Criado que fui no campo, sempre admirei a sabedoria dos mais antigos apreciando o seu vocabulário,

ainda que fossem analfabetos. O linguajar daquelas pessoas com uma rima apropriada ditava uma verdade que ninguém podia contestar dentro das circunstâncias normais, como é o caso do clima. Podiam acontecer fenómenos anormais onde a filosofia popular que tinha como base uma disciplina a que davam o nome de tarimba, que significava a experiência adquirida, os designavam por “fomes” num sentido metafórico.Tudo isto serve para vos classificar este janeiro, o vinte e um do século vinte e um que está a cumprir na íntegra todos os adjectivos no que toca à baixa temperatura, com que ao longo dos tempos foi rotulado.Nunca tinha acontecido, nas minhas sete décadas de vida, chegar à janela, ter medo da geada com que deparei e voltar a enfiar-me na cama. Isto aconteceu em treze do janeiro que decorre, por volta das sete e meia da manhã, muito embora tivesse uma coisa a meu favor, não tinha assumido qualquer compromissoSaí definitivamente da cama duas hora depois, no entanto os terrenos que que me cercam e que normalmente são verdes, ainda mantinham a alvura que só a neve e a geada lhe podem dar.Para este efeito há um fenómeno que o nosso povo em tempos idos também soube sentenciar: - Serra nevada terra chã geada. Aqui tem de contribuir o luar de janeiro, o tal que não tem parceiro, ou as estrelas brilhantes em tempo de lua nova. Dado que quando há precipitação a geada não acontece.Depois de vos dizer isto, regresso a janeiro de mil novecentos e cinquenta e oito, o primeiro que passei a caminhar para escola quando contava sete anos de idade. O percurso era feito a pé, numa distância de dois quilómetros e meio, durante uma hora, com início às oito e era em terreno a subir.Os agasalhos não eram como os de agora, valiam umas flanelas, algumas peças deficientemente tricotadas e a roupa exterior de “fioco” uma fibra feita à base de madeira, que por ter pouca valia teve curta duração.Além da caminhada inclinada da manhã, ainda tinha de se transportar o material escolar, numa sacola e a merenda para o meio-dia, numa outra bolsa, feita de pano, onde se levavam os figos secos, duas maçãs e duas fatias de pão centeio com algo que o tornasse mais macio. As ementas não eram muito variadas, pois como tudo era do que a casa dava e não havia muito por onde escolher.No regresso a casa da parte da tarde, tudo já corria melhor, pois além do caminho ser a descer, temperatura mais branda, havia a menos o peso da merenda e a mais o apetite, pois o almoço normalmente não era muito farto.Falo do primeiro ano por ser o mais difícil pois os seguinte foram melhorando, dado que a idade também ia ajudando, bem como o companheirismo que se ia criando e que por acaso tanto tempo depois algum dele ainda se mantém e de certeza que não acaba enquanto estivermos por cá.Venci enquanto criança essas dificuldades, hoje com dez vezes mais idade, roupas de qualidade superior para qualquer das épocas, o frio meteu-me medo para sair de casa. Habituados que estamos a outras regalias, não colocamos as dificuldades de parte, sem nos lembrarmos do que foi o nosso passado, nem tão pouco há quem o faça recordar, dado que a população escolar, nos tempos que correm, é toda a população escolar é auto transportada. É evidente que no meu tempo e dos da minha geração nem se quer se pensava nisto, todavia a modernidade deu azo em que as melhorias de vida se sentissem em todos os sectores da vida social. Ainda bem que assim é, uma vez que todos nós queremos ver nos nossos descente em patamares mais elevados do que o nosso.E por aqui vos deixo, na esperança de voltar a chegar até vós com o tempo mais morno.