Pontos de Vista


A retumbante e, por isso mesmo, inesperada vitória do NÃO no referendo da Grécia do passado dia 5 de Julho constituiu uma importante vitória política do Syrisa, do 1º Ministro do governo grego, Alexis Tsipras e do, então, ministro das Finanças Yanis Varoufakis. Pelo contrário, representou uma severa derrota política da Europa, do Eurogrupo, das instituições europeias credoras da Grécia, bem como do FMI, e ainda, em termos pessoais, de figuras como o presidente da Comissão Europeia, o exuberante Jean-Claude Juncker, da chanceler Angela Merkel e do presidente do Eurogrupo, o holandês Jeroen Dijsselbloem.
A pergunta fundamental que, no entanto, se coloca consiste em saber se a vitória do Não (OXI, em grego) se irá traduzir em benefícios para o sacrificado povo grego. A questão está traduzida graficamente no título deste artigo: será que o NÃO no referendo vai conduzir à saída da Grécia do euro? Recorde-se que GREXIT representa a contracção de duas palavras (Grécia e Exit - «saída» em inglês).
No dia em que escrevo – 8 de Julho – ainda não se sabe como tudo vai acabar ou, pelo menos, qual a evolução dos acontecimentos até ao final da semana em curso, que se antevê como de crucial importância. A generalidade das análises e das previsões que têm inundado os media e agitado, num frenesim quase incontrolável, políticos, politólogos, comentadores e jornalistas é marcada pela paixão pessoal, pela preferência ideológica de quem escreve ou debita emotivamente ao vivo as suas opiniões. Acima da verdade dos factos e da serenidade da análise está quase sempre o “clubismo” apaixonado, muitas vezes acéfalo, mas muito difícil de ultrapassar. Ora, quando o sentimento absorve totalmente a mentalidade de quem tem o dever de analisar para prever, as previsões não serão certamente as mais correctas. O clubismo extravasa das preferências ou antipatias – umas e outras viscerais – para com o Syrisa e penetra com contundência na política nacional. Torna-se uma arma de arremesso nas mãos de algumas proeminentes figuras políticas nacionais, incluindo dirigentes do nosso principal partido da oposição, que, quais cataventos, rodopiam conforme o sítio de onde sopra o vento. De um lado, o elogio inflamado do “gesto genial” de Tsipras, da “coragem do povo grego” e do sofrimento das suas gentes, vivendo indizíveis dificuldades diárias de sobrevivência, a par da crítica à desumanidade e falta de solidariedade por parte das instituições europeias; do outro, duras acusações aos governantes gregos pelo incumprimento das regras europeias e dos acordos de resgate celebrados com as instituições credoras, a sua falta de respeito pelo sentido e alcance do que são a União Europeia e as democracias dos restantes dezoito Estados que integram o Eurogrupo, o inopinado dinamitar das pontes das negociações, como consequência do imprevisto e não anunciado recurso ao referendo, o seu permanente ziguezaguear estratégico, o irresistível piscar de olhos ao presidente russo Putin… E, acima de tudo, a acusação, feita à Grécia, de que pretende conciliar o inconciliável: a pertença à zona euro e a recusa da austeridade.
É verdade que nos movemos num domínio onde o sentimento e a emoção não podem ser arredados da apreciação da realidade. Ao longo da fase de negociações que terminou com o referendo grego, testemunhámos manipulações quase diárias, exibições pessoais excêntricas e fora de propósito, promessas incumpridas e um permanente jogo de aparências. O acordo que, num dia, era dado como iminente ou mesmo como dado adquirido, passava, no dia seguinte, a ser impossível. A aparente boa vontade, os sorrisos, as palmadinhas nas costas deram lugar, de uma hora para a outra, a ataques verbais inusitados e muito graves, feitos pelos responsáveis do governo de Atenas, acusando Bruxelas e o Eurogrupo de práticas “terroristas” ou imputando intenções “criminosas” ao FMI. Madame Lagarde, por sua vez, com insensata ironia, reclama negociações com “adultos na sala”, acusando, assim, os governantes gregos de infantil irresponsabilidade.
De um lado e do outro, faltaram serenidade e visão de Estado, pondo em dúvida a boa-fé negocial de ambas as partes. Interrogo-me até sobre a real intenção, quer das “Instituições”, quer do “Governo grego”. Inclino-me a pensar que a Europa deseja maioritariamente a permanência da Grécia no euro, não tanto por temer as consequências económicas ou financeiras da sua saída – afinal a Grécia representa apenas cerca de 2% do PIB europeu -, mas porque a saída da Grécia do euro (e, a prazo, da UE), colocaria ao nosso continente e à NATO – logo, também aos EUA – “um grande quebra-cabeças geo-estratégico”. Na verdade, como tem sido salientado, a Grécia é a última fronteira não só da Europa mas também do Ocidente, numa zona do mundo onde a barbárie e o horror crescem aterradoramente.
E quanto ao governo grego? Quais as suas reais intenções? É conhecida a diversidade de posições ideológicas dentro da coligação de extrema-esquerda denominada Syrisa, a qual, para efeitos de formação de governo, se aliou a um pequeno partido de extrema-direita (não é lapso, é mesmo “extrema-direita”) nacionalista. Recorde-se que a vitória expressiva no Não, no referendo do dia 5, foi saudada efusivamente pela Front National de Marine Le Pen, poderoso partido francês de extrema-direita. Afinal, os extremos aproximam-se e colaboram entre si. Também Putin se congratulou com o expressivo resultado do referendo grego.
Avancemos mais um passo.
Quando, no declinar das negociações, Tsipras mandou “parar o baile”, informando os seus atónitos interlocutores de que o governo grego tinha decidido submeter a proposta de acordo oferecida pela Europa a um referendo a 5 de Julho – decisão indiscutivelmente democrática – e anunciou que iria apelar ao “Não” no acto referendário, assistiu-se a um fenómeno inédito mas curioso. Tomados pela surpresa e quase em choque, alguns líderes europeus não resistiram a entrar no domínio privativo da soberania do povo grego, anunciando as catástrofes que a vitória do “Não” traria consigo. Pelo contrário, Alexis Tsipras prometia aos gregos, antes do referendo, que um rotundo não à proposta europeia aumentaria a sua capacidade negocial em Bruxelas.
Perante a indiscutível clareza do Não que resultou da consulta referendária (com mais de 61% dos votos), quem é que falou verdade ou mais se aproximou dela?
É esse o exercício que todo a Europa, para não dizer, todo o mundo, está agora a fazer…
Perante o silêncio prudente da chanceler germânica no decurso da crise grega, o vice-chanceler alemão, presidente do SPD, aliado da Senhora Merkel, Sigmar Gabriel, reagindo aos resultados do referendo, acusa Tsipras de “ter dinamitado a última ponte”, acrescentando que “o voto torna difícil imaginar conversações para um novo resgate”.
O debate está pois dramaticamente em curso. Resta esperar que os espíritos dos líderes europeus e gregos, em confronto, encontrem a luz neste mar de preocupantes interrogações.