“Nutro um carinho especial pela escrita infantil e sinto-me feliz porque o meu primeiro livro editado é para crianças,
mas não escrevo só para elas…”


Ana Isabel Martins, autora do livro “O Guarda Chuva Amarelo”, é natural da Guarda. Frequentou a Escola Primária pública do Outeiro de S. Miguel, a Escola Preparatória de Santa Clara, a Escola Secundária da Sé e o Instituto Politécnico da Guarda. Concluiu o Mestrado na Universidade da Beira Interior, na Covilhã. Nos tempos livres gosta de ler, escrever, desenhar, ouvir música, conversar e viajar.

A GUARDA: Quem é Ana Isabel Martins e o que a liga à Guarda?

Ana Isabel: É difícil falarmos de nós próprios, as nossas lentes têm uma visão de dentro para fora e os outros veem-nos, sempre, do lado de lá…
Ana Isabel Martins é dotada de uma sensibilidade ímpar, com aptidões especiais para as artes visuais e a escrita, tem um apurado sentido de organização e perfeccionismo e possui uma grande facilidade de integração, capacidade de comunicação e adaptação a ambientes multiculturais. Prioriza os valores morais, o espírito de entreajuda e os afectos, conceitos incutidos no seio familiar.
Nasceu na Guarda, onde viveu até à conclusão do Bacharelato e está ligada à cidade por elos familiares e pelas recordações da infância e da juventude. A cidade granítica está espelhada no olhar da autora em postais ilustrados, com fotografias de nevões gelados, de dias envoltos em nevoeiro e de outros, com sol de queimar as calçadas. É aqui que se sente em “casa”, onde encontra paz junto das pessoas que têm, nesta cidade, uma identidade calorosa e um registo único.

A GUARDA: Como apareceu o gosto pela leitura, pela escrita e pelo desenho?
Ana Isabel: O gosto pela leitura surgiu desde tenra idade, recordo-me sempre de ver a minha irmã, ligeiramente mais velha do que eu, embrenhada em livros e a minha mãe, embora nunca tenha ido à escola, incentivava-nos e deleitava-se a ouvir-nos ler.
Quanto à escrita, já na primária gostava de fazer redacções, de compor frases, inventar histórias e criar textos. Lembro-me de, terminada a primeira classe, com seis anos, ter ido de férias à praia e ter escrito uma extensa carta à minha mãe, que ela guardou com carinho e orgulho. Em adolescente, gostava de escrever diários e em todo o percurso académico esmerei-me na disciplina de Português. Nunca descurei o gosto pela escrita correta, quer na vida profissional, quer na vida quotidiana e dói-me ver erros de português.
Desde que me lembro de ser eu que gosto muito de desenhar e nas minhas primeiras palavras, conta a minha mãe, estavam incluídas as cores, que aprendi mal comecei a falar. Considero que “sofro” de um certo tipo de sinestesia, uma vez que, para mim, todas as palavras têm uma cor. Também o nome do livro destaca a minha cor preferida.
Sempre quis frequentar um curso de Artes e Pintura, mas ainda não foi possível a concretização deste sonho.
Quero frisar que sou oriunda de uma família muito humilde e, na minha infância, há quarenta anos, o acesso à televisão era restrito. Lembro-me de já ter abandonado a escola primária há muito quando a primeira televisão, ainda a preto e branco, entrou na casa dos meus pais. A programação também era limitada e, nessa altura, os livros eram os veículos que nos traziam o mundo e nos permitiam abrir os horizontes do conhecimento.

A GUARDA: Como é que uma Engenheira Civil se dedica à escrita para crianças?
Ana isabel: Em 2016, uma doença natural crónica levou-me a suspender a actividade profissional. Com a alteração de rotinas, a vontade de escrever, adormecida durante os anos intensamente dedicados à engenharia civil, despertou e escrevo sempre ao “correr da pena”, uma vez que as palavras brincam dentro de mim, prontas a saltarem e delicia-me organizá-las e adjectivá-las, ordená-las em frases e textos, como telas de letras, com pinceladas de sentimentos…
Nutro um carinho especial pela escrita infantil e sinto-me feliz porque o meu primeiro livro editado é para crianças, mas não escrevo só para elas e acalento o sonho de editar livros para outro tipo de público. Gostava de publicar, tão breve quanto possível, uma compilação de textos que tenho vindo a escrever, sobre temas diversos e estados de alma.
Devido à suspensão da minha actividade profissional por motivos de saúde, a situação económica ruiu. Espero que este livro dê a conhecer a minha forma de me expressar e que o público goste da minha escrita, o que me possa permitir perspectivar novas saídas profissionais.
Desde a publicação do livro, em 2020, tem sido difícil a sua promoção e divulgação, uma vez que este período temporal coincidiu com a actual pandemia.

