OS LIVROS NO CAMINHO

 

A Canção de Rolando é a mais antiga das canções de gesta medieval escrita numa língua românica. Este poema épico foi composto em língua francesa da época e teve grande repercussão e influência na literatura do género da Idade Média europeia e nas récitas feitas pelos jograis tanto nas cortes como nas urbes.
Analisando a ideologia do texto e a língua, pensa-se que tenha sido escrito entre o final do século XI e meados do século XII, baseado na ideia de cruzada contra os pagãos, que já imperava na Europa cristã. Admite-se, no entanto, que o manuscrito de Rolando tenha origem em versões anteriores.
O texto narra a história do conde Rolando, sobrinho do imperador francês Carlos Magno, que teve um fim heroico, junto dos seus soldados, numa batalha travada contra os muçulmanos.
Rolando foi um herói lendário da épica francesa cuja história se baseou em factos reais. Carlos Magno (n. 742 – m. 814), o primeiro Imperador do Sacro Império Romano, tio de Rolando, invadiu a Espanha em 778, apoderou-se de Pamplona, mas foi derrotado em Saragoça e teve de retirar-se para o seu reino. Durante a retirada, através dos desfiladeiros dos Pirenéus, uma parte do exército foi atacada e destruída. O local deste episódio é tradicionalmente identificado como Roncesvales, situado no caminho entre Pamplona e St. Jean Pied de Port. É de crer, também, que outras ocorrências militares na região tenham contribuído para reforçar a tradição do revés da retaguarda do exército de Carlos Magno.
A escolha de Rolando para protagonizar este episódio parece indicar a margem da Bretanha francesa como foco desta lenda. O próprio Carlos Magno aparece no poema como a figura do velho monarca de epopeia e não como o jovem que na altura era. Existem provas de uma tradição contínua da gesta, a partir do acontecimento original, e como Roncesvales está no Caminho para Santiago de Compostela, muito utilizado na época, crê-se que os peregrinos terão ajudado a espalhar a lenda.
As mais antigas formas existentes desta lenda são os capítulos XI a XXX da crónica latina conhecida como Pseudo-Turpin (supostamente elaborada pelo arcebispo de Reims), o poema em latim Carmen de proditione Guenonis e a Canção de Rolando, um poema da gesta francesa com cerca de 4 000 versos e cujo mais antigo manuscrito se encontra na Biblioteca Bodleiana, de Oxford. Este manuscrito foi feito por um escriba anglo-normando em finais do século XII, sendo, contudo, considerado uma má cópia de um texto de trovadores franceses do meio do século XI.
Como livro A Canção de Rolando foi editado, pela primeira vez, em 1837. Os especialistas em literatura consideram-no o mais alto monumento do expoente da épica francesa. Foi o troveiro da Canção de Rolando que revestiu as personagens de tom épico, que inventou a amizade entre Rolando e Oliveiros e os motivos da traição de Ganelão, entre outros pormenores.
Além da importância ideológica da religião, o texto demonstra o impacto da formação de base clerical, através da influência da Bíblia sobre o autor. Por outro lado, encontra-se repleto de referências à Antiguidade Clássica, como Virgílio e Homero. No poema é notório o padrão de beleza medieval, representado não só pelo porte atlético dos guerreiros mas também pela cor dos olhos que podem identificar os heróis mas também os traidores.
O poema alcançou enorme popularidade na europa medieval pois tinha como motivo a exaltação da honra e ideais dos cavaleiros medievais, tendo influenciado vários artistas como Mateo Boyardo, em Orlando Enamorado (1483), Ludovico Ariosto, em Orlando Furioso (1516) e Jean-Baptiste Lully, na sua ópera Orlando (1685). Servia também para moralizar os exércitos antes das batalhas.
Portugal não foi exceção à sua influência. No nosso país, a história foi popularizada pela literatura de cordel. De tal modo que, no Livro de Linhagens, podemos ler “muitos ricos homens que iam para lhe acorrerem disseram a el-rei dom Fernando que nunca viram cavaleiros nem ouviram falar que tão sofredores fossem, e fizeram-nos em par dos doze pares”. Também no Cancioneiro da Vaticana existe um poema inspirado em Rolando:

Nem foi melhor cavaleiro
O arcebispo Dom Turpin
Nem o cortês Oliveiros
Nem o Rolando paladino

Mais exemplos se podem dar em obras editadas em Portugal: Reginaldo, Roldão, Dom Garfeiros, Dona Alda, entre outros.
O autor do poema nunca foi identificado embora se considere que o último verso da obra pode indicar que Turoldo - de quem nada mais se sabe – pudesse ser o autor, mas há que defenda ser, antes, o jogral ou o copista do poema. Deste modo, o poema teria sido transmitido oralmente e escrito, mais tarde, por algum trovador da época medieval.

Extrato do poema
“Cavaleiros Francos”, disse o imperador Carlos, “escolhei um barão de meu marquesado para levar ao rei Marsílio minha mensagem.” Rolando diz: “Será Ganelão, meu padrasto. “Os Franceses dizem: “Perfeitamente, ele pode muito bem fazer isso. Se não o aceitardes, não enviareis outro mais sábio.” O conde Ganelão ficou tomado de angústia; sacode dos ombros as grandes peles de marta e fica com a túnica de seda. Ele tem os olhos cambiantes e o rosto altivo; tem o corpo bem feito e o peito largo. É tão belo que todos os seus pares o admiram. Diz a Rolando: “Louco, que fúria te toma? Sabe -se muito bem que sou teu padrasto e me designas para ir a Marsílio! Se Deus me permitir voltar, eu te causarei um mal tão grande que durará toda a tua vida.” Rolando responde: “As palavras que ouço são pretensiosas e loucas. Sabe-se muito bem que não tenho medo de ameaças. Mas para esta embaixada é preciso um homem sábio. Se o rei consentir, estou pronto a ir em vosso lugar.”