Cresci a olhar o infinito. O universo sempre me fascinou.

Na minha infância, em tempos que já lá vão, muitas horas passei a olhar o firmamento e a observar a luminosidade dos astros e dos seus movimentos na abóbada celeste. Em tempos de céu descoberto, eles lá estavam disponíveis com os seus encantos a darem sabor à minha curiosidade infantil. Muitas vezes, nas noites quentes de verão, alguns rasgavam o céu, em dança feita de maravilha e esplendor! Eram as estrelas cadentes que pareciam simular um bailado feito só para inocências infantis. Já então me parecia que as pessoas crescidas tinham perdido a capacidade de admirar o esplendor da natureza. Creio que muitas crianças de hoje, nascidas e crescidas em casas, ruas e praças iluminadas pela luz dos nossos engenhos tecnológicos e glórias efémeras, não chegam a saborear esta beleza natural, ainda que a escola lhes venha mais tarde a ensinar as leis do funcionamento do universo.
Cresci a olhar o infinito numa pequena aldeia sem luz, em noites escuras como breu, só quebrado pelo luar que, com frequência, parecia querer competir com o sol. Assim descobri que, por vezes, a lua se apresentava com uma coroa de luz. Novo elemento de beleza, mas também de estranheza por vir quebrar a regularidade com que habitualmente se apresentava no palco do espectáculo nocturno. O mesmo se passava, por vezes, com o sol.
A escola ensinou-me que estes círculos luminosos, que por vezes envolvem a Lua e o Sol, são chamados halos e são causados pela refracção da luz em cristais minúsculos de gelo em suspensão na atmosfera.
A palavra «halo» tem actualmente uso em diversos ramos do saber, astronomia, química, anatomia, cinema e fotografia, mas sem perder a virtualidade significativa que lhe vem da ideia de círculo de luz.
Como acontece com muitas outras palavras, «halo» veio a ganhar significação espiritual e encontramo-la hoje a significar o disco luminoso que circunda as cabeças ou os corpos de figuras sagradas, a evidenciar a glória que emana da sua santidade. A imagem da Senhora da Assunção existente no retábulo da Catedral da Guarda, lá está em todo o seu esplendor, particularmente agora após acção de limpeza recentemente realizada.
Mas o campo semântico foi alargado e, figurativamente embora, «halo» passou a significar o brilho que emana de alguém em razão do seu prestígio, da sua reputação ou da sua fama. O halo é então «halo de glória»: política, artística, desportiva… humana.
Tornado fenómeno social, imiscui-se na nossa vida, nas nossas expectativas, nos nossos comportamentos e na apreensão com que percepcionamos os outros. De realidade física inicial, o halo adquire um enorme potencial psicológico, tal como a luz, de onde emana, que, de realidade física, adquiriu um enorme potencial metafórico. E aí está o efeito de halo, descoberto já há quase cem anos por Edward Thorndike, nos primórdios da psicologia científica. Comecei a descobri-lo nos tempos académicos e familiarizei-me mais com ele na minha vida profissional.
Segundo o efeito de halo, tendemos a construir uma imagem de conjunto a partir do deslumbramento de um dos aspectos que funciona como auréola que deixa na penumbra elementos negativos de uma pessoa, ou do seu desempenho.
O efeito de halo faz-se sentir em todos os âmbitos da vida humana. Desde as empresas, até ao âmbito do círculo de amigos, passando pela avaliação dos alunos numa escola. Um bom primeiro teste pode transformar-se, se não se está atento, em halo permanente para esse aluno, e isto para não falarmos do bom aspecto com que um aluno se apresenta que se poderá transformar num factor de avaliação positiva no domínio especificamente escolar. A inversa também se pode verificar: uma opinião desfavorável relativamente a um aspecto do comportamento, tende a generalizar-se a todos os outros. Estamos então perante o efeito de horn. Quer o efeito de halo quer o efeito de horn pode conseguir bloquear a visão que construímos da realidade. Se não estamos atentos, facilmente podemos cair em maniqueísmos fáceis, construindo anjos (com halo) e demónios (com chifre), sejam as esquerdas e direitas na política, sejam os bestiais e as bestas no futebol.
O efeito de halo poderá tornar-se ainda mais pernicioso quando o halo da fama, que se levanta em redor de alguém, vai alimentando o seu excesso de confiança. Então sobrestimamos as nossas capacidades e conhecimentos. O deslumbramento emanado do halo da glória deixa na sombra as limitações próprias e as virtualidades dos outros. A surpresa poderá aparecer ao virar da esquina: afinal, as nossas capacidades não eram tantas e os outros não eram tão incapazes!
Já não moro na minha saudosa aldeia para olhar o infinito contemplando as estrelas, cadentes ou não, nem o halo da lua. Vivo, porém, rodeado de outros sóis que agora me vão desvendando a infinidade das limitações humanas. Também o halo da glória terrena resulta da refracção dos nossos actos em cristais de gelo que tanto aparecem como desaparecem no ar que respiramos.
Escrevo ainda com o desapontamento sofrido com dois empates da nossa selecção de futebol no campeonato europeu. Não sei se não andará por lá o efeito de halo a fazer das suas na equipa, inidividual e colectivamente. Mesmo no futebol, importa um pouco de humildade para que o deslumbramento do halo do sol da glória não impeça de todo a visão da realidade objectiva.
19 de Junho de 2016