Entrevista: João Reis - pedreiro, escultor, actor e encenador que fundou o Grupo de Teatro “Guardiões Da Lua”, o Grupo de Teatro da Bendada “Carrap´arte” e o Grupo de Teatro “Anel de Pedra - Escola de Artes”


João Reis, “talhador de pedras e de sonhos”, nasceu na aldeia de Quarta-Feira, freguesia de Sortelha, no concelho do Sabugal. É um Homem de trabalho, pensador, artista. Desde muito cedo começou a trabalhar na arte de talhar a pedra com o pai, insatisfeito procurou sempre mais e mais o mundo da arte, tornando-se uma referência na cultura de diversas formas. Intervencionista, procurou sempre ter um papel activo na sociedade.
Fez o Ensino Básico, na escola da Quarta-Feira, o Ensino Secundário (12º ano) no Sabugal, o 1º ano do Curso de Engenharia, no Politécnico da Guarda, e o Curso de Encenador, no Inatel - Guarda. Trabalha actualmente com jovens proporcionando-lhe experiências pedagógicas diferentes, e com adultos e idosos incutindo-lhes o gosto pela arte de representar.
Diz que não tem tempos livres, mas também diz que ainda tem tempo para saltar de sonho em sonho, enquanto for livre.
A GUARDA: Desde muito novo que aprendeu a dar vida às pedras. O que é que tanto o fascina na arte de pedreiro?

João Reis: Em primeiro lugar é uma profissão de família (pai e quatro tios).
O que mais me fascina na arte de pedreiro é tirar as pedras do seu mundo fechado e dar-lhe vida.
É uma enorme responsabilidade, pois certamente serei dos últimos, se não o último do nosso país que conhece profundamente a arte de trabalhar a pedra, principalmente na construção de edifícios.
Conheço as técnicas de construção, o nome de todas as pedras dessa mesma construção, (cunhal, tranqueiro, agulha, toça, cachorro, parelho, peitoril, parapeito,...), pois todas as pedras da construção de uma casa têm um nome.

A GUARDA: Tem consciência de que aldeia de Quarta-Feira não seria a mesma sem as esculturas do João Reis?

João Reis: Claro que sim, tenho essa consciência e essa responsabilidade de ter mudado a aldeia. A aldeia de Quarta-Feira era famosa pela exploração de minérios, principalmente do urânio, mas também sempre foi uma terra vocacionada para as artes, nomeadamente a música. Sempre teve ao longo dos tempos vários e muito bons acordeonistas. Teve um Grupo de Teatro no início do século XX, provavelmente a partir daí passou-se a escrever todos os anos o texto colectivo “A Fama do Entrudo”. Agora é conhecida pelas esculturas.

A GUARDA: O que é que o motiva a embelezar a freguesia de Sortelha com tantas esculturas?

João Reis: O motivo é óbvio, caracterizar a freguesia onde vivo através da minha arte, e mais não tenho feito porque às vezes o protagonismo nem sempre é bem visto, por quem nada faz.

A GUARDA: Como e para que surgiu o Grupo de Teatro “Guardiões da Lua”?

João Reis: O Grupo de Teatro “Guardiões da Lua” nasceu a partir da semana cultural “Dias da Lua” em 1994. Após essa semana muita coisa mudou na aldeia de Quarta-Feira, e uma delas foi a criação do Grupo de Teatro “Guardiões da Lua”, como já escrevia textos de teatro e não só, a semana cultural foi a base de lançamento para o nascimento do grupo, como os muitos jovens que existiam nessa altura na Quarta-Feira (22 adolescentes) gostaram da oficina de teatro realizada daí e até à criação do grupo foi um ápice. O objectivo proposto foi recriar, recolher e encenar tradições, costumes e vivências no povo da Quarta-Feira e utilizar a arte como forma de coesão social. O Grupo de Teatro “Guardiões da Lua” foi o grande responsável pelo hábito que se vive hoje no concelho do Sabugal, o hábito de ir assistir a produções teatrais. Pode se dizer que o Sabugal, do concelho interior que mais espectadores têm a assistir a espectáculos de Teatro.

