“Com os nossos serviços adaptados à realidade de cada um conseguimos promover a inclusão social retardar a institucionalização”

Helena Saraiva, responsável pelo projecto ‘Rugas de Sorriso’, é natural de Trancoso. Estudou em Trancoso (12º ano humanidades). Viveu 10 anos na Suíça. Nos tempos livres gosta muito de ler, escrever, ver filmes e fazer desporto.A GUARDA: O que é e para que nasceu o projecto Rugas de Sorrisos?
Helena Saraiva: O projecto Rugas de Sorrisos surgiu há 6 anos com o objectivo de colmatar uma necessidade detectada na nossa região e que está a crescer de ano para ano, que é o isolamento e a solidão da pessoa idosa e dos cuidadores informais (não profissionais que cuidam).O que me levou a criar o Rugas de Sorrisos foi uma ida à missa. Assistir a uma homilia no dia em que homenageávamos os mortos e em que o Sr. Padre salientou o quanto estamos focados no nosso umbigo e a tornar-nos egoístas, fez-me pensar nos meus, nos valores que me transmitiram e provocou-me uma necessidade de abrandar o ritmo. De sentir outra vez as coisas devidamente. De nos sentir mais humanos.Fui criada pelos meus avós e pela minha mãe. Faleceram cedo demais (os nossos morrem sempre cedo) e quem cuidou de todos foi uma tia, irmã da minha mãe. E cuidou muito bem, mas para o fazer, abdicou muitas vezes de cuidar dela própria. E todos sabemos que o tempo não espera. O tempo é valioso para quem cuida e cuidar de si também deveria sê-lo.Esta foi uma das razões que me levou a apostar num projecto de tempo e afecto.A minha experiência pessoal, os dados dos censos seniores da GNR que no nosso distrito aumentam de ano para ano com pessoas idosas sozinhas e isoladas, mais toda a investigação que o comprova, fez o resto.
A GUARDA: Quais as zonas de intervenção do Rugas de Sorrisos?
Helena Saraiva: Actualmente o Rugas de Sorrisos atua no concelho de Trancoso e Guarda. Mas aspiramos alargar para todo distrito.
A GUARDA: Quantas pessoas então envolvidas neste projecto? 
Helena Saraiva: Temos uma equipa multidisciplinar, composta por 6 pessoas. Eu, que sou a coordenadora da associação, uma assistente social, uma psicomotricista, um técnico de desporto, uma cuidadora formal, uma fotógrafa/videografa que muitas vezes veste o papel de cuidadora também.
A GUARDA: Quais as principais actividades que desenvolvem?
Helena Saraiva: Temos um conjunto de serviços que vai desde fazer companhia ao domicílio (para nós o serviço mais importante e o que nos vai permitir desenvolver os outros correctamente), acompanhamento a consultas, compras, tratamentos, serviços, visitas a familiares, actividades individuais e em grupo de estímulo cognitivo e sensorial, cuidados de saúde e bem-estar que podem ser individuais como por exemplo ajuda no banho, a tratamentos de fisioterapia, massagens, cuidados de enfermagem ou terapias holísticas, e passeios. Tudo o que ultrapassa os serviços tradicionais no apoio ao domicílio praticado por diversas instituições sociais.
A GUARDA: Quais as dificuldades que têm encontrado na concretização dos vossos objectivos?
Helena Saraiva: A principal dificuldade é financeira. Apesar de este ano, com a candidatura das parcerias para o impacto aprovada e os estatutos de IPSS, estar a ser menos difícil conseguirmos apoios, continuamos a precisar urgentemente que entidades publicas, privadas, ou qualquer pessoa que se identifique com o que fazemos nos possam apoiar nas nossas acções. Podem fazê-lo apadrinhando um ou mais utentes durante um período de tempo, ou como investidor social.
A GUARDA: De que maneira é que o Rugas de Sorrisos tem contribuído para a promoção e integração dos mais idosos?
Helena Saraiva: Através de tempo e afecto. Costumo dizer que não damos saúde a ninguém, mas a verdade é que o tempo e o afecto fazem milagres. Com os nossos serviços adaptados à realidade de cada um conseguimos promover a inclusão social, retardar a institucionalização, mante-los mais autónomos, activos e alegres, promovendo a longevidade com o máximo de qualidade de vida que podemos dar.Temos o privilégio de acompanhar várias histórias de vida, várias realidades, mas numa coisa somos todos iguais.Todos gostamos de falar de nós, todos gostamos que se preocupem connosco, todos gostamos de sentir que ainda temos voz… E através da escuta activa valorizamos o que são e o que foram, num misto de antes e agora. Fazemos questão de dar palco a cada um deles.Mas há tanta história bonita a perder-se por aí. Histórias que fizeram história.
A GUARDA: Como é que o Rugas de Sorrisos tem lidado com a pandemia?
Helena Saraiva: Com as devidas precauções, reajustando alguns serviços que neste momento são feitos há distância, via zoom, mas sem descuidar o apoio a quem precisa ainda mais de nós nesta fase.
A GUARDA: Como olha para o futuro do distrito da Guarda, uma vez que a população, principalmente das zonas rurais, está cada vez mais envelhecida?
Helena Saraiva: Olho num misto de medo e esperança.Medo porque actualmente existem 4585 pessoas idosas em situação de mais vulnerabilidade. Este ano temos mais 400 pessoas que o ano passado e aqui não contabilizamos aqueles que vivem com familiares e que estão dependentes de terceiros.  E só isto demonstra a urgência e importância de novas respostas e a necessidade de adaptar essas respostas às pessoas e não o contrário.Nós estamos a envelhecer desde que nascemos. Habituamo-nos desde sempre a ter objectivos e é assim em cada etapa da nossa vida. E temos direito a escolha. Porque é que depois dos 65 ou a esticar um bocadinho a corda 70 deixamos de ter esse direito? Porque é que permitimos que as pessoas idosas sejam só um número de estatística? Porque é a idade um handicap?Precisamos mais do que adaptar respostas, mudar mentalidades e pensar no envelhecimento como uma etapa da vida e não como o fim da linha. E tenho esperança que os tempos que atravessamos e que não estão a ser fáceis para ninguém, acompanhados da época que se aproxima nos leve a reflexão.Nem todas as famílias são estruturadas e felizes, nem toda a gente tem água e luz, nem toda a gente vê isto como uma necessidade básica. Mas toda a gente merece manter a voz, a esperança e a dignidade que a solidão acaba por roubar quando se instala.Não podemos basear-nos num livro de teorias quando falamos de seres humanos. Cada pessoa é única e deve ser tratada como tal.Muita saúde e Rugas de Sorrisos nos corações.