Património edificado e património humano:


A palavra “património” surge frequentemente associada a património edificado, a construções que foram concebidas de acordo com a evolução económica e social de um determinado local.
No caso do património edificado da cidade da Guarda, vemos que ao longo dos séculos (desde 1199, data do foral da cidade) evidencia determinadas características, quer nas construções mais sofisticadas, quer nas construções mais populares, em função do poder económico e dos usos e costumes das diferentes classes sociais, que ao longo dos séculos por aqui se fixaram, utilizando em grande escala o granito, a madeira de castanheiro e de pinheiro bravo como matérias primas.
Vemos que esse património edificado deu origem a um certo “sentido estético”, uma variável primordial em consonância com as diferentes ocupações humanas, constituindo um acervo arquitectónico de extrema relevância, para que se “entenda” o porquê desta ou daquela construção específica.
Já o sociólogo francês Pierre Bordieu afirmava, que em qualquer país, só existe um património cultural e que este se manifesta de forma diferente - em função da apropriação do espaço feita pela cultura dominante - ou pela cultura popular, ou seja, pelo extracto social com menor poder económico.
Este preâmbulo sobre património edificado foi o “leitmotiv” para uma reflexão sobre o que vulgarmente percepcionamos como património - esquecendo com demasiada frequência - que é o património humano que determina ou condiciona as opções assumidas perante as necessidades do momento.
Na realidade não fora o património humano que ao longo dos séculos viveu e investiu nesta cidade – ela não existiria tal como hoje a conhecemos, na medida em que o espaço ocupado pelo homem pressupõe uma apropriação do território, que permitiu que chegasse até aos nossos dias toda uma série de edifícios que indiciam uma evolução social em função dos sucessivos momentos históricos e da capacidade económica das populações que por aqui se foram fixando, nos mais de oitocentos anos de existência desta cidade.
Podemos então inferir, que tudo o que hoje faz parte do património edificado da Guarda é indissociável do conceito de património humano, na medida em que o património edificado corresponde a um passado que adquire um significado particular, um reconhecimento de pertença e de identidade colectiva, que foi sendo interiorizado pelas várias gerações que por aqui passaram.
Das excepções que na actualidade podemos observar, citarei o estado de degradação progressiva de um edifício emblemático, que durante vários anos foi um ex-libris da cidade e que está votado ao abandono - o Hotel de Turismo. Possui uma localização privilegiada no centro da cidade, mas não resistiu ao avanço da modernidade - o que é lamentável - pois trata-se de um edifício de qualidade, que na época em que foi construído correspondeu a um investimento financeiro considerável.
Também o antigo Cineteatro merece uma reabilitação, na medida em que se trata de património edificado que foi palco de muitos eventos culturais e que está votado ao abandono há vários anos. Aliás, todo o centro histórico da cidade da Guarda, tem vários edifícios – característicos das diferentes ocupações humanas, que merecem um olhar mais atento por parte dos responsáveis locais, tendo em vista uma possível candidatura a património mundial da Unesco.
Parece-nos recomendável, que no processo de preservação/reconversão/requalificação do património edificado, seja tida em consideração a consulta aos habitantes da cidade quanto ao destino a dar a estes dois edifícios, pois fazem parte do “ADN” da cidade.
Do processo de exclusão dos cidadãos sobre o que querem ou não querem para a sua terra, advém um alheamento e uma perda de identificação com o território de pertença que, sob o ponto de vista da cidadania participativa, será de todo desaconselhável.
A voz da população local (do tal património humano) na tomada de decisão sobre tudo o que valorize a cidade, a aldeia ou o país em geral - é imprescindível, pois a responsabilização colectiva sobre o património material e imaterial deve constituir uma mais-valia, uma referência e um registo cultural único, que garanta um tecido humano e urbano cada vez melhor.