A GUARDA: Este Grupo também é uma marca da aldeia de Quarta-Feira?
João Reis: Com certeza que sim, a Quarta-Feira foi elevada, num passado recente a um alto nível de índice cultural. É a única aldeia do país, que não é freguesia que tem um Laboratório (Auditório) de Teatro. Quando se fala de Quarta-Feira é inevitável falar do Grupo de Teatro.

A GUARDA: Mais recentemente, o que o levou a criar o “Anel de Pedra - Escola de Artes”?

João Reis: Já há bastante tempo que a Câmara Municipal do Sabugal me tentava nesse sentido. A população jovem da Quarta-Feira diminuiu drasticamente, que se reflectiu no Grupo de Teatro e o Sabugal tinha abundância de jovens para eu poder trabalhar e foi isso que me motivou a aceitar o desafio.
E aconteceu a criação do Grupo de Teatro “Anel de Pedra” - Escola de Artes.
O nome “Anel de Pedra” foi sugerido pelo ex-presidente da Câmara Municipal do Sabugal, Senhor António dos Santos Robalo. Fazendo uma clara alusão ao Brasão de Sortelha (Anel) e as pedras os elementos do Grupo.

A GUARDA: ‘Uma Família Romana visita a Escola’ foi a vossa última recriação. Como surgiu esta ideia de falar dos romanos nas escolas do concelho do Sabugal?

João Reis: A ideia surgiu lançada pelo Professor de História da Escola Do Sabugal, António Gonçalves.
A primeira ideia foi uma oficina de Teatro no Auditório Municipal, “A Vida é Uma Encenação” para os alunos dos cursos profissionais do 10º e 11º anos e de seguida, “Uma Família Romana Visita a Escola” para os alunos do 5º ano, e muitas mais estão na forja, mas tudo a seu tempo.
A sociedade (os jovens) precisa de novas perspectivas pedagógicas, de novos desafios e de uma aprendizagem que eu chamo aprendizagem fora da caixa ou fora do sistema. Nas escolas, eu penso, a aprendizagem que têm é muito fechada, deviam ter, ou deviam dar-lhes uma formação mais prática

A GUARDA: E as ‘Crónicas do Sr. Professor Felles’?

João Reis: Com os tempos que estão a decorrer, foi preciso fazer adaptações. Então lancei o desafio aos elementos do “Anel de Pedra” de recriar uma personagem das nossas peças de teatro em vídeo. A personagem do Sr. Professor Felles era uma personagem da peça de Teatro, escrita e encenada por mim, “Trocas na Praça” e foi essa que escolhi para eu recriar. Como já há muito tempo que eu queria publicar algumas crónicas, foi o “timing” perfeito. E muitas mais irão ser publicadas. “As Crónicas do Sr. Professor Felles” pretendem dar uma visão diferente do interior, alertando, de uma forma divertida para os problemas e sugerir soluções, ou não fosse ele um pensador.

A GUARDA: É verdade que foi novamente desafiado para encenar a representação da Paixão de Jesus em Vilar Maior?
João Reis: Sim, é verdade, aliás já estou a trabalhar nesse sentido, vamos ver se é possível, empreender tão nobre e enorme tarefa.

A GUARDA: Considera que a Câmara Municipal do Sabugal promove e apoia devidamente as iniciativas culturais no concelho?

João Reis: O mundo é todo muito relativo, se formos comparar com as realidades que eu conheço de outras Câmaras evidentemente que sim, aliás considero que está muito muito à frente da maioria das Câmaras do interior de Portugal. Eu não tenho razão de queixa e pelo que vejo e pelo que sei é seu objectivo apoiar a dinâmica cultural do concelho, mas cada um responderá por si. Também sei que às vezes é difícil tomarmos decisões e fazer opções, porque sei que há quem trabalhe pela cultura e há quem se sirva da cultura. O mundo é o que é e se não agrada temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para o mudar. Todos sabemos que não é nada fácil sobretudo porque inventamos mil e uma desculpas e sentamo-nos confortavelmente no sofá com medo de ir á luta.