Os dias da cidade

Nestes tempos que correm, de ausência e distanciamento, andamos meio perdidos nos dias. Às vezes, arrastamo-nos pela semana, não diferenciando o passar das horas. Esperamos que a situação melhore e vamos lutando, timidamente, para vencer o derrotismo circunstante. Valha-nos a companhia da família por perto e dos amigos à distância que de uma forma ou de outra, por vezes com alguma imaginação à mistura, nos lembram a continuação da vida. E que não devemos deixar de alimentar a alegria. Também os livros nos vão ajudando a superar as horas amargas ou nostálgicas. E aqui, no mundo literário, algumas vidas pararam neste confinamento. Luís Sepúlveda. Um dos primeiros casos de escritores afetados com o coronavírus foi este célebre escritor chileno a viver em Espanha há alguns anos e que viria a sucumbir ao vírus no dia 16 de abril. Escritor que se empenhou no combate político tendo, por causa das suas ideias, de emigrar do Chile durante a ditadura de Pinochet depois de ter sido preso político. Percorreu vários países ligando-se a grupos onde defendia os seus ideais estabelecendo-se definitivamente na Europa.Na literatura distinguiu-se com um romance que o celebrizou, dedicado a Chico Mendes, um dos grandes defensores da Amazónia: O velho que lia romances de amor.  Foi esta narrativa, cheia de emoção e de realismo, que o catapultou para a ribalta literária. As leituras de Bolívar Proaño analfabeto que aprende a ler e se apaixona pela leitura de romances que o seu amigo dentista Rubicundo Loachamín. Amante da natureza e da selva, passa as noites a ler abstraindo-se assim dos conflitos da tribo. A obra é vista como uma defesa dos índios e da Amazónia.Embora tenha começado pela poesia, foi o romance e o conto que lhe ganharam fama de bom narrador. Outra obra que hoje é conhecida em todo o mundo é História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar. São, de facto, estas duas narrativas, obras de referência do autor pela linguagem simples e metafórica, mas rica em expressividade e ideologia de cariz humanista.Acabou por estar ligado à nossa cidade, já que em 2016 foi distinguido com o Prémio Eduardo Lourenço, do Centro de Estudos Ibéricos. O júri da décima segunda edição decidiu atribuir-lhe o galardão pelo seu trabalho em louvor da Língua e da Cultura espanholas, “fazendo da pátria idiomática, que tem a dimensão plurinacional de vários continentes, uma aventura criadora em que o Homem é a medida de todas as coisas”. Veio à Guarda receber o Prémio, no dia 1 de julho de 2016 e encontrou-se com o Patrono do Prémio.A sua mulher, também escritora, Carmen Yañez, dedicou-lhe este poema no dia da sua morte.“Ignorantes de la luz que circundaba la inocenciaéramos tan felices amor míocon el calor de nuestras manos juntascruzando todos los caminosy riéndonos de los obstáculos de piedra o granizoque nos intentaban parar esa carrera irresponsable de la felicidad.Éramos tan felicesy no nos enterábamos de la dimensión de la vida.