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Viagens ao reino de Clio
D. Manuel, Senhor do Comércio, da Conquista e da Navegação da Arábia, Pérsia e Índia (III)
Pousámos ao longo da costa, onde tomámos muito pescado. E quando veio o sol-posto, tornámos a dar nossas velas e a seguir o nosso caminho. E daqui andámos tanto pelo mar, sem tomarmos porto que não tínhamos já água que bebêssemos nem fazíamos já de comer, senão com água salgada.
Diário de Bordo de Vasco da Gama, 28 de dezembro de 1497
Vasco da Gama foi o capitão escolhido pelo rei D. Manuel I para prosseguir o projeto da Índia (a descoberta do caminho marítimo para lá chegar) iniciado pelo seu antecessor, D. João II. Contudo, em 1497, as Cortes reunidas em Montemor-o-Novo, eram de opinião de que não se deveria organizar a viagem à Índia, que D. João II tão esforçadamente havia preparado. D. Manuel não é desta opinião e manda prosseguir com o projeto, escolhendo Vasco da Gama para comandar a armada, filho de Estevão da Gama que havia sido escolhido para a viagem por D. João II mas que havia entretanto falecido.
Assim, Vasco da Gama e todos os seus homens, onde se incluía Bartolomeu Dias, passam a noite da véspera da partida em vigília de oração na Ermida de Santa Maria de Belém. Na hora do embarque realizou-se uma procissão em que todos os marinheiros levavam círios nas mãos, sendo todos absolvidos antes do embarque.
A frota, que partiu para a Índia no dia 8 de julho de 1497 e que chegou a 20 de Maio de 1498, a Kappakadavu, próxima de Calecute, abrindo o caminho marítimo dos europeus para a Índia, era composta por cerca de 170 homens, que dispunham de cartas de marear com a marcação de toda a costa africana conhecida. Levavam também quadrantes, astrolábios, regimentos, tábuas com cálculos, agulhas e prumos.
A esquadra era constituída por quatro navios: S. Gabriel, capitaneada por Vasco da Gama; S. Rafael, capitaneada por Paulo da Gama, seu irmão; Bérrio, capitaneada por Nicolau Coelho e um navio de mantimentos. Este era um navio de duzentas toneladas que tinha como objetivo levar os víveres que durassem para os três anos previstos da viagem de ida e volta, como biscoito, feijão, carnes secas, vinho, farinha, azeite, salmoura e medicamentos. Claro que durante a viagem tinham intenção de encontrar água, frutas e outros mantimentos frescos.
No dia 12 de julho de 1499 regressou ao Tejo o navio Bérrio, de Nicolau Coelho, com a boa nova da descoberta do caminho marítimo para a Índia. Foi o primeiro navio a chegar pois Vasco da Gama havia ficado na ilha Terceira, Açores, para ficar com o seu irmão Paulo da Gama, gravemente doente. Vasco da Gama apenas regressaria a Lisboa no dia 29 de agosto de 1499, cerca de um mês e meio depois de Nicolau Coelho, sendo recebido com grande contentamento por populares e pelo rei. Sabemos, por Damião de Góis, que colocou cinco padrões de descobrimentos durante a viagem: em São Rafael, no rio dos Bons Sinais, em São Jorge (Moçambique), em Santo Espírito (Melinde), em Santa Maria (Ilhéus) e em São Gabriel (Calecute). Como recompensa pelos serviços prestados, D. Manuel concedeu o título de Dom a Vasco da Gama e muitas outras recompensas. A Nicolau Coelho fez fidalgo de sua casa e recompensou, regra geral, todos os marinheiros da expedição.
No mesmo dia em que Nicolau Coelho regressou a Lisboa, D. Manuel escreveu uma carta aos reis de Castela:
“Muito altos, muito excelentes Príncipes e muito poderosos Senhores. Sabem Vossas Altezas como tínhamos mandado descobrir a Vasco da Gama, fidalgo de nossa Casa, e com ele Paulo da Gama, seu irmão, com quatro navios pelo Oceano; os quais agora já passavam de dois anos que eram partidos; e como o fundamento principal desta empresa sempre fosse por nossos antepassados, de serviço de Deus Nosso Senhor e proveito nosso; aprouve-lhe por Sua piedade assim os encaminhar, segundo o recado que por um dos capitães que a nós a esta cidade agora é chegado, houvemos; que acharam e descobriram a Índia e outros reinos e senhorios em que acharam grandes cidades de edifícios e ricos e de grandes povoações; nas quais se faz o trato da especiaria e de pedraria, que passa em naus que os mesmos descobridores viram e acharam em grande quantidade e de grande grandeza, a Meca; e daí ao Cairo, de onde se espalha pelo Mundo, do qual trouxeram logo agora estas quantidades, a saber: de canela, cravo, gengibre, noz-moscada e pimenta e outros modos de especiaria e ainda lenhos e folhas deles mesmos; e muita pedraria de todas as sortes: a saber: rubis e outros; e ainda acharam terra em que há minas de ouro, do qual, a da dita especiaria e pedraria não trouxeram logo tanta soma, como poderão, por não levarem mercadoria. E porque sabemos que Vossa Altezas disto hão-de receber grande prazer e contentamento, houvemos por bem dar-lhes disso notificação. Muito altos, muito excelentes Príncipes e muito poderosos Senhores, Nosso Senhor Deus haja sempre vossas pessoas e Reais Estados em Sua Santa guarda.”
