Entrevista: João Inácio Monteiro – Presidente da Cáritas Diocesana da Guarda


João Inácio Monteiro, juiz desembargador jubilado, actual Presidente da Cáritas Diocesana da Guarda, é natural de Quinta de Gonçalo Martins, freguesia do Marmeleiro, concelho da Guarda.
Estudou na Escola primária de Quinta de Gonçalo Martins; Colégio dos Jesuítas da Imaculada Conceição; Colégio de S. José Guarda, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Centro de Estudos Judiciários.
É Presidente da Assembleia Geral da Associação Cultural e Recreativa da Benespera, Presidente da Assembleia Geral da Santa Casa da Misericórdia da Guarda, Presidente da Comissão Diocesana de Protecção de Menores e Adultos Vulneráveis.
Ocupa os tempos livres na agricultura, recolha de música tradicional portuguesa, ler, escrever e associativismo.
A GUARDA: Tomou posse, em Setembro de 2021, como Presidente da Cáritas Diocesana da Guarda. O que é que o levou a aceitar este desafio?

João Inácio: Embora prevendo algum sacrifício pessoal, decidi largar o meu lugar de conforto de juiz desembargador jubilado e anuir ao convite do Rev.mo Bispo da Diocese da Guarda, D. Manuel Felício, para o cargo de presidente da Direcção da Cáritas Diocesana da Guarda. Foi determinante, para aceitar este desafio, o facto de reunir os requisitos em termos de formação cristã, que vai ao encontro do espírito que deve presidir ao cargo de uma instituição desta natureza, ter experiência de associativismo e entender que reunia qualidades de trabalho, diálogo e de gestão que podia pôr ao serviço da comunidade, nestas terras do interior, muitas vezes esquecidas pelo Estado e até pelo poder local. Estes factores, a minha paixão pelo associativismo e a minha crença de que as instituições particulares de solidariedade social são a melhor via para promover o bem público numa sociedade que devia ser mais comunitarista e menos egoísta, foram determinantes. Participando na gestão ou colaborando com instituições de particulares de solidariedade social, como é a Cáritas Diocesana da Guarda, é uma boa forma de contribuir, juntamente com a equipa que me acompanha, para o prosseguimento do bem público na sua área de intervenção, tendo como fins a caridade cristã, a cultura, a educação e a integração comunitária e social, especialmente dos mais necessitados e vulneráveis, na perspectiva de construir uma sociedade mais justa e mais fraterna.

A GUARDA: Quem tem consigo na nova Direcção da Cáritas da Guarda?
João Inácio: Acompanham-me na Direcção da Cáritas Diocesana da Guarda: António Augusto Batista Rodrigues - Vice-Presidente; Irene do Nascimento Almeida Macena - Secretária; António Alexandre Martins da Costa - Tesoureiro e Maria da Conceição Barbeira Monteiro - Vogal.
Fazem parte do Conselho Fiscal: António Carlos Marques Gonçalves - Presidente; Manuel Gomes Pinto Portugal - Secretário e Maria Isabel Varandas Esteves - Vogal.
Sendo uma instituição com 13 funcionários, não quero aqui deixar de lembrar o seu excelente desempenho funcional, em especial das responsáveis pelas diversas valências, que pela sua experiência, conhecimento e dedicação são a alma visível da Cáritas Diocesana da Guarda que solidariamente e com rigor concretizam exemplarmente as linhas orientadoras da Direcção: Celeste Domingos - responsável pelos serviços de secretaria, contabilidade, equipamento e apoio à Direcção; Vera Pragana - directora técnica do Centro de Apoio à Vida “Nascer”; Ana Castro - coordenadora do serviço de apoio domiciliário; Isabel Rabaça – responsável e coordenadora pelos serviços de apoio à integração dos migrantes (CLAIM); Cátia Lopes – responsável pelo apoio e atendimento social.

A GUARDA: A passagem de testemunho aconteceu numa altura de dificuldades especiais, devido à pandemia. Como é que a Cáritas da Guarda se adaptou a esta nova normalidade?

João Inácio: A passagem de testemunho ocorreu numa altura em que a Cáritas Diocesana da Guarda, devido à pandemia, já lidava com dificuldades acrescidas, no que se refere ao apoio social com atendimento na sede e para recorrer a dificuldades de ordem económica. O desempenho das funções de todos os elementos da Direcção, em regime de voluntariado, numa instituição com diversas valências de apoio aos mais necessitados e vulneráveis, não é fácil, pois exige uma intervenção constante, o que se agravou com a pandemia e depois com o apoio ao povo ucraniano através da recolha e envio de roupas, medicamentos e alimentos e ultimamente com a integração dos refugiados ucranianos que chegam à região da Guarda, para o que a Cáritas da Guarda aceitou fazer parte do Gabinete de Crise dentro do seu âmbito de intervenção, uma vez que dispõe de um corpo de funcionárias com conhecimento e larga experiência nesta matéria. Os novos tempos implicaram de forma natural a nossa adaptação, quer dos elementos da Direcção, quer dos funcionários e colaboradores, exigindo de nós todos mais empenho e mais trabalho.

