Pontos de Vista


1 - A recente tensão evidenciada a propósito de algumas afirmações polémicas sobre a Justiça deveria constituir pretexto para a abordagem do tema da independência dos tribunais ou para o debate acerca da eventual politização do poder judicial ou da judicialização do poder político. A verdade, porém, é que se trata de matéria que tem estado ausente dos debates entre os líderes partidários que fogem da sua discussão como o diabo da cruz.
Isso acontece por várias razões entre as quais o receio de poderem ser acusados de tentar limitar a independência da justiça ou de interferir na actividade processual em casos concretos de grande impacto social! Deixa-se a matéria para as notícias sensacionalistas dos tablóides ou para os argumentos da “defesa” de alguns arguidos mediáticos, alvos de investigações policiais ou de medidas processuais de coacção, sendo que estes não são os agentes idóneos para uma análise serena e objectiva do tema. Desde logo porque são ou estão, de uma maneira ou de outra, implicados, não querendo nem podendo ser isentos nem sérios na realização de tal exercício. Daí que represente uma lastimável caricatura dos princípios que devem reger esta temática no ordenamento jurídico de um Estado de Direito deixar a tais figurantes e agentes o tratamento, por esta via e naquelas sedes, de temas como o segredo de justiça e a sua violação ou a conciliação entre o respeito pela presunção de inocência dos arguidos e o exercício do direito/dever de livre informação por parte dos órgãos de comunicação social como forma de satisfazer o direito à informação de que todos os cidadãos são titulares.
Mas o que é que se pode esperar de uma sociedade que vive tempos de sofreguidão e stress, onde o eleitoralismo tacticista prevalece sobre a frieza da análise e a retórica vazia produz mais impacto do que a serenidade da reflexão e o estudo dos problemas? Será de admirar que, num tal clima, se movimentem interesses partidários, no caso provenientes de figuras do PS, com acusações e ataques à RTP quando esta anuncia a decisão de debater o tema da partidarização da justiça no regressado programa “Prós e Contras”? Tratou-se de uma lamentável forma de condicionamento do canal e dos jornalistas que organizaram e intervieram no programa, que, no entanto, produziu os seus efeitos. Pergunto, aliás, se tal condicionamento não terá contribuído para a ausência de representantes das magistraturas que se viram, assim, sujeitas, sem possibilidade de defesa, a ataques sem fundamento, num festival de acusações, muitas vezes injustas, provenientes de uma overdose de advogados, acolitados ou encabeçados por Miguel de Sousa Tavares, também ele antigo advogado e cujos pré-juízos na matéria são bem conhecidos.
É por saberem que temas como estes são susceptíveis de provocar um efeito de “ricochete” que os principais intervenientes nas pugnas eleitorais não os trazem à discussão em debates cronometrados ao segundo por moderadores implacáveis, em muitos casos evidentemente parciais, evitando enredar-se em teias de argumentos perigosos e que não dão votos. E que, além disso, apenas servem os interesses da crítica acéfala de comentadores de má-língua, ignorantes encartados que falam sobre todos os temas no comprazimento narcisista de se ouvirem a si próprios.
Assim, também eu vou deixar para outro momento a abordagem da temática da independência da magistratura judicial, o seu normal relacionamento com o executivo, as eventuais interferências externas no exercício da administração da Justiça, tendo como pano de fundo questões tão diversificadas como o estatuto, nomeações, promoções, inspecções, privilégios, direitos e deveres, colocações, exercício do poder disciplinar, nomeações para cargos junto da Administração, os Conselhos Superiores, suas funções, competência e composição, autonomia do Ministério Público e poderes de intervenção do Ministro da Justiça.

2 – Mas há um outro tema, mais aliciante nos dias que correm, e a que já aludi, que me vai servindo de indicador para formar um juízo acerca dos méritos e deméritos dos partidos e coligações em confronto nas eleições do próximo dia 4 de Outubro. Refiro-me à forma de relacionamento dos líderes das principais formações com os media. E, nessa matéria, devo confessar a minha preocupação com o que me tem sido dado ver, designadamente, no que se refere à atitude do líder do PS. Na verdade, António Costa está a revelar-se brusco e impulsivo no tratamento dos jornalistas menos cómodos. Vejamos alguma matéria de facto: depois de, há meses atrás, ter reagido com inesperada rispidez, para dizer o mínimo, para com uma jornalista que o interpelou na via pública, foi agora ao ponto de maltratar Vítor Gonçalves, seu entrevistador na RTP, a quem acusou de estar ali “como porta-voz do Dr. Passos Coelho”, quando o jornalista lhe pediu, em termos razoáveis, que desse dois ou três exemplos de diferenças substanciais entre a proposta política do PS em 2015 e a do PS em 2011. Não é aceitável que ele pretenda “reactivar” o “animal feroz”- José Sócrates, autor que foi do ataque sem quartel contra a jornalista da TVI, Manuela Moura Guedes, ou dos telefonemas, agressivos e hostis, a jornalistas menos favoráveis à sua governação e à sua pessoa.
A calma e ponderação de Passos Coelho, a serenidade e o aparente respeito pela livre expressão do pensamento que revela quando confrontado com críticas de jornalistas e de programas que o hostilizam sistematicamente, parecem-me bem mais meritórios. Aos destemperos de um João Galamba ou ao frenesim crítico de Constança Cunha e Sá, prefiro a paciência e boa educação de António Lobo Xavier, semanalmente sujeito, na Quadratura do Círculo, à táctica virulenta de Pacheco Pereira, “inimigo de estimação” de Passos Coelho, ou aos “digamos” de Jorge Coelho, no seu estilo inconfundível de “embaixador “ socialista.
Uma palavra ainda para emitir uma opinião pessoal. A situação processual de José Sócrates deverá ser em tudo alheia à campanha política. Mas o legado político de José Sócrates, como 1º Ministro de dois Governos, ao longo de mais de seis anos, que conduziram o país à situação de pré-bancarrota e que o actual Governo herdou, esse sim, não pode deixar de ser tema da campanha. Não podemos esquecer que o Governo eleito em 2011 teve de governar não só com ele mas apesar dele…!

3 - Dito isto, poderá pensar-se que o sentido do meu voto está definido. Mas não é assim, infelizmente. Porque, ainda ontem, ao assistir na SIC Notícias a um pequeno debate entre o Professor Eduardo Paz Ferreira e o deputado europeu pelo PSD Dr. Mário David, sobre o drama dos refugiados e migrantes, fiquei chocado com o pensamento deste último. Quando Mário David diz que Viktor Orbán, o 1º Ministro húngaro que manda construir muros e redes de arame farpado, montar teias de burocracia e fechar fronteiras a homens, mulheres e crianças que fogem da fome, da guerra e da morte, pertence à sua família política, só posso afirmar que “essa” família política não é decididamente a minha! Quero crer, porém, que este será um filho espúrio e que, neste nosso cantinho lusitano, se encontrarão outro coração e outras vontades.