Um amigo costuma dizer-me que as melhores histórias são as verdadeiras. Podíamos também dizer que os melhores contos de Natal são os verdadeiros.


Todos sabemos que a perseguição aos judeus foi feroz na então Alemanha nazi, mas também nos países que Hitler ocupou, tais como a Bélgica, França, Holanda, Polónia e outros, sofrendo, além disso, a denúncia dos vizinhos que os lançavam para os caminhos da exterminação, onde, aos milhares, foram asfixiados nas câmaras de gaz. O testemunho dos que escaparam a esta indizível exterminação não deixa ninguém indiferente e comove-nos sempre, por vezes até às lágrimas. E já não são muitos os que restam porque o tempo também passa para eles.
Simon Gronowski deve ser um dos últimos sobreviventes das perseguições de Hitler, já com 92 anos, mas ainda com uma jovialidade e bom humor que aguentarão alguns anos mais, alimentando a alegria de viver com melodias de jazz no seu piano eletrónico, em homenagem à sua adorada irmã mais velha que também tocava este instrumento e que morreu gazeada em Auschwitz, em 1943.
Após uma vida de trabalho bem preenchida como advogado em Bruxelas, passa agora a maior parte do seu tempo a falar aos jovens nas escolas para lhes contar a sua história que é comovedora até às lágrimas, a tal ponto que a ópera “Pusch”, de “Howard Moody” foi inspirada no seu ato heroico que o livrou da morte.
Foi uma denúncia que conduziu dois soldados nazis a apresentarem-se no apartamento onde Simon, de onze anos de idade, se encontrava com a mãe e a irmã. O pai tinha ido ao hospital porque sofria de silicose. Constatando o ódio que reinava para com os judeus, o pai já tinha vendido o comércio de artigos de coiro e vivia na clandestinidade. Mas a maldade de um “bufo” levou dois alemães ao apartamento onde se encontravam a mãe, a filha e Simon. Perante a identificação do bilhete de identidade da mãe, o agente da Gestapo exclamou com ar satisfeito: “é mesmo a família Gronowski; façam as malas e sigam-nos”.
O calvário tinha começado e Simon ainda criança, vestiu-se de lobito. Se não o respeitassem como judeu, talvez pudessem ter em consideração o seu belo uniforme de escuteiro. Seguiram o caminho habitual dos deportados. Ficariam algum tempo em Malines onde os nazis juntavam os deportados até poderem encher os comboios que os conduziriam ao campo de concentração de Auschwitz.
Acontecimento raro, três elementos da resistência belga conseguiram sabotar o comboio que ficou parado algum tempo e vários judeus conseguiram fugir. A porta do vagão onde se encontrava Simon com a mãe ficou aberta e alguns decidiram saltar, mesmo com o comboio a andar a alguma velocidade. “Eu dormia no regaço da minha mãe, mas ela acordou-me, levou-me até à porta e esperei a minha vez. A minha mãe disse-me em iídiche: “o comboio vai muito depressa!” Foram as últimas palavras que ouvi a minha mãe! Ainda esperei por ela, mas não a vi. Corri para a frente para me juntar a ela, mas os guardas berravam e abriam fogo em todos as direções e consegui desaparecer no meio da floresta. Para me encorajar nesta minha situação, cantarolava a cação que a minha irmã adorava: “In the mood”. Pela manhã, bati à porta de uma pequena casa, porque as grandes estavam normalmente ocupadas pelos soldados nazis, e disse a senhora que me abriu a porta: “estava a brincar com as crianças da aldeia e perdi-me. Tenho de regressar a Bruxelas para casa do meu pai.”
Quando a família que o acolheu soube do ataque do comboio, foi-lhe dito: “nós sabemos que estavas no comboio dos judeus, mas não tenhas medo, não te vamos denunciar.” Uma alegria indizível nasceu no coração daquele jovem, caindo a chorar nos braços daquela senhora que só lhe lembrava sua mãe.
Quando se juntou ao pai em Bruxelas, este perguntou-lhe: “O que é que te aconteceu?” “Saltei do comboio.” “E a mãe?” “Não sei, certamente vai regressar por outro caminho.”
Simon Gronowski pensa todos os dias que a sua vida tem sido um verdadeiro milagre porque obedeceu a sua mãe. “Se não me tivesse dito para saltar do comboio teria morrido com a minha mãe e irmã nas câmaras de gaz em Auschwitz. Assim, minha mãe deu-me a vida duas vezes: ao nascer e ao ordenar-me para saltar do comboio. Sacrificou-se por mim. Por mais que viva não poderei esquecer. Vou agora tocar uma canção no piano para desanuviar e para homenagear a minha mãe e sobretudo a minha irmã. Pode ser a melancólica NOITE FELIZ que se canta no Natal, já que eu fui educado nas duas religiões, a católica e a judaica.”