A GUARDA: Quais os campos em que a Cáritas Diocesana da Guarda está a desenvolver a sua acção?

João Inácio: A Cáritas Diocesana da Guarda é uma instituição que prima pela sua discrição e que por vezes parte da comunidade não se apercebe da sua importância em termos da política de apoio social. Importa realçar que a mesma prossegue o bem público eclesial na sua área de intervenção, de acordo com as normas da Igreja Católica e direito interno do Estado Português, e tem como fins a promoção da caridade cristã, da cultura, da educação e da integração comunitária e social, especialmente dos mais pobres e materializa tais fins e objectivos mediante a concessão de bens, a prestação de serviços e outras iniciativas de promoção do bem-estar e qualidade de vida das pessoas, famílias e comunidades, através das seguintes valências: Centro de Apoio à Vida “Nascer”. Serve de habitação para mães solteiras ou sem abrigo, com filhos menores institucionalizados, encaminhadas pela Segurança Social, Tribunal de Família e Menores e Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo. Procuramos que seja o lar, com afecto e apoio que não tiveram, com satisfação dos seus direitos fundamentais, proporcionando-lhe uma habitação e alimentação dignas e promovendo ainda o seu integral desenvolvimento humano, no domínio da saúde, educação, cultura e socialização, tendo em vista a sua posterior integração na comunidade; Apoio Domiciliário. É um serviço prestado pelas funcionárias da Cáritas Diocesana da Guarda, que se deslocam às habitações dos utentes, na zona do Jarmelo, onde procedem á limpeza, tratamento de roupas, confecção das refeições e prestam o auxílio de que necessitem, designadamente para tratar de assuntos junto de repartições;
Atendimento Social. É a valência que procura satisfazer as necessidades imediatas dos mais necessitados e mais vulneráveis que procuram com regularidade a instituição, através de roupas, alimentos, outros bens e suporte de despesas como seja medicamentos, água, electricidade, que o utente circunstancialmente não pode pagar;
CLAIM - Centro Local de Apoio à Integração Migrante. Dá apoio à comunidade migrante numa primeira fase quanto à sua instalação, legalização e documentação juntos das diversas repartições e depois ao nível de emprego, alfabetização, cultura, educação, promovendo assim a sua integração na comunidade.

A GUARDA: Há pobreza escondida no concelho da Guarda?

João Inácio: Sim há pobreza escondida no concelho da Guarda. As crises que nos têm assolado contribuem essencialmente para a realidade de que há quem se envergonhe de ser um novo pobre. Primeiro houve a crise económica financeira que se fez sentir a partir do ano de 2008 nos países mais desenvolvidos. Seguiu-se a crise gerada pela pandemia do Covid no ano de 2020. Agora encontramo-nos em pleno período de guerra. As crises afectam de forma particular os mais necessitados e vulneráveis. Mas não devemos esquecer também, que a classe média por vezes é afectada de forma drástica ao perder o emprego ou ver declarada a insolvência da sua pequena ou média empresa, deixando assim de obter de um momento para o outro os rendimentos que lhe proporcionavam ter uma vida mais folgada e mais digna. Estes são os pobres escondidos ou envergonhados de pedir apoio, que devemos ter em conta e os quais nos procuram e devemos atender com alguma discrição.

A GUARDA: Quais os projectos que pretende levar a cabo como Presidente da Cáritas Diocesana da Guarda?

