Entrevista: Luís Prata Bernardo – Presidente da Junta de Freguesia de Aldeia Viçosa

 

Luís Prata Bernardo nasceu em 1975, em França. A escola primária foi bipartida entre o país de origem e Aldeia Viçosa. É licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Esteve ligada ao ensino e à formação de jovens e adultos. Trabalha no Gabinete de Apoio ao Emigrante na Câmara Municipal da Guarda. Devido à vida familiar, profissional e autárquica, não tem muito tempo livre. Pratica futebol sempre que pode ou joga uma boa partida de Sueca nos cafés de Aldeia Viçosa. Gosta de ler e de teatro.

A GUARDA: O Magusto da Velha é uma obrigação secular enraizada nas pessoas de Aldeia Viçosa. Continua a fazer sentido cumprir a obrigação da Velha?

Luís Prata: Sem sombra de dúvida, não só pela obrigação legal, porque existe um testamento, mas principalmente pela obrigação de se manter viva uma tradição rica, secular e singular, que é única no mundo e que atrai cada vez mais pessoas a Aldeia Viçosa e ao concelho da Guarda.
O Magusto da Velha vai sendo enriquecido a cada ano que passa. Este executivo já lhe juntou a componente dramática, com o grupo Hereditas a recriar o episódio medieval que deu origem ao evento e com o cortejo das castanhas e do vinho; a componente religiosa foi reforçada com uma Missa pela Velha, que tem sido celebrada pelo padre de Aldeia Viçosa, Padre Carlos Jacob; e com uma componente gastronómica, onde juntámos ao vinho, a jeropiga de Aldeia Viçosa e as torradas mergulhadas no nosso excelente azeite.

A GUARDA: Em que consiste a obrigação e quem a cumpre?

Luís Prata: Muito sinteticamente, consiste em cumprir com o Testamento que uma Velha fez com a Paróquia da altura, hoje representada pela Junta de Freguesia. A Velha oferece castanhas e vinho ao povo e este, como pagamento, tem que rezar um Padre-Nosso pela sua alma.
Em 1698, chega-nos o mais antigo testemunho que atesta a veracidade desta história: “Obrigações que têm os párocos nesta igreja: Têm obrigação de dar (…) cinco meios de castanhas e cinco alqueires de vinho, pela Alma de uma velha que deixou noventa e seis Alqueires de centeio a esta Igreja colectados na quinta do Lagar de Azeite para que com esta castanha e este vinho se fizesse no mesmo dia um magusto e todos os que dele comessem rezarem na Igreja um Padre Nosso pela sua Alma e pelo povo, é o pede o capelão quando diz a missa.” MEIRELLES, António, Livro de Usos e Costumes desta Igreja do Lugar de Porco, 1698.
Portanto, já em 1698 existia a obrigação da Igreja de Santa Maria de Porco dar castanhas e vinho ao povo e que em troca se rezasse pela sua alma. O dinheiro para estas oferendas viria da quinta cuja Velha era proprietária.
Há ainda a tradição que diz que o vinho tem que ser oferecido pela Quinta de São Lourenço para que a produção seja abençoada. E todos os anos assim tem sido. Mudam os proprietários, mantém-se a dádiva. Acreditamos que esta quinta era parte da quinta da Velha.

A GUARDA: Quais os argumentos para uma candidatura desta tradição a Património Imaterial?
Luís Prata: Os argumentos são muito fáceis de compreender. Primeiro, trata-se de uma tradição única no mundo, portanto singular. Depois, porque é das tradições mais ancestrais de Portugal. Recordamos que no século XVII já se cumpria esta tradição e que alguns historiadores a situam no século XIV, portanto secular. Também porque atrai cada vez mais turistas, e de locais cada vez mais díspares, e porque a constante presença da comunicação social, local e nacional, comprovam a sua riqueza e importância cultural. Finalmente, porque recorda e celebra a solidariedade de uma Velha benemérita que deu de comer aos pobres de toda a aldeia em tempos de muita fome e pobreza.

