O vírus seletivo…...

Eis que, repentinamente, quando menos esperávamos, o número de infetados cresce de forma muito significativa na região de Lisboa. Por estranho que pareça ninguém sabe, alegadamente, explicar a situação epidemiológica da capital. Ou então sabem, mas não querem dizer. Também já foi assumida a incapacidade de quebrar as cadeias de transmissão do coronavírus, o que é deveras preocupante.Os portugueses, se bem nos lembramos, impuseram a si próprios um rigoroso confinamento, antes de as autoridades de Saúde o terem aconselhado e o governo o ter determinado. Desse confinamento resultou uma espécie de cerco ao vírus, que levou à diminuição do número de contágios e do número de mortes. O mais difícil estava feito com o empenho de todos os cidadãos deste país que, responsavelmente, entenderam a gravidade da situação e se sujeitaram a sacrifícios que jamais tinham imaginado ter que se sujeitar. Muitas liberdades foram suspensas.Fecharam-se empresas e atividades, limitaram-se os direitos de ajuntamento e de mobilidade, cancelaram-se consultas e tratamentos de doenças crónicas, etc. A evolução favorável da pandemia no nosso país, que permitiu o achatamento da curva epidemiológica, levou ao aligeiramento das medidas restritivas impostas pelo Estado de Emergência e à sua passagem a Estado de Calamidade, ainda que com muitos avisos para um possível retrocesso, caso as regras não fossem cumpridas.Quando tínhamos tudo para que as coisas corressem bem, começámos a perceber que, afinal, o famoso coronavírus tinha cor política e até era legalista. Era um vírus seletivo, digamos.Tinha cor política quando assistimos a uma comemoração do vinte e cinco de abril que pretendeu reunir um elevado número de comemorantes, em clara contradição com as regras em vigor para a generalidade dos cidadãos, apenas porque uma certa esquerda entendia que deixaria de ser democrata se a efeméride não se assinalasse. Fracas convicções.O mesmo aconteceu com o primeiro de maio, em que outra e a mesma esquerda achou que os direitos dos trabalhadores ficariam em causa se não se manifestassem, mesmo que furando as regras aplicadas a todos os portugueses.Aqui nunca haveria infeção, pois a especialização do vírus tornava esta gente imune. Uns tempos mais tarde assistimos estupefactos a uma manifestação contra o racismo, supostamente português, mas motivado pela morte de uma pessoa de cor num outro país, que pôs à prova a autoridade do Estado na aplicação das normas legais em vigor à data da sua realização, sem que tivesse havido qualquer tentativa de impedir a sua concretização.Vai daí, sendo o vírus tão seletivo, porque não fazer também um concerto enquanto os concertos estavam cancelados no país?E assim aconteceu no Campo Pequeno, uma praça de touros onde as touradas estavam proibidas para evitar ajuntamentos, o senhor Presidente da República e o senhor Primeiro Ministro apareceram confortavelmente sentados a ver o “entertainer” Bruno Nogueira espetar umas bandarilhas nas regras em vigor, tornadas legais pela presença dos mais altos responsáveis da nação.A partir deste momento o vírus tornou-se legalista. Se estiver eu ou outro cidadão presente, o vírus ataca-nos pela ilegalidade; se estiverem presentes as elites políticas do país, o vírus não ataca pela legalidade. Estanho vírus, este.E por que não ir à praia?Todos estes acontecimentos ocorreram em Lisboa. Será mera coincidência que o aumento do número de infetados e a incapacidade de quebrar as cadeias de transmissão esteja a acontecer na capital?A dúvida é legitima.Tem sido também em Lisboa que um maior número de ajuntamentos de jovens tem ocorrido, mas parece que o vírus também discrimina os jovens, ilegalizando estes ajuntamentos.Ou será a autoridade do Estado que é discriminatória?Se assim for, estaremos a cair numa situação de autoritarismo.A cereja no topo do bolo do autoritarismo de Estado vai conhecer o seu expoente máximo com a realização da festa do Avante, onde os concertos musicais são o prato forte servido com um discurso político que cada vez menos ouvem, mas que tem já bilhetes á venda, em nome de um financiamento partidário encapotado e livre de impostos, incluindo o famigerado IVA.Eu também tenho um bilhete para um concerto de verão que não se vai realizar, desconhecendo como vou ser ressarcido do seu valor, mas como não sou de esquerda, o vírus também me pôs à margem.Também eu me sinto discriminado.Imaginem que o coronavírus até prefere o litoral, tomando partido no ordenamento territorial. Em Portugal, a Covid-19 até poderia ser denominada de Doença Capital. Com a quebra já conhecida das exportações para outras nações, espero que Lisboa não exporte internamente o contágio para outras regiões.Devemos continuar preocupados.