O ISLÃO RADICAL

Após a degolação de um professor na zona de Paris pelo facto de, numa aula de educação à cidadania, ter mostrado caricaturas de Maomé, a França manifestou publicamente a sua indignação não só por este acto ignóbil, mas também pela vontade de afirmar os valores republicanos relativos à liberdade de expressão.A França encontra-se numa situação bem particular perante o Islão radical. Vários factores poderão explicar a radicalização de uma parte da população no seu território que professa a religião muçulmana. Certamente que o seu passado colonial e a sanguinária guerra da independência da Argélia não tenha ainda sarado as feridas. Além disso, o elevado número de habitantes originários do Magrebe ainda não se adaptou no grande país que é a França, ao cabo de três gerações. A sociedade francesa é composta de comunidades paralelas que podem viver no país quase uma vida inteira sem conviveram umas com as outras. Alguns assuntos continuam a ser tabus. Um estudo efectuado em 2004 refere que em certos meios é impossível falar de Holocausto, de Voltaire, de Dreyfus. Nalguns estabelecimentos de ensino, nos cursos de língua francesa, não se pode ler Madame Bovary. Sob pretexto que são de religião muçulmana, recusam participar na actividade da natação organizada pela escola, outros chegam ao ponto de não saudar a professora porque é mulher, e outros em discussões escolares, afirmam que a sharia é mais importante que as leis da República. Não há dúvida nenhuma que certos países como a França defrontam-se com uma franja da população jovem, sem trabalho, sem perspectivas de futuro, estigmatizada, totalmente desorientada e a única afirmação é virarem-se para o ideal islâmico guerreiro, com o fito consciente de destruir esta sociedade onde não conseguiram afirmar-se. Sem formação, vão atrás de slogans simples e vemo-los, há algum tempo, nas fileiras do estado islâmico contra a Síria, agora no Mali, na Líbia ou, como mercenários pagos pelo presidente Erdogan, na guerra do Alto Carabaque. Esta corrente radical da religião muçulmana, identificada com o salafismo, o wahhabismo, o hanbalita, o islão sunita, coloca no centro da sua doutrina a absoluta transcendência de Deus. Ora se Deus é radicalmente diferente do mundo criado, é impossível conhecê-lo. O que se pode conhecer dele é a vontade revelada através do Corão. Enquanto para os cristãos, a fé é uma relação pessoal com Deus da qual derivam os actos, o facto de ter fé para o wahhabita não é conhecer Deus (que é impossível), mas cumprir os seus preceitos. É de referir que o wahhabismo não é a única teologia no islão, mas é a que se tem afirmado e que absolutiza os preceitos que se traduzem em questões alimentares (tudo o que é halal) e de vestuário (como o véu para as mulheres) que, até há pouco tempo, eram questões marginais ou mesmo inexistentes. Esta tendência tem sido defendida, exportada e subsidiada principalmente pelo Catar, a Arábia Saudita e ultimamente pela Turquia. É uma doutrina que não permite interpretações. Se o Carão estipula um preceito, não há lugar a discussões e nenhuma decisão legislativa humana permite ir contra eles. Contrariamente ao cristianismo, em que o verbo se fez carne, quer dizer pessoa, atenta à humanidade e ao sofrimento, na religião do Islão Deus manifestou-se em Livro, em preceitos, em que não é possível a discussão.Mesmo ao nível político, em que nas nossas democracias o legislador tenta organizar a vida em sociedade da maneira igualitária, discutindo em assembleia e ouvindo os pontos de vista de uns e de outros, num estado islâmico, o legislador não poderá tomar uma decisão contrária às leis do Corão.