Gentes da Guarda

Vai já no segundo volume o título “De conto a romance”, de Carlos Galinho Pires, um jovem autor da Guarda. Tem as suas origens em Vale de Estrela. Engenheiro informático a trabalhar no Porto, praticante de BTT, escreve habitualmente tendo começado depois de fazer um curso de escrita criativa. Este segundo volume tem continuidade, em relação ao primeiro, nalguns contos em que há a saga tipo novela. O primeiro volume contém 10 contos sobre assuntos diversificados que vão desde a fantasia ficcionada do 1º, até à fantasia imaginada do último. Os temas tratados são atuais o que revela uma perspicácia do autor e de atenção ao mundo que o rodeia. Desde o problema do terrorismo (Califado), às viagens no tempo e a textos inspirados na ficção científica ao gosto dos tempos atuais. O segundo volume segue mais ou menos os mesmos moldes (também 10 contos) com o acrescento de algumas temáticas mais atuais ainda como, por exemplo, os perigos do stalking, no conto “Obcecada.” Além deste tema há ainda, retratado em “Neusa”, o mundo da ginástica de alto rendimento e seus bastidores. Afinal o título do livro deixa-nos na dúvida: conto ou romance? O próprio autor, no seu blogue (deconto- aromance.blogspot.com), escreve: “Contos? Romances? Algo entre ambos, mas acima de tudo uma nova forma de ler: histórias de ficção originais divididas em episódios.” Não quer, portanto, uma classificação à maneira clássica deixando aberta uma outra interpretação para as palavras definidoras. Estamos em presença de textos narrativos que fogem um pouco à nomenclatura literária habitual, mas que, sem dúvida, se aproximam mais da definição de conto. Segundo o Professor Joaquim Igreja, no prefácio do II volume, o Carlos escreve “textos em que cruza de modo surpreendente com o conhecimento científico e com a tradição literária, televisiva ou fílmica, seja ela texto religioso, ficção científica ou intriga policial.” De facto, a sua escrita é bastante criativa na linha das tendências televisivas especialmente das séries e alguns textos facilmente dariam sequências televisivas com algum sucesso. Há boas narrativas cheias de ação e interesse e acima de tudo de fácil leitura. Encantam de certeza alguns leitores que gostam das séries científicas. Outras há, porém, em que o autor terá de aperfeiçoar a técnica de sedução do leitor. E este, bem sabemos, é bem difícil de agarrar. Contudo o Carlos tem capacidade para chegar mais longe, se aperfeiçoar essas pequenas técnicas que um bom narrador deve ter. O público adolescente se gosta de histórias fáceis de ler, gosta também de boas ligações e concatenações discursivas. Assim, se o leitor gosta de ação, aconselhava a leitura de “O Vigilante”, “Neusa”, “A minha música” ou “Obcecada”; se, porém, gosta de ficção científica, leia a saga “Os escribas do destino”; se o seu interesse vai para o mundo da ciência, então comece por “Project Baby”. Há, como se vê, pela amostra leituras para todos os gostos. É um autor que sabe do que está a “falar” e, quando a narrativa não se encaixa na sua formação específica universitária, preocupa-se em pedir ajuda a pessoas que conhecem bem a área e isso é um benefício que fala a favor do mesmo. Ele próprio, nos agradecimentos iniciais, cita as fontes de que se serviu para algumas narrativas enquanto noutras vemos que os conhecimentos transmitidos foram estudados com atenção. No caso de dois textos – Neusa e Obcecada – há a referência expressa à ginasta Zoi Lima e à APAV com o objetivo de consciencializar o leitor para acontecimentos atuais que podem ser prejudiciais ao ser humano. Para apreciação do estilo e linguagem do autor, transcrevo o início do conto “Neusa” que sirva de aperitivo para futura leitura do livro:“O público aplaude e assobia fervorosamente. A actuação anterior fora sublime. Neusa, uma frágil adolescente de 15 anos, magra, baixinha, com o cabelo cuidadosamente apanhado num coque alto e com uma discreta maquilhagem na face, alonga e comprime os dedos do pé direito contra o chão. O seu parceiro, um musculado jovem de 24 anos, moreno, de cabelo curto e face cuidada, coloca a mão no ombro dela, na esperança de a acalmar, reconhecera o seu tique nervoso, que insiste em repetir sempre, antes de entrar em prova. A resposta consiste num sorriso exasperado e num fitar de olhos em jeito de agradecimento e respeito, que logo culmina num momento de concentração individual que a faz isolar-se do mundo por completo.” (Pires, Carlos Galinho,  De conto a romance, vol. II, Chiado 2020).