Agora que sou avô, percebo o bem imenso que é ter um avô, que é ter uma avó.

Percebo que há dois tempos diferentes na vida familiar: o tempo dos pais e o tempo dos avós, o tempo da educação e o tempo da contemplação, o tempo do trabalho, da luta pela vida e o tempo do repouso, da comunicação e da ternura intrafamiliar.
Também eu tenho ainda a lembrança da vivência com os meus avós, sobretudo com a minha avó. Parecia-me a criatura mais doce que havia na terra. Já teria uma certa idade, mas eu nunca lhe contei os anos, nem, em momento algum, pensei que fosse velha. Era simplesmente a minha avó.
Quando ia a casa dela, o seu primeiro gesto, mesmo antes de me dar um beijo, era abrir a arca de madeira sobre a qual havia sempre um vaso de flores com as cores das estações do ano, que pousava sobre um paninho de renda, que ela tinha bordado quando era jovem, e já sabia que me iria oferecer uma guloseima: uma “galheta”, que mandava vir de Espanha, uma filhós, uma cavaca ou um pedaço de bolo que sabia a azeite e a erva doce. Por vezes, recebia rebuçados com sabor a caramelo ou a café, mas avisava-me antes: tens de os ir chupando que se colam muito aos dentes, para não os estragares!
E colocava-me ao colo e ali ficávamos um tempo infindo porque não se cansava de ouvir coisas que já lhe tinha dito mil vezes, mas ela nunca me fazia notar que já lhas tinha dito. Por vezes, acariciava-lhe o rosto, gostava de sentir a pele rugosa e arrancava-lhe um ou outro pelo que sobressaia da sua barba. Nunca me perguntava se já tinha feito os trabalhos escolares, como os meus pais. No tempo da primavera queria saber se já tinha descoberto algum ninho e recomendava-me para não tirar os passarinhos do ninho como faziam alguns meninos da aldeia. E eu gostava tanto de ter passarinhos em casa...
A minha avó queria saber quem eram os meus amiguinhos na escola. E dava-lhe informações sobre os jogos que fazíamos no terreiro das Eiras. Quando lhe falava do jogo do pião, oferecia-se para me tecer uma baraça com os fios de algodão que lhe sobravam do tear. Punha-me de sobreaviso sobre a maneira como os mais velhos tentavam enganar os mais novos, no fim da escola.
— Nunca vás com eles para apanhar os nárrios.
— Não, não, minha avó.
Na minha mentalidade de criança nem sabia o que eram os nárrios, mas percebia que não poderia acompanhar os mais velhos, mas, pensava eu, quando for um pouco mais crescido, também gostaria de dizer aos mais novinhos para irmos aos nárrios. Gostaria de, ao menos ver um nárrio em pele e osso, mesmo se não existissem.
Só conheci uma avó, a avó materna. Não posso imaginar como poderia ter sido com a minha outra avó. Já fiquei contente de ter conhecido uma que dela guardo muitas saudades.
Agora com os meus netos, noto a riqueza da afeição conseguida ao contactar uma e outra avó.
Conviver com os avós é como frequentar uma segunda escola. É como saborear um segundo mundo que se descobre, o da ternura, o da atenção partilhada, o da meiguice que tanta falta nos fazem.