A irrupção, a “fenomenal” ascensão, e a esmagadora adesão ao nazismo são uma insurreição religiosa – e não só germânica, há que lembrá-lo – contra o laicismo e a estupidez franceses. Foi uma heresia religiosa. E pelo seu carácter herético é que foi o que foi e deu no que deu, perdoe-se a tautologia. Deus não dorme… A própria França, sabemo-lo, estava inçada de nazis…


Günter Grass surgia como a consciência da Alemanha, disse-se. Deveras?! Que indicações podia obter em Almancil?
O lugar que me foi destinado foi o 29. O pequeno quadrado de cartão com tal nº escrito a negro, que a Exª Senhora D. Carmen Karsch me propiciou, guardo-o reverentemente na minha carteira. Memórias são amor.
Do lugar em que me situava, um assento central na 4ª ou 5ª fila, podia observar de muito perto, perfeitamente, portanto, o rosto do escritor.
À minha hiperestesia soava com eloquência: este homem não diz a verdade toda. As indicações dos olhos eram corroboradas pela denúncia do défice de afirmação que o seu farfalhudo bigode escancarava.
Quando a Exª Senhora D. Carmen Karsch lhe explicou que eu fizera mais de dois mil quilómetros para vê-lo Grass exultou (tenho vários livros de sua autoria com dedicatória).
Anos após, numa área de serviços entre Estugarda e os Alpes da Suábia (Kircheim-unter-Teck ?), Der Spiegel, a revista, dava conta da grande mentira com uma fotografia do escritor na capa: Grass alistara-se nas Waffen SS aos 17 anos. E entramos no essencial.
Podem pedir-se responsabilidades à ignorância? Que é a responsabilidade histórica? Que limites para a acção? A elevação espiritual casa na perfeição com a ingenuidade? Qual a preparação dos políticos? Que créditos merecem os “criticos literários”? E os “fautores de opinião”? E a megalomania? Qual de nós tem profundidade para apreender cabalmente a realidade? Ocioso dizer que Hitler e o Nazismo são uma inenarrável monstruosidade (Estaline, o comunismo e os gulags estão ao mesmo nível – não esquecer). “A ingenuidade é o humilde parasita da ignorância”, disse Ortega Y Gasset.
A conclusão de tudo isto é fácil: se o Transcendente se mistura com o Imanente está tudo perdido. Por outras palavras: fora do Espiritual nenhuma salvação é possível. “Não matarás”.
Recorde-se que o sinistro Saramago (lembram-se dos saneamentos no DN?) defendeu vigorosamente Grass, de quem era amigo, remetendo para os 17 anos do autor nascido em Dantzig. (Grass tinha casa no Algarve e considerava Portugal um país maravilhoso).
Ora, esta ignorância sobre a História e a idiossincrasia alemãs continua tão revoltante que, a esse respeito, ler o General, o “professor” coimbrão, ou o “perito” em Relações Internacionais, é insuportável. Aqui, ou na Alemanha, os alemães que conheço são, em muitos casos, gente de espantosa categoria !! A História, todavia, não tem ductilidade… Como carecemos de saber e de sabedoria?!
Por fim: não haverá nenhum editor português que queira publicar em idioma luso, v. g., Von Bismarck zu Hitler (De Bismarque a Hitler), desse “espírito genial” (o qualificativo é da Der Spiegel) que é Sebastien Haffner ? – E é só um exemplo. Com a estrita observância pelo Decálogo não há crimes. Mas onde está, para a Sociedade, esse paradigma espiritual grandioso de que falava no meu último artigo?
Em suplemento: com todo o absoluto respeito pela sua memória houve algo que Grass nunca revelou: é que “atraímos para nós o que condenamos aos outros”. Infelizmente, pelos vistos, a Comissão Nobel também não o sabe.
Guarda - 14 - IV -2015