1 - O País foi atingido por uma tempestade de casos jurídico-políticos e de decisões judiciais, sobre alegadas atividades de caráter penal, podendo configurar práticas de corrupção ou de crimes afins, de grande impacto mediático, que estão a ter decisiva influência no desenvolvimento da pré-campanha eleitoral e a afetar a estabilidade psicológica da já enfraquecida vontade de participar nas eleições de 10 de março por parte de grandes fatias do eleitorado.


Depois do terramoto da operação INFLUENCER que precipitou a demissão do então 1º Ministro António Costa, a queda do Governo, a dissolução da Assembleia da República e a convocação pelo Presidente da República de eleições legislativas antecipadas para o próximo dia 10 de março, seguiram-se, nos últimos dias, as suspeitas a respeito de uma casa/prédio de Luís Montenegro, em Espinho, a decisão judicial de levar a julgamento todos os arguidos no caso das “golas anti-fumo”, incluindo o ex-secretário de Estado da Proteção Civil, que se demitiu ao ser constituído arguido no processo, a mega operação policial que, ontem, dia 25 de janeiro, levou até à Madeira, em dois aviões militares KC-390 (que substituíram os Hércules C-130), mais de trezentos elementos da PJ, que, sob a direção de magistrados do DCIAP, realizaram buscas em locais pré-definidos do Governo autónomo e do município do Funchal, detendo três pessoas, entre as quais o autarca do Funchal, Pedro Calado.
Além disso, foi constituído arguido o presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, que, depois de 24 horas de uma amarga (e desnecessária) demora, para o leader do PSD e para o próprio partido, acaba de anunciar que vai apresentar a sua renúncia ao cargo. Por fim nesta “dança do vira” foi conhecido, na Operação Marquês, o acórdão das três juízas desembargadoras da Relação de Lisboa que deu, em grande parte, provimento ao recurso do Ministério Público interposto da decisão instrutória do Juiz Ivo Rosa, que “arrasara” a acusação e que esta decisão do Tribunal de 2ª instância veio em grande parte ressuscitar. Entre outras decisões, o acórdão determinou que Sócrates seja levado a julgamento pela prática de três crimes de corrupção, além de outros, num total de 22. Por força do mesmo acórdão, bastantes outros arguidos - num total de 21, foram também remetidos para julgamento. É, por exemplo, o caso de Zeinal Bava, Henrique Granadeiro, Hélder Bataglia, Armando Vara, Joaquim Barroca, empresário do Grupo Lena ou de Sofia Fava, tendo sido pronunciados por mais crimes outros arguidos, entre os quais Ricardo Salgado, a quem voltaram a ser atribuídos crimes de corrupção e branqueamento de capitais. O mesmo se poderá dizer do amigo de Sócrates, Carlos Santos Silva. O coletivo de Juízas foi particularmente duro na apreciação do trabalho do Juiz Ivo Rosa e chama a atenção várias vezes ao longo do acórdão para o facto de a visão que Ivo Rosa tem sobre a prova não ser correta. As três desembargadoras concluíram que o Ministério Público tem razão em quase tudo. Entendem que os indícios são mais do que suficientes. A propósito observam e ponderam, designadamente, o seguinte:
“Obviamente que não vamos encontrar prova direta dos factos – não se percebe o espanto do Sr. Juiz de instrução quando diz que nada consta nos extratos bancários do arguido Sócrates. Os indícios vêm da análise de outras provas”.
Entretanto, José Sócrates anunciou que vai recorrer para um “tribunal superior”. Assumiu que sofreu uma derrota jurídica, mas, no essencial, repetiu a tese sobre a sua inocência e o ataque cego a todos quantos discordam dela. Não é minha intenção alongar-me em considerações sobre os factos que enunciei. O que pretendo é salientar o papel da Justiça, imune a interesses partidários dos dois maiores partidos nacionais: o PS e o PSD. Ambos ficam, à vez, incomodados e ambos têm razões para lamentar o que acontece(u) dentro das paredes das suas casas. É caso para repetir os conhecidos versos populares:
“Ora agora viras tu,
Ora agora viro eu,
Ora agora viras tu, viras tu, mais eu”.

2 - Quem tem razões de sobra para se ficar a rir é o partido CHEGA, populista, de extrema-direita e antissistema. A vida corre-lhe bem e vai tirando partido desta degradação que varre o terreno político dos partidos tradicionalmente mais fortes.
Mas também os populismos de extrema-esquerda, encabeçados pelo Bloco de Esquerda, têm motivos para esfregar as mãos de contentes.
Uma coisa é indiscutível: a democracia está a atravessar uma crise grave no nosso País, à semelhança, aliás, do que tem acontecido na Europa e em muitas outras regiões do mundo. Pense-se nas eleições norte-americanas e na concretização das perspetivas, tão preocupantes como verosímeis, de uma possível vitória de Donald Trump. Num cenário dramaticamente agravado pelas guerras da Ucrânia e na Palestina, temos razões para temer o dia de amanhã.
Mas, voltando à situação política interna, importa reconhecer o momento que estamos a viver: não me parece excessivo qualificá-lo como um cenário quase caótico (ou pré-caótico). A interferência destes casos judiciais no dia-a-dia da pré-campanha baralha as mentes das pessoas normais, cada vez mais queixosas de insuficiente esclarecimento sobre candentes problemas sociais, no campo da educação, habitação, economia e saúde e das carências gritantes no funcionamento da Justiça. Entretanto, o “Chega” pinta com as cores mais escuras o panorama generalizado da corrupção que corrói as instituições do País e conduz ao apodrecimento dos partidos políticos onde vota a maioria dos eleitores. Em suma, temos de limitar e resolver as nossas infelicidades coletivas – um país onde uma maioria absoluta caiu na sequência de um inquérito judicial; que não consegue garantir o futuro dos seus mais jovens, levados à emigração; que não consegue pagar salários adequados e justos aos agentes das forças de segurança e a milhares de trabalhadores que se veem obrigados a viver na carência ou, até, na pobreza; que tem um Serviço Nacional de Saúde degradado e uma escola pública cheia de problemas, com professores descontentes e desmoralizados, que afugenta a classe média e não contribui para ser, como devia, o elevador social adequado para a valorização da sociedade portuguesa. Mas como alcançar estes objetivos com um tecido político minado pela incompetência da classe política ou autárquica e dominado pelos interesses pessoais de quem ocupa os cargos de mando e responsabilidade? Já vimos muito do que os partidos e as respetivas chefias são capazes de fazer ao País…
Ora, como diz o povo, “à primeira todos caem; à segunda cai quem quer; à terceira só os parvos”. Aprendamos com o passado, com as promessas não cumpridas e, com a ponderação indispensável, votemos em consciência, esperando melhores dias e que seja verdade que não há mal que sempre dure…
Lisboa, 27 de janeiro de 2024