Descobri recentemente que a 13 de Novembro se celebra Dia Mundial da Bondade.

Alegrou-me a descoberta, mas fiquei intrigado com a minha ignorância e distracção, já que, feita uma pequena pesquisa, vim a saber que a bondade humana já se vem celebrando há 17 anos. Concluí depois – talvez por precipitação - que o simples facto de existir um dia dedicado à bondade indica que não somos bons.
Poucos dias após esta descoberta, os meios de comunicação fizeram-se eco de que cientistas haviam descoberto o «sítio», presumivelmente na zona média do córtex pré-frontal, onde se localiza a bondade no cérebro humano. A «elevação moral» seria o resultado da actividade deste «sítio». Mais se dizia: não só onde se localiza a bondade, mas também como funciona.
O que me chamou particularmente a atenção na investigação foi avançar-se com a ideia, com base nas neurociências, de que a bondade é «contagiosa»: seríamos impelidos a praticar o bem presenciando actos de bondade. Num dos textos jornalísticos a que tive acesso o neurocirurgião João Lobo Antunes comenta: «Sim, a bondade é contagiosa, o problema é haver tanta gente vacinada contra ela». Mas o jornal, mesmo assim, não abandonou o optimismo e, fiquei sem saber se a sério ou se com alguma ironia, escreve em título: «Há esperança para a Humanidade».
A notícia do carácter contagioso da bondade trouxe-me à lembrança a conhecida fórmula da filosofia escolástica, tão rica como complexa: «Bonum diffusivum sui». Traduzindo: o bem é de si, por si, difusivo. Segundo este pensamento, pertence à natureza do bem comunicar-se.
Foi em 1998, em Tóquio, que se realizou a primeira conferência do Movimento Mundial da Bondade (World Kindness Movement) com o objectivo de fomentar a criação de um mundo mais bondoso e de compaixão. O resultado foi a criação de um dia para reavivar no mundo o sentido da bondade entre as pessoas na esperança de que pudessem ser criadas as raízes para uma vivência da bondade durante todo o ano. Com a adesão de vários países ao movimento (Japão, Canadá, Austrália, Nigéria e Estados Árabes Unidos) este dia, que eu saiba, não tem tido grande acolhimento em Portugal nem na Europa. E vem-me à memória o dilema dos tempos da emergência da filosofia grega: ou somos bons ou não somos bons; se já somos bons, devemos celebrar a bondade; se não somos bons devemos celebrá-la para que passemos a ser. De qualquer modo, devemos celebrar a bondade.
A bondade, como a beleza e a verdade, é um conceito analógico, os três susceptíveis de se aplicarem, analogicamente, a situações e realidades diversas, coisas e seres humanos. E facilmente encontraremos palavras ou expressões de uso vulgar que, denotativa ou de modo conotativo, aí estão a evidenciar o facto. Além do bom-dia com que nos saudamos durante a manhã; o bom-moço, o bom-serás ou o bom-copo, a qualificar indivíduos; o bom-tom do comportamento admitido socialmente como correcto; ou até o bom-bocado do espaço de tempo passado em convívio com amigos, para não falarmos do chamado bom-nome a que todos temos direito.
Se, quando falamos de coisas ou eventos, pensamos em algo muito bem feito ou de grande utilidade seja em que domínio for, quando a aplicamos às pessoas, ela é bem mais difícil de caracterizar, ou mesmo impossível definir. Estou, porém, em crer que, salvo casos de absoluto embotamento da consciência ou situações de debilidade mental, todos nós, no pleno uso da razão recta, temos a intuição da sua essência, enquanto realidade moral, elevação de espirito, beleza de carácter ou autenticidade da humana existência. Dela nos apercebemos pelos sinais exteriores dos actos das almas nobres e generosas tão sensíveis aos males alheios como naturalmente inclinadas a fazer o bem. É a metáfora da árvore em todo o seu esplendor: pelo fruto se conhece a árvore.
É esta bondade que se comunica ou que é de si difusiva. A pessoa boa expande a sua bondade. Primeiro por difusão íntima: os actos bons tornam ainda melhores as pessoas boas. Mas a pessoa boa contagia os outros pela sua bondade: de modo espontâneo a bondade tenderá a expandir-se naqueles que experimentam a bondade dos outros. Analogicamente, é a bondade difusiva de Deus na criação, a espelhar-se, difusivamente também, na bondade das suas criaturas.
Estando todos chamados a ser bons, ao menos neste 13 de Novembro – hoje é dia de ser bom – celebremos a bondade com a realização de algum bem que, não sendo imposto por um dever concreto, abre à nossa liberdade um campo inumerável de criatividade e, por isso, de possibilidades. Bonum difusivum sui. Se não sabemos o que fazer de bom neste dia, talvez seja devido à insignificância da nossa bondade. Ou então estaremos vacinados contra ela.
2015.11.05