Como se pode resistir à fúria das palavras? Às palavras que matam, às palavras assassinas, que até por vezes acompanham imagens de morte? Como se poderá resistir a tão agressiva verborreia sem se tornar louco, assassino, mártir ou heróico pacifista?


Já estamos tão habituados a ouvi-las que a nossa sensibilidade secou na amorfidade dos dias.
Não pretendo assumir a profissão de professor, mas gostaria de apresentar uma lição sobre as palavras assassinas que se têm ouvido nestas últimas semanas e que, longe da realidade vivida, perderam para nós o poder mortífero, sentados confortavelmente no nosso cocooning.
Após os acontecimentos em Israel do dia 7 de outubro, a batalha das palavras provocou um ambiente de ódio e se por vezes essas mesmas palavras acompanham imagens, são de um horror absoluto.
Debrucemo-nos, pois, sobre algumas frases onde se sente morte e raiva para com o povo palestiniano, mudando-se logo a linguagem quando se trata de proteger Israel.
Assim, no dia 7 de outubro após o “ataque brutal do Hamas contra Israel”, famílias inteiras “foram executadas, crianças foram massacrados, mulheres foram violadas, as vítimas foram torturadas e 240 pessoas foram feitas reféns e levadas à força para Gaza.”
O Hamas “lança roquetes sobre Israel.” No dia 27 de outubro Israel começou “uma invasão terrestre” que ainda se prossegue.
Segundo dados estatísticos da ONU, o exército de Israel “já matou 15 mil pessoas na banda de Gaza, provocou 2 milhões de deslocados e destruiu 50% dos alojamentos.”
No dia 21 de outubro, o exército israelita lançou panfletos no norte de Gaza para advertir os habitantes de partirem imediatamente porque “iriam começar os bombardeamentos,” mencionando: “os que não abandonarem o norte de Gaza poderão ser considerados cúmplices.” Deste modo, as “zonas civis foram consideradas campos de batalha.”
Nesta invasão as leis da guerra foram totalmente pervertidas. Foram dadas instruções precisas aos soldados: “em Gaza não há civis; cada palestiniano é um terrorista. A presunção de inocência está de todo alterada. Um soldado tem o direito de matar não importa quem na faixa de Gaza. Não há tempo para intimações. Tudo o que mexe deve ser morto.”
A intensidade do tiroteio é para proteger os soldados israelitas e eliminar as ameaças que poderão pesar sobre eles. A destruição de bairros onde se presume haver indícios do Hamas é considerada apenas como um efeito colateral.
Por outro lado, Israel muda a linguagem ao abordar a atuação do seu exército, melhor dito, da sua máquina de matar e de o preservar.
O grande princípio é o designado “risco zero para o exército israelita” ou a “máxima segurança para as forças israelitas.” Este princípio supõe que os soldados israelitas serão melhor protegidos “se os riscos forem transferidos para a população civil.”
Poderá haver um momento de acalmia logo após “bombardeamentos para com a população civil” que serão considerados “necessários para melhor atingir as forças dos Hamas.”
Outro objetivo é a destruição de infraestruturas; estradas, rede de saneamento básico, escolas e hospitais.
A desumanidade mais radical de parte e de outra não poderá conduzir à paz. Será necessário uma outra linguagem que garanta direitos, segurança e liberdade, tanto a palestinianos como israelitas.
Vai ser longa a aprendizagem da paz, pois, infelizmente, o caminho da guerra é o mais habitual e o mais fácil.