João Inácio: A Cáritas Diocesana da Guarda tem como missão apoiar e dignificar os mais vulneráveis da sociedade, dando resposta às pessoas em situação de pobreza e de exclusão social, no sentido de os acolher, ouvir, entender e valorizar.
Como instituição particular de solidariedade social e erecta canonicamente pelo bispo da diocese, do qual depende directamente, procuramos dinamizar a acção sociocaritativa da diocese, com outras instituições similares, serviços e entidades locais no apoio prestado às populações que acompanha. Neste âmbito assume-se sempre como entidade parceira disponível na tentativa de resolução das mais variadas situações que caracterizam a vida dos mais desfavorecidos. Neste sentido não temos e não precisamos de nenhum plano de revolução para a Cáritas Diocesana da Guarda, porque neste aspecto há experiência e está bem implantada no terreno.
Por isso, importa continuar o trabalho que vinha a ser desenvolvido pela anterior Direcção, presidida de forma dedicada pelo Dr. Manuel Portugal, que não se poupou em esforços na transmissão do testemunho, cujo agradecimento aqui registamos.
Faz parte dos planos desta Direcção dar especial atenção às seguintes vertentes: Dotar as instalações da instituição de melhores condições de conforto e dignidade para os utentes, funcionários e órgãos de gestão. Neste domínio, já apresentámos duas candidaturas a programas de apoio para restauração e beneficiação das instalações do Centro de Apoio à Vida “Nascer”, para substituição das janelas e portas exteriores em alumínio, equipamento de aquecimento e roupas de cama para os filhos das utentes e para instalação de painéis solares; Desenvolver iniciativas de modo a divulgar mais a função e intervenção da Cáritas e respectivas valências e envolver mais a comunidade nessa participação e colaboração; Celebrar protocolos e parcerias com outras entidades e instituições, sem encargos financeiros, de modo a colaborarem na concretização dos fins e objectivos da Cáritas, designadamente promovendo a alfabetização, cultura, socialização e integração na comunidade, dos migrantes, refugiados e outros carenciados e vulneráveis. Actualmente temos em perspectiva a celebração de um protocolo que nos foi proposto pela Associação dos Professores Aposentados do Distrito da Guarda, para apoio nesse sentido aos refugiados da Ucrânia.
“É com grande preocupação que perspectivamos os efeitos
da invasão da Ucrânia pelo exército da Rússia”
A GUARDA: Qual o contributo da Cáritas no acolhimento aos refugiados vindos da Ucrânia?

João Inácio: A Cáritas de uma forma geral é uma marca forte junto da sociedade portuguesa, pela confiança e credibilidade que transmite aos cidadãos, devido à nobre função que desempenha, servindo de intermediária da prática da caridade junto dos mais necessitados, mormente em tempos de crise. Atenta a experiência e prática no terreno no âmbito da intervenção da Cáritas Diocesana da Guarda, aceitámos a proposta da Câmara Municipal da Guarda em fazer parte do Gabinete dos Refugiados da Ucrânia, do qual fazem também parte a Comunidade Ucraniana da Guarda (com a qual já vínhamos trabalhando), a Freguesia da Guarda, a Cercig, a Cruz Vermelha Portuguesa, Aldeia de Crianças SOS, NDS e a Qoasmi. Para a ajuda foi aberta uma conta em nome da Cáritas Diocesana da Guarda com o nome Guarda Apoia Ucrânia/ PT50 0035 0360 00086231 630 97. Não só a recolha de bens e alimentos para o povo ucraniano, em que a Cáritas da Guarda tem um papel importante, mas também o apoio aos refugiados ucranianos recebidos na Guarda, com a sua instalação e apoio nos diversos domínios, como seja emprego, a alfabetização, cultura e socialização, tem sido a nossa principal intervenção.

A GUARDA: A invasão da Ucrânia pelo exército da Rússia voltou a fazer disparar os alarmes da guerra. Como é que a Cáritas está a lidar com esta tragédia que atingiu a Europa?

João Inácio: É com grande preocupação que perspectivamos os efeitos da invasão da Ucrânia pelo exército da Rússia, pois necessariamente vão repercutir-se numa crise que afectará principalmente os países europeus.
Atenta a natureza, princípios e fins estatutários que informam a actuação da Cáritas, esta tem de estar preparada para o aumento da pobreza e pessoas fragilizadas, em consequência da guerra, que afectará não só os refugiados, mas também os mais atingidos pela crise económico-financeira, a quem não podemos virar costas.
Às instituições particulares de solidariedade social, nas quais se inclui a Cáritas Diocesana da Guarda, constituídas sem fins lucrativos, com o propósito de darem expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os cidadãos, incumbe-lhe, para além de acudir a necessidades pontuais, criar sobretudo laços de solidariedade, numa perspectiva social e política, tendo em vista uma sociedade comunitarista, em que a tarefa de a construir, não é exclusiva do Estado ou das autarquias, mas de todos nós, como um exercício de um dever cívico no dia-a-dia. Esta é nossa preocupação e a arma de combate aos efeitos que a guerra irá provocar. A outra preocupação nossa é que os encargos que se nos deparam irão aumentar e os recursos são escassos.
Por outro lado, enquanto pessoas colectivas de utilidade pública, na prossecução dos seus fins altruístas, tendo em vista a promoção de uma sociedade mais justa, mais solidária e mais fraterna, devem ser apoiadas condignamente pelo Estado, porque imbuídas naquele espírito, fazem melhor e com menos custos. Para tal dispomos de um capital humano do qual muito nos orgulhamos: o empenho, colaboração e solidariedade dos elementos da Direcção, bem como das excelentes funcionárias responsáveis pelas diversas valências, que não são meras funcionárias e estão imbuídas no mesmo espírito.
Com esta equipa estamos em alerta permanente, de modo que, com a nossa intervenção, possamos diminuir ou suavizar os efeitos nefastos da guerra.