educação, o que me permite estar em contacto com outros investigadores, aprendendo muito com eles e fazendo assim análise comparada da Educação. 
Em suma, vou absorvendo ideias que me permitem pensar melhor o meu país. 
A GUARDA: Como investigador tem centrado a sua acção na área da economia, educação, saúde e herança cultural. Podemos dizer que é um campo de acção muito vasto?
 
Aires Dinis: Sou de formação economista, procurando manter-me actualizado na ciência económica, mas seguindo o princípio de que não nos devemos circunscrever ao nosso campo de formação, adapto o lema de que um “Médico que só sabe de Medicina nem de Medicina sabe” à Economia, seguindo por isso o princípio de que um “Economista que só sabe de Economia nem de Economia sabe”, o que me obriga a olhar para outros saberes para como economista saber melhor entender a economia como ciência social e humanizada. 
 
A GUARDA: Como homem da Guarda, como olha para a política cultural da autarquia?
Aires Dinis: Como homem da Guarda e do Mundo, considero que a Cultura deve informar e conformar a nossa actividade política e que a Cultura não deve nunca ser uma coisa praticada de forma descuidada, obrigando cada um de nós a cultivá-la de forma inclusiva, que nos envolva a todos numa forma de vida emancipatória de cada um e de todos, valorizando a Cultura Popular e com ela a Literatura, Ciência e Tecnologia que nos fazem pensar sempre cada vez melhor a nossa Humanidade, que deve ser conjugada com o imperativo respeito pelo Ambiente, onde é imprescindível proteger os animais e plantas que nela vivem, nomeadamente as nossas vacas, ovelhas e cabras jarmelistas. 
Foi para mim frustrante a forma desleixada e politicamente limitada como foi preparada a nossa candidatura a Capital Europeia da Cultura, onde foi evidente tanto o desprezo pela Cultura Popular como pela nossa Cultura mais elaborada, que é produzida aqui e nos diversos lugares da diáspora por onde nos dispersámos.
Li por isso com desgosto e muita atenção o BidBook produzido pela Candidatura a Capital Europeia da Cultura, sentindo nele exclusões de muitos que produzem Cultura com amor e esforço e que não mereciam o desprezo a que foram votados.
Vou por isso acompanhando com olhar atento e dando o meu melhor para que a política cultural da autarquia seja integradora de todos, usando os seus recursos e colaborando com outras entidades para que todos sejamos produtores felizes de Cultura.