Trata-se do título de um filme, um clássico arrebatador, de 1955, assinado poe Elia Kazan, protagonizado numa inesquecível interpretação, por um jovem Marlon Brando.


Não vou falar aos meus leitores deste filme de tese, que fez avançar as lutas operárias e desabrochar os Sindicatos para um papel de grande relevo social.
O título emprestado pelo cinema a esta modesta crónica visa abordar a tristeza deste País, movido a crises, feitas de interesses particulares, de falta de sentido de Estado, de inverdades, esquecimentos e mentiras puras e duras. “Há lodo no cais” significa, neste artigo, que o ambiente que se vive no Portugal político de 2023 é malsão e está insalubre, para não dizer a palavra dura, mas feia, que primeiro me ocorreu.
Para evitar entrar nas diatribes que não dignificam quem escreve, também não vou recordar os “casos e casinhos” que, em sucessão alucinante, nos encheram de mágoa e de vergonha e deixaram marcas funestas no Governo e no PS.
Também por isso vou omitir alusões abundantes aos casos mais recentes – o do atual Ministro dos Negócios Estrangeiros, Gomes Cravinho que, enquanto Ministro da Defesa, e apesar de informado, deixou derrapar as despesas estimadas para a recuperação do Hospital Militar do Restelo, ou do Ministro das Finanças, Fernando Medina que, na qualidade de anterior Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, contratou um ex-autarca socialista, Joaquim Morão, para fiscalizar as obras da C.M. de Lisboa, permitindo que o seu colaborador Manuel Salgado contratasse em seguida a empresa de Morão. Foi lançada a suspeita que, a confirmar-se teria a maior gravidade – e na qual não quero acreditar – que tais expedientes teriam representado uma forma de financiamento do PS. E o caso da subsecretária de Estado “relâmpago” Alexandra Reis e a indemnização recebida da TAP por despedimento, recebida de mansinho e pela sombra a ver se passava na sua incómoda exorbitância. O que me preocupa, na sucessão dos exemplos, é outra coisa. É a escandalosa indigência e o desplante da massa crítica que nos governa. Exibe-se um “estar-se nas tintas” (perdoe-se-me o plebeísmo) alucinante, um desrespeito completamente atroz para com o voto do povo que foi às urnas e o depôs com o evidentíssimo propósito de pretender estabilidade e na convicção – talvez ingénua – de que esse propósito seria respeitado e adequadamente ilustrado.
Ora, tomando o “cais”, acima invocado em título, como metáfora desse querer, significando precisamente “o porto seguro” aonde se chega e também donde se parte para caminhos empenhados e frutuosos, e traduzindo-a, na realidade, pela concessão duma maioria absoluta ao partido no Governo, parecia termos nela a promessa de se haver chegado a um tempo de realização profícua do que então se designou como “Programa de Recuperação e Resiliência”. Tal feito foi uma surpresa? Foi. Foi uma sorte para quem dele beneficiou? Foi. Mas foi indubitavelmente uma oportunidade de ouro para se realizarem, de vez e de raiz, as reformas de que o país precisa, de acertar o passo, em eficácia e dignidade, com uma Europa que nos acolhia e promovia, de conduzir uma governação coesa, honesta e genuinamente devotada ao levantar dessa “recuperação” e ao construir essa “resiliência”. E o que vemos? Que a maré da maioria absoluta vazou. Que o fluxo das competências requeridas recuou – ou nem sequer chegou a subir – até ao fundo mais fundo, e que “há lodo no cais”. Ou, se quisermos, e nas palavras de António Guterres, que desaguámos e patinhamos “no pântano”, precisamente aonde ele nos não queria deixar, nos idos da primeira década deste século. Parece que, para a cura de certas maleitas, há banhos de lama muito eficazes, mas este, meus senhores, não cura: só suja e fede!
Não posso, chegado aqui, deixar de referir o descalabro que foi o tempo de gestão da pasta das Infraestruturas e Habitação. Um Ministro apessoado e pró-eminente, afirmativo e tonitruante, ícone da ala mais à esquerda do PS e, afinal, ao que parece, um desmemoriado que esquece atos administrativos da maior relevância e que, depois de graves deslizes como o anúncio, por sua conta exclusiva, de uma decisão que determinava a localização definitiva do tão enjeitadinho aeroporto de Lisboa, passando, sem uma palavra, por cima do Primeiro-Ministro, Governo e Conselho de Ministros, mas que, pasme-se!, não foi demitido nem sequer “condignamente” admoestado…) parte deixando atrás de si apenas o vácuo de tudo o que não fez ou resolveu: a ferrovia, a TAP, o sobredito aeroporto , a caótica política da habitação, e um etc. de outras medidas essenciais. Em compensação, deixa um rol de ameaças, fanfarronices e provocações, de queixas e queixumes, visando a sua pessoa, o seu ministério e o ambiente envolvente. E sobretudo ilustrou da pior maneira aquela que vem sendo a política deste Governo, do Primeiro ao último Ministro: a Mentira como primeiro passo sem qualquer dissensão ou questionamento. Nunca há um assumir digno e imediato das responsabilidades, nunca há deslizes, falhas ou faltas. Em compensação, há, quase sempre, uma generalizada amnésia sobre todos os procedimentos e atos interrogados que lança uma névoa protetora por sobre os agentes do Governo, vestindo-os da alvura dos santos e dos inocentes… E isto, meus senhores, não se admite nem se desculpa! Não estamos nem em tempo, nem em lugar de ceder um milímetro a este maremoto de incompetência, de ignorância, de desplante, de solipsismo, de inconsciência, de vaidade e ambição. Tivemos uma Peste aguda que ainda por aí anda em versão mais branda, temos uma Guerra nas fronteiras da “nossa” Europa que nos obriga a restrições e empenhos a sobrecarregar os nossos recursos por um tempo cuja duração ignoramos e no temor sempre presente de que possa descambar e envolver o mundo inteiro pela terceira vez com consequências apocalíticas. Temos, dentro de portas, uma crise sócio-profissional virulenta, em diversos setores e níveis, a exigir cuidado, ponderação e imaginação e temos os senhores ministros envolvidos na rede de casos e casinhos que revelam uma imaturidade e um desconhecimento profundo da matéria, da moral e da ética dos seus respetivos múnus. A ponto de nos perguntarmos, com Sérgio Sousa Pinto “Donde é que veio esta gente?”.
O que fazer então, chegados ao pontão deste cais tão fustigado? Nós, o povo, pouco podemos fazer de imediato, porque a nossa única arma lícita é o voto. Mas podemos informar-nos, conhecer os fios das meadas e, naquelas que nos envolvam pessoalmente, lutarmos para que elas se não enleiem e tudo se ordene e resolva com lisura, clareza e boa-vontade. Temos felizmente uma imprensa plural e livre, somos nas nossas diversas idades, utilizadores dos serviços públicos, sejam eles administrativos, de justiça, saúde ou educação. Sejamos exigentes, saibamos escolher e rejeitar o que seja duvidoso ou ínvio, empenhemo-nos nas nossas terras, cidades ou aldeias, na gestão pública dos nossos respetivos espaços, sejamos responsáveis, comedidos mas firmes. Sejamos “alguém que resiste, alguém que diz NÃO!”.

Lisboa, 26 de janeiro de 2023