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No Vietname
Ao encontro de Francisco de Pina, Egitaniense
Nessa madrugada de finais de Julho de 2012, levantei-me à pressa, galguei, a pé e sozinho, aquelas ruas de Hoi An, a Faifo da Cochinchina dos antigos portugueses, mas já pejadas de motorizadas com vietnamitas. Eram cinco e quarenta e cinco minutos.
Ofegante, entrei na Igreja Católica já perto das seis horas. A missa, marcada para as cinco, já havia terminado mas lá se encontrava ainda o P. Paulo de breviário na mão e duas religiosas a fazer a via-sacra.
Quando me apercebi que o P. Paulo havia terminado a sua oração, fomos um ao encontro do outro. A minha presença já não era estranha. Já nos havíamos encontrado, por breves momentos, dois dias antes. Prometera, então, ali voltar. Feitas as saudações iniciais, entreguei-lhe uma carta de apresentação do Bispo da Guarda, a terra de Francisco de Pina, acrescentei eu. A carta estava escrita em francês. Creio que não chegou a entender bem a mensagem da carta e perguntou-me se poderia esperar cinco ou dez minutos, o tempo suficiente para o seu professor de francês se poder deslocar ali para servir de intérprete. Permaneci na Igreja. As religiosas continuavam a sua via-sacra.
Não teriam passado mais de cinco minutos e sou surpreendido pelo P. Paulo, a apresentar-me já o professor de francês e a convidar-me para os acompanhar à residência paroquial. Agradeci. A conversa a três terá durado cerca de trinta minutos. O suficiente para o simpático professor se inteirar dos meus objectivos e prontificar-se a levar-me de motorizada a Phuoc Kieu, a antiga Cacham onde residia, na altura da morte, o jesuíta Francisco de Pina, que, ido da cidade da Guarda, chegara à Cochinchina havia 400 anos.
Eu desejava só algumas informações que me servissem de apoio a uma deslocação de táxi, ainda nesse mesmo dia, àquela localidade que não constava nos roteiros turísticos. A proposta do simpático professor surpreendeu-me em absoluto. Mesmo já tendo presenciado aquele arrepiante movimento de motorizadas nas ruas das cidades vietnamitas, aceitei, sem a menor dúvida. Aliás, aquele movimento arrepiante já vinha dando lugar, no meu espírito, a uma enorme admiração pela perícia daqueles condutores vietnamitas que transportavam nas suas motorizadas a família inteira e ainda notável bagagem.
Às oito partiríamos dali mesmo. Faltava uma hora. O suficiente para ir ao hotel, tomar o pequeno-almoço e avisar a família que ia a Cacham com o Pároco local. Não me atrevi a dizer que iria à boleia numa mota. Havia de ser pontual. Os poucos dias que já tinha de Vietname eram suficientes para saber como os vietnamitas eram de uma pontualidade matemática. E aqui a pontualidade tinha de corresponder a tão grande e inesperada amabilidade.
Quando às oito horas menos cinco minutos transpus de novo o portão do complexo paroquial, logo o simpático professor, com um enorme sorriso, me fez sinal, ao longe, com um capacete na mão. Foi montar e arrancar. Atrás, numa outra mota, vinha o P. Paulo com outro vietnamita.
Nunca esquecerei esta pequena viagem. Primeiro, perdido naquele enxame de motorizadas nas ruas da cidade! Depois, a tranquilidade da viela de terra batida entre os arrozais! Nunca eu, ido da cidade da Guarda, poderia ter imaginado que o meu baptismo de moto fosse no Vietname a caminho de Cacham à procura de outro homem da Guarda que, há quatrocentos anos, ali chegara e ali falecera em trágico naufrágio.
Quando aquelas duas motorizadas entraram no santuário de Cacham, fui surpreendido por um conjunto de cristãos vietnamitas que preparavam aquele espaço para as festas do Beato André, o protomártir vietnamita, que se iriam realizar dali a dois dias. Mas a surpresa foi recíproca. Aqueles homens bem surpreendidos ficaram também com a companhia com que chegava o seu pároco. Os sorrisos diziam tudo. Notei que os meus amigos informaram os trabalhadores de quem se tratava e dirigiram-se a mim. Foi um cumprimento feito de sorrisos, de apertos de mão e inclinações de cabeças. Sem palavras, estavam dadas as boas-vindas naquela terra tão amada do nosso Francisco de Pina, onde ele ensinara anamita (língua local) aos confrades chegados de Lisboa.
Entrei na Igreja, onde era também notória a azáfama de outros vietnamitas. Ao fundo, lá estava a imagem do jovem André, beatificado por João Paulo II em 2000 e logo proposto como um dos protectores da jornada mundial da juventude. Há momentos em que a oração, por mais individual que seja, é bem universal. Este foi um desses momentos.
Numa próxima crónica vamos descobrir Francisco de Pina, no passado e no presente que aguarda o futuro.
Guarda, 9 de Maio de 2014