Pontos de Vista


Escrevo poucas horas depois de o Presidente da República ter dado posse ao governo minoritário de Passos Coelho, já conhecido como o “governo dos dez dias”.
Na verdade, tem o fim anunciado por três (ou será apenas uma?) moções de rejeição, a apresentar pelos partidos de esquerda. Vivemos tempos de instabilidade e de inquietas interrogações. O PS, derrotado nas urnas, liderado por um político que não conseguiu capitalizar o voto de descontentamento depois de uma governação de grande austeridade, propõe-se governar o país. António Costa, aconteça o que acontecer, ficará para a História com a imagem inevitavelmente maculada por dois gestos feios, que o povo critica e condena: ter empurrado pela borda fora António José Seguro, o Secretário-Geral legítimo que vencera duas eleições em sufrágios sucessivos; e tomar o lugar do líder vencedor nas eleições de 4 de Outubro, passando de vencido no campo eleitoral a triunfador de “secretaria”. Tudo com o apoio, em termos ainda desconhecidos, no momento em que escrevo, dos partidos de esquerda radical, o BE e a CDU (PCP e Verdes).
Pense-se o que se pensar, não pode, com seriedade, dizer-se que o povo quis, no sufrágio parlamentar de há vinte e cinco dias, dar a vitória ao PS e escolher o Dr. António Costa para 1º Ministro.
A derrota foi de tal modo inesperada e clara pelo número de votos obtidos que se poderia até considerar humilhante, em face das circunstâncias sociais e políticas que antecederam o acto eleitoral. Não admira por isso que, na noite de 4 para 5 de Outubro, muita gente tivesse sido levada a pensar que António Costa, num gesto de dignidade que é prática frequente dos líderes derrotados nas urnas, apresentasse a sua demissão ou, ao menos, colocasse o seu cargo à disposição das estruturas partidárias. Mas não só não o fez, como se agarrou, como náufrago à beira do fim, à bóia de salvação que lhe foi lançada, para surpresa de muitos, por Jerónimo de Sousa, acompanhado (ou até antecedido) por Catarina Martins, feita pitonisa do regime ao noticiar a morte do governo PSD/CDS, ou informando, agora, o eleitorado de que, nas presidenciais que se aproximam, não haverá um mas sim dois candidatos de direita: Marcelo Rebelo de Sousa e Maria de Belém! Seria bom que Catarina Martins, impante de felicidade, arrogância e auto convencimento (onde está aquela menina linda, de cândidos olhos verdes que andou a derramar sorrisos gentis pelo país fora, distribuindo beijinhos, quais rosas de concórdia e felicidade, feita fada boa dos pobrezinhos e enjeitados? Grande Catarina, (grande actriz!) seria bom que deixasse de nos tratar como se fossemos uns atrasados mentais ou uns papalvos descartáveis! E, já agora, que respeitasse um pouco mais o PS, com quem anda a mercadejar apoios interesseiros e espúrios. Ou será que catalogar perversamente uma figura com uma longa e prestigiada história dentro do Partido – afinal, Maria de Belém foi, até ao advento de António Costa, Presidente do PS, ou seja, a primeira figura institucional do Partido Socialista - não constitui uma ofensiva e intolerável intrusão nas questões internas deste Partido? Será que o Dr. António Costa ou o Senhor Carlos César, que lhe sucedeu no posto, não têm um comentário a fazer em defesa de uma militante tão respeitada? (Camaradas, camaradas, ambições à parte…!)
A resposta é sabida: ao Dr. Costa nada interessa mais do que a sua sobrevivência política, o que só pode ser alcançado com a nomeação para a chefia do governo. E, de cedência em cedência, tudo lhe servirá como documento certificador de um acordo “sólido e credível” de um governo “estável e consistente” durante a próxima legislatura. E ei-lo chegado ao Olimpo no cume do seu poder onde pouco lhe interessarão os malefícios para os portugueses de uma deriva tão irresponsável. Haverá, a seu tempo, oportunidade (e descaramento, outra vez…) para assacar a outros a responsabilidade das suas canhestras opções.
Quem ontem, dia 29 de Outubro, ouviu a entrevista de Jerónimo de Sousa na SIC, ficou esclarecido sobre a falta de comprometimento do PCP em assuntos vitais. Na verdade – e honra lhe seja – o Secretário-Geral do PCP não deixou margem para dúvidas. O PCP vai continuar a ser o que sempre foi.
Perguntado se o País terá conhecimento do acordo entre o PS e o PCP antes de a maioria de esquerda fazer cair o governo da coligação PSD/CDS, indigitado pelo PR, disse que “a questão ainda não está nessa fase” e que “continua a haver reuniões de trabalho”.
Perguntado sobre se o PCP promete respeitar o Tratado Orçamental, respondeu negativamente, com meridiana clareza. E perguntado ainda acerca do défice objectou:” mas porque é que tem de ser 3% e não 4%?” Esclarecido pela entrevistadora de que isso resulta do nosso comprometimento com o Tratado Orçamental, o líder do PCP, rosto severo, observou: “Mas isso é uma questão de fundo” que o PCP não poderia acatar. Sendo-lhe observado que o PR exige o respeito pelo Tratado Orçamental, reage afirmando que “o défice e a dívida não são questões intocáveis”. Logo, por aqui, tudo em suspenso…
E, retomando a cassete, repete pela enésima vez que votarão a favor de tudo o que seja a favor dos trabalhadores, do povo e do país e contra tudo o que seja contrário aos interesses dos trabalhadores, do povo e do país. Sendo esse o sentido norteador do pensamento do PCP, conclui-se que as negociações com o PS (nunca reuniões a três, com a participação do BE) parecem incidir apenas sobre medidas concretas – salários, pensões, reformas, questões sociais, como os direitos à saúde e à educação.
Nada disto é em si mesmo contestável. Não seria de esperar outra coisa de um partido monolítico mas coerente (até por isso mesmo)! Ficou claro que o PCP não fará acrobacias nem entrará em processos camaleónicos. O que intriga é como é que um partido como o PS – o mais europeísta dos partidos portugueses, como os seus militantes não se cansam de proclamar – poderá chegar a um acordo credível com um partido como o PCP que confessa não estar disposto a respeitar o Tratado Orçamental. Como é possível chegar a um verdadeiro acordo sobre medidas programáticas, que inevitavelmente irão aumentar os valores da despesa pública, quando uma das partes não reconhece as baias estabelecidas para o endividamento do país?
A resposta foi dada por Carlos César, quando disse que as negociações incidem nas matérias em que há concordância e que, quanto às questões do respeito pelas regras da União Europeia, pelo euro, pelo Tratado Orçamental, se aplicará o programa do PS. Fácil! E com uma tão grande flexibilidade estratégica e uma tão evidente gula pelo poder, é fácil adivinhar que qualquer acordo serve! E todas as posturas também: é que, ao serviço desta estratégia do poder pessoal e partidário, têm-se ouvido alguns “jovens turcos” socialistas dizer verdadeiras enormidades. Quem ouviu João Galamba, um dos trauliteiros de serviço do PS, acusar, na televisão, o Presidente da República de “golpista”, pergunta-se, certamente angustiado: ”Quem educou estes meninos?”.
Que nos irá acontecer? Podem crer que pagaremos caro para ver!

30 de Outubro de 2015.