Histórias que a Vida Conta

Fiado nas sondagens, embalado na onda da opinião publicada, enganei-me nas minhas previsões sobre as autárquicas. Felizmente, só as dei a conhecer depois da realização das eleições, através de um texto escrito alguns dias antes. Enganei-me quando afirmei que tudo ia ficar sensivelmente na mesma e que o PSD iria provavelmente subir “um poucochinho”. Não foi isso que aconteceu. O PS, embora tenha ganho as autárquicas – teve mais votos, mais eleitos, mais Câmaras e mais Juntas de Freguesia -, sofreu uma grande e inesperada derrota na Câmara Municipal de Lisboa. Tratou-se de um “tiro no porta-aviões” que não vale a pena tentar minimizar; um castigo à arrogância e à nacionalização da campanha pelo Primeiro-Ministro. O eleitorado quis sinalizar que estava atento e repudiava o abuso do aceno com os milhões da “bazuca”, das promessas eleitorais despudoradas feitas à custa de fundos que são de todos e não de alguns privilegiados. O eleitorado percebeu e castigou a arrogância em campanha do 1º Ministro e de autarcas socialistas que, sabendo-se mais perto do intuído “dono dos milhões”, se sentiam os grandes beneficiários dos mesmos. Manifestamente, o eleitorado não quis sufragar a sistemática confusão entre interesse partidários e o interesse nacional. E com um efeito surpresa muito pedagógico, acabou por castigar Fernando Medina, por algumas culpas próprias – o caso dos dados pessoais entregues à Embaixada da Rússia e algumas ciclovias disparatadas são exemplos paradigmáticos – mas também por responsabilidades do seu “patrono” António Costa.Em contrapartida, o eleitorado viu em Carlos Moedas um político moderno, europeu, cosmopolita e civilizado, um homem supostamente bem preparado, gestor capaz e político promissor. Tudo isso contribuiu para o grande evento da noite eleitoral. A arrogância foi castigada! Arrogância que se estende a tantos comentadores e politólogos, apostados em fazerem de Rui Rio o seu “saco de boxe” preferencial, troçando do seu estilo e das suas intervenções. Meditem esses comentadores, que enxameiam os canais televisivos, na inclemência sistemática que usam para com o secretário-geral do principal partido da oposição em vivo contraste com a cordialidade e a simpatia do tempo de antena, sempre disponibilizado à líder do Bloco de Esquerda, ao qual, apesar da sua crescente inexistência autárquica, são concedidas as melhores atenções mediáticas.Mas as más notícias para o partido do governo não se limitaram a Lisboa (embora esse seja o caso mais grave e sintomático).  Na verdade, o PS perdeu 11% de eleitores nas 20 maiores câmaras – EXPRESSO, 1 de outubro, pág. 8 -, além de ter perdido concelhos muito importantes como foi o caso de Coimbra, Funchal e Barcelos. É certo que, em contraponto, o PS “roubou” à CDU importantes bastiões cuja perda muito deve ter doído ao PCP, partido que ainda é um importante baluarte autárquico mas que vai vendo reduzida, de eleição em eleição, a dimensão da sua influência local.Ou seja, contas feitas, o PS ganhou em câmaras, freguesias e a maior parte das capitais de distrito. “Só que ninguém contava com Lisboa, nem com tantas derrotas, nem com a perda de votos. Acabou a era da invencibilidade e agora são precisas respostas, antes que venha uma surpresa maior nas legislativas” – David Dinis e Rosa Pedroso Lima, “O que falhou? PS no divã”, EXPRESSO, 1 de out., pág. 6.  Não surpreendem assim as frases ouvidas pelo citado semanário, todas elas de governantes e dirigentes socialistas de diferentes sensibilidades, demonstrativas de que o PS entrou em psicanálise a partir da longa madrugada eleitoral. “Há receio de que tenha sido o primeiro sinal de inversão de ciclo, procura de explicações, também algum jogo de culpas. Sobretudo, há intranquilidade” – cfr. loc. cit. pág, 6.Ora, a verdade é que se vêm sucedendo em cascata episódios reveladores dessa intranquilidade, melhor diria, de um acentuado desequilíbrio. O truculento ministro das Infraestruturas de Portugal (I.P.), Pedro Nuno Santos, resolveu atacar com contundência o seu colega das Finanças, na sequência da saída do presidente da CP, a três meses do termo do respetivo mandato. Depois de ter elogiado o responsável da Empresa e apoiado a sua decisão, afirmando que “se dependesse dele”, o assunto da falta de verbas para a CP “estava resolvido”. Tudo ao bom estilo do titular da pasta das I.P…. Depois de termos tido, em José Sócrates, um “animal feroz”, arriscamo-nos a ter o “furacão” Pedro Nuno. Bem diferente de António Costa que, comparado com ele, não passa de uma suave aragem bailadora, agitando-se na tarde do nosso (des)contentamento. Mas cada um é como é… Entretanto, encontrei, entre os meus apontamentos com curiosidades, um papel que manuscrevi à pressa, tendo no topo, os seguintes dizeres: “P. Nuno Santos, político, 2011”. O conteúdo era o seguinte, na ortografia quase indecifrável que uso quando escrevo à pressa: “Estou-me marimbando (sic) para os nossos credores, para os banqueiros alemães que nos chamam irresponsáveis. Temos uma bomba atómica que é dizer-lhes: nós não pagamos. E se lhes dissermos isso, as pernas dos banqueiros alemães até tremem”. Estas palavras foram ditas em público e captadas pela televisão em 2011 e o seu autor foi o político socialista, hoje ministro, que ataca publicamente um seu colega de Governo, como há algum tempo atrás se envolveu numa briga de rufiões com o CEO da Ryanair a respeito da TAP.Mas, no rescaldo das autárquicas, os disparates não ficaram por aqui. Ainda havia de rebentar uma tempestade de maiores dimensões dentro do Executivo: “o ministro da Defesa resolveu lançar a substituição de Chefe de Estado Maior da Armada (CEMA), crítico da sua reforma das Forças Armadas (F.A.), sem avisar o Presidente da República”, tendo acabado desautorizado pelo Comandante Supremo das F.A. Valeu-lhe o para-raios António Costa que se apressou a pedir uma audiência ao Presidente, tendo-se deslocado a Belém, acompanhado por João Gomes Cravinho, para prestar explicações ao P.R.. O lacónico comunicado da Presidência terá tentado encerrar o incidente, ao considerar “esclarecidos os «equívocos” suscitados pela imprudente e desavisada iniciativa do ministro, que chegou mesmo a ser havido como suspeito de pretender usurpar as funções próprias do Chefe do Estado.Foram estes os factos essenciais nesta semana horribilis para António Costa. Dito isto, pode perguntar-se: mas então os problemas na liderança do PSD e do CDS ficaram resolvidos? Embora tenham ganho um pouco mais de oxigénio, a verdade é que nem Rui Rio nem Francisco Rodrigues dos Santos estão a salvo de reptos nos próximos Congressos partidários. No CDS, Nuno Melo vai apresentar a sua candidatura a líder. E, no PSD, a oposição a Rui Rio movimenta-se e posiciona-se. Será que Paulo Rangel irá avançar dentro de três meses? E, nesse caso, qual será o desfecho da justa intramuros, no pressuposto, que dou como muito provável, de que Rio não deixará de terçar armas pela sua dama?Lisboa, 7 de outubro de 2021