Histórias que a Vida Conta

1 - A contraprova aí está, bem à vista e clara como a água. Depois do grande êxito nacional da campanha de vacinação sob a orientação do Vice-Almirante Gouveia e Melo, que, logo que assumiu o comando da task force, veio pôr ordem na casa e acabar com os desmandos e as mordomias que eram motivo de escândalo e indignação, aí está novamente instalada a desorganização, a comunicação semeada de confusões, a falta de clareza e de confiança na Senhora Diretora Geral da Saúde, as ordens e instruções atabalhoadas e sobrepostas, o improviso em ziguezague, sem programação prévia e séria. Aí estão as filas intermináveis de idosos, obrigados a suportarem horas a fio e ao frio a sua vez de serem vacinados, os recuos na estratégia e o destrambelhamento na comunicação, as falhas no auto-agendamento, a sobreposição entre esta forma de agendamento e a modalidade  “casa aberta” para maiores de 75 anos, o velho sentido de “desenrascanço à portuguesa”, em todo o seu esplendor, a incapacidade repetida aqui e ali do celebrado SNS, o desprezo por uma adequada  preparação logística, além de muitas outras deficiências mais internas  que se poderiam enumerar.Um exemplo real e documentado ajuda a entender algumas das queixas enunciadas. Um casal, Maria e José, com 78 e 79 anos de idade, respetivamente, decidiram recorrer ao auto-agendamento para a vacinação de reforço contra a Covid. Fizeram-no no dia 8 do corrente mês de novembro, o primeiro dia em que tal possibilidade foi permitida, conforme informação veiculada pelo SNS através da comunicação social. Receberam de imediato, nesse dia 8 de novembro, dois SMS de idêntico teor, com o seguinte texto, encimado pelos seguintes dizeres: Vacinação COVID-19 + GRIPE: “Confirmamos que efetuou um pedido de agendamento para a data de 15/11/2021 no local de vacinação X”. Acrescenta-se que “este documento não é o agendamento definitivo” e que “deve aguardar um SMS do número 2424 a confirmar o horário da sua vacinação. Deverá receber o SMS nos próximos 3 dias, mas poderá demorar mais tempo. Não se preocupe, aguarde. Não se dirija ao local de vacinação sem ter recebido e respondido ao SMS”.Passaram 3, 4, 5 dias e, pelas 01,30 horas de domingo, dia 14 de novembro, receberam enfim os anunciados SMS, marcando a data de vacinação para o dia 26 de novembro, ou seja, 11 dias depois do dia inicialmente agendado, já noite fechada. Responderam de imediato “SIM” como lhes era perguntado. No dia seguinte, ou seja, de domingo para 2ª feira, a comunicação foi repetida à mesma hora e com o mesmo teor. Apesar da dilação de 11 dias se manter, os idosos voltaram a responder “SIM” ao novo SMS. Estão a aguardar a chegada do dia 26, sem quase saírem de casa, para evitarem resfriamentos nesta época de temperaturas mais baixas.Há já várias semanas tinham recorrido a uma farmácia para serem inoculados com a vacina contra a gripe. Por outro lado, a segunda dose da vacina contra a COVID já tinha sido ministrada em 5 de maio, pelo que os prazos estavam respeitados e mesmo ultrapassados.Esta realidade não representa qualquer queixa; é, quando muito, um queixume contra a dilação não explicada – de 15 para 26 de novembro. Nem pela cabeça me passa aquilo que ouvi como mera hipótese de má língua: voltaram os tempos em que o amiguismo, o clientelismo, os laços familiares, os boys e girls, os correligionários, enfim, estavam a passar à frente dos idosos já agendados.Mas exemplos como estes e muitos mais que se vão sabendo e vendo por aí, ilustram a justeza da conclusão: revelou-se precipitada a dispensa dos serviços do Senhor Vice-Almirante Gouveia e Melo. O que se desenvolvera exemplarmente tornou-se um flagelo. O que era claro e louvado tornou-se confuso e embrulhado. Só a propaganda se manteve ou subiu mesmo de grau. Ausente o Almirante, cuja popularidade já incomodava muitos políticos e “camaradas” no governo e no partido que em tudo manda, “substituído” – pensa ela – pela Drª Graça Freitas, veio ao de cima a incompetência congénita, a verborreia e o auto-elogio permanentes dos dirigentes sob a dependência direta do Governo. Em suma, voltámos ao nosso “triste normal”…Como diriam os nossos amigos brasileiros, com a sua colorida expressividade vocabular: “mas que esculhambação tão bem organizada!”. “Esculhambação” significa, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Círculo de Leitores, Lisboa, 2003, “estado de desordem, de anarquia, confusão, bagunça”. “Bem organizada” porque envolvida em propaganda enganosa mas cativante e cor de rosa, capaz de enganar os tolos…ou, na sua versão politicamente correta, sossegar os ansiosos… Valham-nos os nossos profissionais de saúde! Faltam-lhes meios de toda a espécie, perspetivas de carreira decente, sossego de cabeça quanto ao seu futuro e dos hospitais e serviços onde se esfalfam, mas, à grande maioria, graças a Deus, não lhes faltam o brio e, em última análise, a caridade, para se manterem firmes no seu posto.2 – O escândalo sobre o tráfico de diamantes, ouro e droga em que estão envolvidos militares-comandos portugueses integrados numa missão militar ao serviço das Nações Unidas na República Centro-Africana, atingiu com gravidade o prestígio das nossas Forças Armadas e, por arrastamento, a imagem do nosso País. Não acompanho a minimização feita pelo Presidente da República e pelo 1º Ministro sobre a gravidade do que aconteceu. É já uma mania cansativa esta de sempre vezes sempre, se insistir em dourar a pílula! Desta, como das outras vezes, a coisa foi grave, é triste e envergonha, mesmo!Por outro lado, não posso compreender o facto de o Ministro da Defesa não ter informado o Chefe do Governo nem o Presidente da República, tendo, embora, dado conhecimento às Nações Unidas. Apoia-se em alegados pareceres que assim teriam aconselhado. Tê-los-á lido bem ou só leu neles o que queria ler? Estamos a falar no Comandante Chefe das Forças Armadas e não se divisa como é invocável a eventualidade da violação do segredo de justiça perante o cumprimento da obrigação de informação de um assunto tão sério ao Comandante Chefe das Forças Armadas. Será que os nossos senhores ministros não sabem direito quais são as suas obrigações?Aguardemos as explicações que João Gomes Cravinho vai prestar na Assembleia da República. Mas aguardemos também que o Senhor Presidente da República saiba e queira fazer respeitar a dignidade do cargo e das funções de Comandante-Chefe das Forças Armadas. E talvez deixarem-se de joguinhos de faz-de-conta e assumirem as funções em que estão investidos: no caso concreto, vestirem e honrarem – ainda que simbólicas – as fardas que lhes cabem (ou o camuflado dos bons êxitos).Caso contrário, concluo citando Clara Ferreira Alves, no seu artigo publicado na Revista do Expresso de 13 de novembro, “O Silêncio é de Ouro e Diamantes”: “Visto que, em Portugal, ninguém confia em ninguém, Presidente e ministros falem uma vez e calem-se de vez”.Lisboa, 17 de novembro de 2021