A GUARDA: O que é que o levou a publicar o livro “O Guarda Chuva Amarelo”?

Ana Isabel: Em 2019, dei a conhecer a história à Editora “Cordel d`Prata”, que manifestou interesse na sua edição. Acarinhei imediatamente a possibilidade de editar um livro e empreendi a sinuosa e atribulada caminhada que permitiu esta edição.

A GUARDA: Apesar de gostar de desenho não ilustrou o seu livro. Houve alguma razão para o não fazer?

Ana Isabel: É política interna da Editora tratar da ilustração, uma vez que dispõe de profissionais contratados habilitados para o efeito. Limitei-me a traçar as directrizes e procurei definir pontos fundamentais das ilustrações.

A GUARDA: A quem é destinado e dedicado este livro?

Ana Isabel: Este livro é dedicado ao meu sobrinho Leonardo, uma das pessoas mais importantes para mim e a mais parecida comigo na maneira de ser, temos uma enorme afinidade e ele está sempre presente na minha vida.
Penso que todos nós guardamos as pessoas num determinado estágio da vida em que nos cruzámos com elas ou nos marcaram e eternizamos essa imagem delas, é a imagem que sobressai quando as recordamos e, por isso, nos custa tanto aceitar que mudam, crescem, adoecem, envelhecem e partem, porque isso nos obriga a mudar o diapositivo que temos gravado no nosso arquivo de memórias.
Para mim, o meu sobrinho é sempre criança e, apesar de já não conseguir pegar-lhe ao colo, pelo tamanho dele, e ser ele quem me pode, literalmente, dar colo, o Leonardo é eternamente criança no meu coração… O meu livro destina-se a crianças entre os sete e os doze anos, mas é transversal a todas as idades porque a história projecta valores universais, como a amizade e a solidariedade. Todos nós, embora cresçamos, nunca despimos a infância da nossa alma, sobrepomos idades e damos-lhes uma roupagem adulta mas, por baixo, fica sempre a nossa indumentária de crianças.

A GUARDA: Já venceu o Concurso literário – Prémio Dr. João Isabel, promovido pelo Município de Manteigas?

Ana Isabel: Em 2019, na 20ª Edição do Concurso Literário - Prémio Dr. João Isabel, organizado pelo Município de Manteigas, foi-me atribuído o 1º Prémio – Prosa – Conto, com o trabalho “Arco-Íris” e no ano seguinte fui distinguida com o 3º Prémio, na mesma categoria, com o trabalho “A rainha e o peão”.

A GUARDA: No seu ponto de vista o que é necessário fazer para motivar as gerações mais novas para a escrita e para a leitura?
Ana Isabel: A sociedade actual vive a correr, está constantemente a ser bombardeada por imagens em movimento que saltam dos écrans. Não existe uma cultura de intervalos, de paragens, da aprendizagem da apreciação dos silêncios e da meditação.
Torna-se mais aliciante para as crianças verem imagens em movimento do que ler livros com frases paradas e imagens estáticas. É-lhes dado um telemóvel, para se distraírem ou calarem, antes de aprenderem a falar e convivem com os adultos, continuamente, agarrados aos écrans.
Não chega oferecer livros às crianças para as incentivar a ler, é necessário o exemplo e que lhes leiam histórias desde cedo, que lhes seja dado tempo e espaço para brincadeiras e leituras.
Noutros tempos, a comunicação passava por cartas e as pessoas eram obrigadas a escrever. Actualmente, os telemóveis e as mensagens rápidas, muitas vezes com abreviaturas, fazem as pessoas esquecerem-se da forma correta de escrever. No actual sistema de ensino prioriza-se o sucesso escolar e pisam-se algumas exigências com as disciplinas básicas de Português e Matemática. Paralelamente, existe uma triste cultura de tolerância com os erros ortográficos na imprensa, em quadros superiores ou em discursos políticos…
As crianças não sentem necessidade de pesquisar nos livros porque a internet, à distância de um clique, tem respostas imediatas para tudo. É necessário reformular a educação e o ensino para incentivar as crianças a lerem, o que prestigia a imaginação e promove a expressão escrita.
Quem mal lê, mal escreve, mas quem bem lê, bem escreve…