A GUARDA: Que outras tradições fazem parte da memória colectiva de Aldeia Viçosa?
Luís Prata: Aldeia Viçosa é uma povoação rica em tradições. Temos, por exemplo, a Festa da Sina, ou Festa em Honra e Louvor a Nossa Senhora do Carmo, a maior festa religiosa da freguesia. Todos os anos, no domingo a seguir à Páscoa, o povo sai em procissão para a Capela de Nossa Senhora do Carmo, situada a cerca de 3 Km, entre a Soida e a Mizarela, para aí celebrar a missa campal. Naquele local, viveram três monges carmelitas, provavelmente aí instalados em finais do século XVI, e ter-se-ão verificado vários milagres atribuídos a Nossa Senhora do Carmo.
Não se sabe muito bem como começou esta romagem. Uma lenda refere uma promessa colectiva e conta que uma praga de gafanhotos invadiu toda a região, destruindo grande parte dos cultivos. O povo pediu a intersecção de Nossa Senhora do Carmo que terá afastado os gafanhotos. Em troca, o povo prometeu ir todos os anos à capela, em paga do favor.
Uma outra lenda defende que Nossa Senhora do Carmo terá aparecido a um dos ermitães, na lapa que ainda hoje se conhece como a “Lapa do Ermitão”, e que a partir de então se teriam iniciado as peregrinações ao local. (Fonte: Sina Minha, Senhora Nossa, de José Manuel Coutinho dos Santos, 2007).

A GUARDA: Na vertente patrimonial e ambiental o que é que Aldeia Viçosa tem para oferecer a quem visita a freguesia?
Luís Prata: Aldeia Viçosa é das freguesias mais ricas a nível patrimonial do concelho da Guarda. Muito graças às famílias abastadas que ali possuíam os grandes solares e quintas medievais e que nos legaram um vasto património.
A nossa maior bandeira é a magnífica Igreja Matriz. A única igreja do concelho da Guarda classificada como Património de Interesse Nacional, desde 2002. Aqui podemos encontrar um valioso quadro da escola de Grão Vasco e que data da primeira metade do século XVI, a rica talha dourada que atesta a requalificação que o imóvel sofreu na época barroca, todo um soberbo trabalho de estatuaria, etc.
Além disso temos os diversos solares medievais, as capelas do Mártir São Sebastião e de Nossa Senhora do Carmo, as fontes tradicionais, as casas tipicamente beirãs, etc. Correndo o risco de estar a dizer uma asneira, mas alguns de nós acreditam que houve judeus a viver em Porco (antiga designação de Aldeia Viçosa) e conseguimos descobrir vestígios nalgumas habitações.
Temos também o Caminho de Santiago que passa pela nossa localidade, utilizando uma via romana que juntava concelhos. Criámos uma Rota Pedestre que convida a conhecer toda a nossa riqueza ambiental, e que passa pela margem do rio Mondego, subindo à serra.
Estes são apenas alguns exemplos da riqueza patrimonial de Aldeia Viçosa.

A GUARDA: Que aproveitamento é que a Junta de Freguesia faz da praia fluvial?

Luís Prata: A Praia Fluvial é outro ex-libris da freguesia e todos os anos atrai turistas ao concelho da Guarda. São cada vez mais os estrangeiros que procuram esta zona, também por aquilo que a nossa praia oferece. Acaba assim por ser uma valência importante para os diversos alojamentos locais da região e que usam, e bem, este espaço para promover as suas ofertas. Todos os anos diversas autarquias, escolas, IPSS e outras entidades de todo o distrito da Guarda procuram este espaço para os seus grupos e as suas férias juvenis, desde Seia até Foz Côa, por exemplo. Além disso, temos a vertente financeira. As receitas deste espaço são o ponto de equilíbrio contabilístico de uma freguesia super endividada.

A GUARDA: Considera que a construção dos Passadiços do Mondego pode ajudar na captação de novos visitantes para a zona do Vale do Mondego?

Luís Prata: A construção dos Passadiços do Mondego vai com toda a certeza contribuir para dar uma ainda maior vitalidade a toda a região. Depois de recompostos da desilusão de não ter os Passadiços em Aldeia Viçosa, estamos convictos que todos sairão.
De todo o modo, estamos a criar ofertas para que os turistas dos Passadiços também nos procurem. Já criámos a nossa PR 1 - Pequena Rota de Aldeia Viçosa, um percurso que tem sido procurado por muitos amantes das caminhadas. Além disso, temos a ambição de criar a Grande Rota do Vale do Mondego, em conjunto com as freguesias vizinhas, que poderá ser um complemento aos Passadiços. Existe também um projecto municipal para a construção de uma ciclovia junto ao rio Mondego, nas localidades do Vale do Mondego, e que poderia juntar este espaço ao Passadiços, enriquecendo a oferta turística em volta desta obra.