Os “Retornados” de Angola

Os Retornados que Chegavam (I)Chegados a Portugal, os ‘’retornados” enfrentavam uma nova fase das suas vidas: a adaptação a um novo país, depois de abandonarem definitivamente o seu quotidiano em Angola. Contudo, a visão da sociedade não foi sempre pacífica relativamente ao tema, incluindo da comunicação social. Num comunicado do Ministério da Coordenação, foi condenada a forma como vários órgãos de informação recorreram a ‘’reportagens sensacionalistas”, sem ‘’aquele sentimento de responsabilidade e temperança que devem concretizar a veiculação da Informação”. Também num texto de opinião para o Jornal O Retornado, Lola Toscani Eglesias denunciou o comportamento depreciativo dos portugueses da Metrópole em relação aos ‘’retornados”. Segundo o autor, os novos habitantes do país regressavam ‘’a Portugal com intensas feridas na alma, que tardarão a cicatrizar”.Aterrando no continente português, havia por parte dos ‘’retornados” um misto de emoções e indefinição quanto ao futuro. Muitos não tinham para onde ir, e viam-se confinados às instalações do Aeroporto. Uma notícia do Diário de Notícias espelhou bem a postura das pessoas que chegavam. Tinham ‘’a angústia” e ‘’fadiga patente nos olhos”, derivada de ‘’longas horas de espera e de voo”. Já as crianças, sem uma clara noção de toda a situação, ‘’acusavam cansaço e impaciência. Uma notícia publicada no Jornal o Retornado mais de um mês depois de terminar a ponte aérea entre Luanda e Portugal referia que ainda havia pessoas que não tinham alojamento, e por isso se encontravam numa ‘’fase de esgotamento moral, fisicamente depauperadas” e reticentes quanto ao futuro. Com o apoio do I.A.R.N., muitos retornados viram também ser-lhes atribuído alojamento em pensões e hotéis. No entanto, o serviço oferecido nem sempre foi o melhor. Houve críticas ao Hotel Estoril Sol, que albergava 653 ‘’retornados”, e que atentava, segundo o Jornal O Retornado, ‘’escandalosamente contra o Art.º 7 da Declaração dos Direitos do Homem”. Também o Hotel Cidadela de Cascais recebeu comentários negativos, escrevendo o mesmo jornal que teriam sido notadas ‘’provocações e ofensas aos retornados”, bem como oferta de ‘’má alimentação”, envergonhando assim ‘’a Indústria Hoteleira”. Apesar disso, há também elogios a outros hotéis, como o Hotel Santa Rita e o Hotel Turismo da Ericeira, ambos considerados bastante atenciosos e prestadores de serviço de qualidade aos ‘’retornados”. Ainda a respeito da situação do alojamento, penso ser oportuno referir dois acontecimentos noticiados pelos órgãos de comunicação social analisados. O primeiro diz respeito a casos na Madeira, onde ‘’retornados” foram colocados nas pensões Marques e Universal, e viram-se obrigados a gastar ‘’dos seus fracos recursos, boas centenas de contos”. O segundo caso remonta ao mês de fevereiro de 1976 e à saída dos ‘’retornados” alojados em hotéis de luxo, como o Ritz, Sheraton e Altis, porque iria haver uma ‘’grande convenção de agentes americanos de viagens de grande importância para a recuperação do turismo”. Ambos os casos demonstram graves falhas no decorrer de todo o processo de alojamento.Num processo bastante complexo e conturbado, houve também ações de solidariedade no apoio aos ‘’retornados”. A Cruz Vermelha, por exemplo, foi extremamente importante na sua ação para o cuidado deste grupo social. No dia 12 de dezembro de 1975, a Cruz Vermelha Portuguesa já tinha atendido ‘’225.000 retornados”. Para além disso, a Liga das Sociedades da Cruz Vermelha teve um programa de 10 milhões de francos suíços para apoio, ‘’devido ao crescente número de refugiados”. Dessa ação, ficou ainda a decisão de criar um ‘’centro de receção no aeroporto de Lisboa e 14 centros de distribuição de roupa”. Assim, esta medida previa ajudar mais de cem mil pessoas.A Igreja procurou também prestar o seu apoio. O Cardeal Patriarca de Lisboa fez declarações que procuravam sensibilizar as pessoas para o tema dos ‘’retornados”. Disse que ‘’Os Retornados de África são nossos irmãos”, procurando também demonstrar a dor sentida pelos que tinham abandonado Angola, que haviam deixado lá ‘’pedaços de alma, cujo desprendimento sempre mutila e faz sofrer”. Para além das palavras proferidas, a Igreja, através da Conferência Episcopal portuguesa, concedeu dois milhões de contos para auxílio aos ‘’retornados”, para além de ‘’alojamento provisório aos recém-chegados” em diferentes instalações clericais. Para as despesas, contaram com ‘’um subsídio da Fundação Gulbenkian”, bem como cerca de 1350 contos recolhidos em donativos de ‘’diversas organizações católicas nacionais e estrangeiras”.