Viagens ao reino de Clio


D. Sebastião, o décimo sexto rei de Portugal, que sucedeu a D. João III, era filho do príncipe D. João e de D. Joana de Áustria e neto do seu antecessor, de quem herdou o trono com apenas três anos. Por esse motivo, a regência foi assegurada pela sua avó Catarina da Áustria e pelo Cardeal D. Henrique de Évora. Aos 14 anos assumiu a governação.
Nasceu em Lisboa no dia 20 de janeiro de 1554 e morreu em Alcácer Quibir, num dos maiores desastres da História de Portugal, no dia 4 de agosto de 1578, com 24 anos de idade.
O seu nascimento foi muito festejado no reino pois a coroa portuguesa corria o risco de ser ocupada por outro neto de D. João III, o príncipe D. Carlos, filho de Filipe II de Espanha.
Educado entre duas fações políticas existentes no reino português, a de sua avó Catarina da Áustria que pendia para a Espanha, e o do seu tio-avô o Cardeal D. Henrique de Évora favorável a uma orientação nacional, cedo revelou duas orientações: a guerra e um excessivo zelo religioso, este último por ter sido educado pelos Jesuítas. Interiorizou a crença de ser um escolhido por Deus para grandes feitos, pelo que adotou uma postura de temerário e exaltado, sempre disposto a seguir as suas determinações, de tal modo que se convenceu conseguir sujeitar a si todos os infiéis, incluindo o domínio da Palestina.
Por este motivo, nunca se interessou verdadeiramente pelo povo nem pelas instituições políticas portuguesas, como as Cortes, pensando apenas em constituir um exército forte para combater os mouros em África. Este facto implicou a contração de grandes empréstimos e a ruína do estado.
É assim que, em junho de 1578, à frente de um numeroso exército, constituído maioritariamente por aventureiros e miseráveis, D. Sebastião parte para África. O exército português, esfomeado e estafado, alcança Alcácer Quibir no dia 3 de agosto, entra em guerra e é completamente derrotado, figurando o rei português entre os mortos, o que fez nascer o mito do Sebastianismo.
Para além dele, morreu a nata da nobreza, o que originou a crise dinástica de 1580 e a perda da independência para a dinastia Filipina, de Espanha.
A sua obsessão pela guerra está explícita numa carta enviada a todos os nobres portugueses no dia 20 de Agosto de 1574: «Eu, el-rei, vos envio muito saudar. Cheguei a este reino do Algarve, e conformando-me com as ocasiões dos tempos e procedendo nos intentos, práticas e resoluções passadas sobre as matérias de África, assentei ir-me à cidade de Ceuta e dela à de Tânger, tanto que chegar gente com que me pareça que o devo fazer. Pelo que vos encomendo muito e vos mando que logo tanto que esta virdes, vos venhais a Tavira com todos os cavalos que puderdes ajuntar logo sem dilação, deixando ordem para virem após vós todos os mais com que puderdes servir.
E tanto por mais certo que na brevidade e em tudo mais, procedereis como de vós espero, Rei.» A carta provocou inquietação geral, numa fase de grande depressão económica. Não esqueçamos que, se os portugueses mal chegavam para suster o império do Oriente, como iriam ganhar um império em Marrocos?
Por outro lado, a visão do rei que existia em grande parte da sociedade portuguesa da altura está manifesta na carta enviada para Roma pelo monsenhor João André Caligari, dos serviços da Nunciatura Apostólica, a propósito do rei português: «Soube que o rei deu muitos sinais de furor e de loucura. Ao conde de Mira, seu fidalgo, deu uma lançada de má mente, bem que se procure encobrir que quis atirar a um porco. O patrão da ribeira, oficial velho e de grande cargo, está muito mal pelas muitas pauladas que lhe deu. No convés do seu galeão deu outras pauladas na cabeça de um pajem de D. Jorge Barochio, que morreu ao fim de três dias. Da proa do seu galeão deitou ao mar pratos de prata e fez outras coisas extravagantes. Deus nos ajude, que bem precisa este pobre reino.»   
A bizarra personalidade do rei era vista com bastante inquietação mesmo no interior da corte, pois era inflexível e desprezava abertamente os conselhos dos mestres e mesmo da regente, D. Catarina, sua avó. Era irrequieto, vaidoso, impulsivo e vivia momentos de exaltação heroica, o que provocava grande apreensão, sobretudo numa altura em que o reino passava por momentos difíceis e necessitava de uma governação forte.