Passaram quatro ou cinco meses sobre a revelação dos Panamá Papers,

anunciada como a maior investigação jornalística de sempre e a partir da qual se chegou a dizer que, desse momento em diante, “nada seria como dantes”, numa perspectiva de que a desejada moralização da política, do sistema financeiro e da sociedade estivessem iminentes e os fluxos ilícitos de dinheiro suspeito, que escapam ao escrutínio fiscal dos Estados, tivessem os dias contados.
Anunciava-se a colagem de nomes eminentes da política, da gestão, personalidades do sector público e privado e do jornalismo a sofisticados esquemas financeiros e à montagem de uma teia de operações offshore que teriam permitido que alguns pudessem ter feito circular, por essa via, verbas astronómicas de natureza mais que duvidosa.
Porém, nada de extraordinário aconteceu, para além do lançamento para a opinião pública de umas frases que se limitaram a ajudar a vender papel, para entreter o Zé povinho.
Afinal, por que razão se permite a existência legal das offshore, se elas servem para desenvolver atividades obscuras e as autoridades judiciais têm dificuldades em as investigar?
Para que servem mecanismos bancários que permitem esconder verbas gigantescas saídas de países com enormes dificuldades orçamentais e com dívidas públicas proibitivas e de difícil sustentabilidade?
Estas é que são as grandes questões!

Visto os jornalistas terem “lavado as mãos do assunto”, ao não terem tido a coragem de trazer à luz do dia aquilo que começaram por anunciar, o que fizeram até ao momento as autoridades judiciais no sentido de confirmar ou dissipar o grau de suspeição que foi lançado com a divulgação da investigação e da existência de documentos altamente comprometedores para determinadas pessoas e instituições?
Estará toda a gente convenientemente silenciosa à espera que o Verão passe e que as temperaturas baixem, para que o Inverno congele o assunto?
Sem querer ser catastrofista, se assim for, se não houver consequências, estaremos chegados a um completo estádio de putrefação do sistema político que pode vir a ter consequências imprevisíveis no modelo de vida do nosso dia-a-dia e na forma como entendemos os nossos deveres e os nossos direitos.
Contudo, mesmo que que tudo continue como até aqui, em matéria de Panamá Papers, já se anuncia entretanto uma espécie de versão caseira, que podemos denominar de os “Papelinhos de Portugal” ou de um “Portugal aos papelinhos”, como lhe queiram chamar.

Trata-se de uma intromissão, sem precedentes, do fisco na vida pessoal dos portugueses, que vai permitir a devassa das contas bancárias, como se cada cidadão com poupanças sediadas em contas de bancos nacionais, digamos que em “onshore” (por oposição às offshore) fosse um potencial suspeito capaz de cometer os crimes mais graves, incluindo o de enriquecimento ilícito, que tanta dificuldade tem tido em passar no Parlamento, quando se quer aplicado a titulares de cargos públicos.

A confirmar-se esta iniciativa, como fica aquele famoso sigilo bancário que tantas vezes foi invocado em Comissões de Inquérito Parlamentares, para evitar responder a questões incómodas?
Com demandas destas, chegamos à conclusão que afinal, em Portugal, o crime ainda compensa e que estamos perante um Estado que é cada vez mais forte com os fracos e mais fraco com os fortes.
Percebemos agora que, se até aqui corria tudo tão mal, nada mudou no essencial.
São sinais dos tempos e cada tempo tem os seus!