Há tempos uma repórter fazia-nos assistir, pela televisão, à chegada de uma equipa de futebol a um estádio onde iria realizar-se uma competição internacional.

Num espaço de um minuto, se tanto, e em prosa de fazer enjoar um santo e com respiração ofegante de tanto entusiasmo mediático, sai-se com isto: «… a fazer as delícias, digamos assim, dos adeptos»; «… alguns elementos, digamos assim, da estrutura do clube de…»; «… para não desencantar, digamos assim, as expectativas dos adeptos.». Assim foi dito e assim eu anotei.
Nos meus tempos de jovem estudante, tive um professor de História que utilizava frequentemente a interrogativa não é verdade? enquanto deambulava pelos espaços livres entre carteiras e entre estas e a sua secretária. Para nós, adolescentes, a situação não passava despercebida e tornara-se até um tanto caricata a ponto de irmos correspondendo, nos intervalos das aulas, com jocosos comentários.
Conluiado com alguns colegas, um aluno da turma resolveu um dia proceder à contagem, fazendo um pequeno traço numa folha de um caderno de cada vez que a famosa expressão não é verdade? ia adornando o discurso didáctico. O professor, sagaz, apercebeu-se da situação e, em determinada altura, enquanto expunha a matéria, olhando embora para o infinito, foi-se aproximando do matemático de ocasião. Ali chegado, pronunciando com um sorriso, mas com assinalável realce, a famosa interrogativa, diz-lhe:
- Ora anota aí mais uma vez. Diz-me lá em quantas vezes é que vai a conta?
O brincalhão embatucou, corando, e a turma, de riso travado nos rostos, ficou à espera do que poderia acontecer. O professor, compreensivo, sempre com um sorriso nos lábios, disse mais ou menos isto:
- Eu sei que utilizo frequentemente a expressão, julgando que a formal interrogativa poderia ajudar a alimentar a vossa atenção. Vejo que ela desvia o vosso espírito do essencial da aula. Estou aqui ao vosso serviço. Vou tentar mudar, pois vejo que tal importa para a vossa aprendizagem.
Se antes admirámos a sagacidade do professor, agora passámos a admirar também a sua humildade e o seu sentido pedagógico. A partir de então, a habitual interrogativa começou a rarear e, quando acontecia, era o professor o primeiro a brincar com a situação. Mais: até ia perguntando à turma se se notavam progressos.
Não ficou por aqui aquele professor de História. Um dia, em que lhe saíra a famosa interrogativa que tanto se esforçava por não utilizar, aproveitou a situação para uma lição de vida e foi-nos dizendo:
- Haverá que dar novo rumo aos nossos comportamentos e alterar os hábitos quando não são eficazes, particularmente quando são de incómodo ou mau estar para os outros. Estais a crescer, lembrai-vos disto agora, e lembrai-vos, sobretudo, mais tarde quando estiverdes lançados na vida.
Eu recordo a situação com alguma frequência e ela serve-me hoje de inspiração, digamos assim, como diria um qualquer repórter televisivo ou radiofónico.
Creio que todos vamos utilizando bordões linguísticos. Eu não escaparei à regra. Mas há quem exagere deles até matar a língua de cansada, por assim dizer, que é outra forma mediática do talvez mais usual digamos assim da nossa praça mediática.
Haverá algum dia que não ouçamos, aqui e ali, a palavra «pronto»? E pronto, parece que estará tudo dito, mas continuamos a ouvir o pronto até à exaustão, até os ouvidos doerem de cansados, digamos assim, que me parece o bordão jornalístico de excelência.
Não será necessário gastar muito tempo com um qualquer noticiário televisivo para nos apercebermos facilmente da quantidade de bordões contidos nas reportagens mediáticas, particularmente nos «directos». Muitas vezes, por assim dizer, os elementos informativos reduzem-se a um quase nada ou tão-somente ao que a imagem exibe, mais parecendo haver por objectivo preencher o tempo enquanto se vai espreitando a concorrência. O exemplo apontado será bem paradigmático, digamos assim, destas situações.
Dou, às vezes, a pensar comigo que nós, portugueses, não possuímos grande desenvoltura na oralidade. Não sei se tal nos vem de uma entranhada deficiência escolar, que posteriormente se vai alicerçando no dia-a-dia social, se não haverá uma qualquer base genética que nos trava a fluidez do discurso falado, até mesmo do próprio pensamento.
Existem excepções. Ocasiões há em que a verborreia lusitana parece mobilizar todos os recursos estilísticos da pátria língua. Na vida política, por exemplo. Aí, muitas vezes, o palavreado berrado, e bem bordejado por chavões ideológicos e populistas de encanto e desencanto, mais parece esconder a vacuidade da mensagem ou a não verdade do conteúdo arrastado no discurso. Tal como nos confrontos domingueiros – ou de um outro dia qualquer - do futebolês nacional. Num domínio como no outro, digamos assim, não importa a verdade das coisas. Importa, antes, por assim dizer, meter golos na baliza do adversário, seja de que modo for, ainda que à custa do sacrifício dos mais elementares princípios do respeito pela dignidade pessoal e colectiva. É, digamos assim, a expressão máxima do relativismo fácil e individualismo caseiro que serpenteia na vida da chamada pós-modernidade em que nos encontramos.
E pronto. Para não ferir as susceptibilidades de uma e outra espécie, a crónica não ficará de todo mal-amanhada se terminar num por assim dizer final. Até para não cansar demasiado os leitores. Concordam, digamos assim, não é verdade?
Guarda, 6 de Abril de 2018