Viagens ao reino de Clio


Como reconhecimento e homenagem à cidade do Porto e aos seus habitantes, pelo contributo dado durante as guerras liberais, D. Maria II determinou a colocação do título de “Invicta” no brasão da cidade. O respetivo decreto, datado de 14 de janeiro de 1837, afirma o seguinte: “Porquanto meu augusto Pai de saudosa memória, com o precioso Legado de seu Coração deixou satisfeita a dívida em que ambos estávamos a uma cidade que é o generoso berço desta monarquia e que havendo dado o nome a Portugal, tantas vezes o tem reabilitado à face do mundo e restituído à primitiva glória e esplendor da sua origem nada podendo acrescentar a essa prova de reconhecimento à mais ilustre das cidades portuguesas, a qual já pela admiração das gentes é justamente apelidada a “eterna”, determina a rainha para dar toda a perpetuidade àquele inapreciável documento da gratidão real o seguinte: As armas passarão a ser um escudo esquartelado tendo no 1º quartel as armas reais, no segundo as armas da cidade e assim os quartéis contrários: ao centro um escudete com um coração de ouro, Coroa Ducal e por timbre o Dragão Negro das antigas armas dos Reis de Portugal, com a tenção em letras de ouro sobre fita azul “Invicta” e em roda do escudo a insígnia e colar da Torre e Espada.”
Neste mesmo ano, a economia portuguesa passava por sérias dificuldades. A agricultura e a indústria estavam asfixiadas devido à concorrência de produtos estrangeiros, em especial dos provenientes de Inglaterra, sobretudo porque a lei não era clara no que respeitava às regras da comercialização. Por outro lado, uma crise de produção agrícola, em especial dos cereais, obrigava a uma importação maior de produtos e provocava uma alta dos preços. Por consequência, as dívidas externa e interna subiram tanto que, em dois anos de paz, se agravaram ao equivalente aos seis anos de guerra civil.
Assim, Passos Manuel propôs regular as operações comerciais para que o deficit do estado diminuísse: “Eu não examinarei neste momento se a nossa nascente, ou talvez agonizante, indústria necessita de protecção; não examinarei se esta consiste na mais livre concorrência e se a riqueza dos povos deriva do mais rápido movimento e giro do comércio. Mui graves questões são estas, que o corpo legislativo resolverá com aquela madureza que se deve esperar das suas deliberações. Mas o que eu vejo é que o comércio necessita de um código claro e simples que lhe declare quanto cada um dos artigos, que fazem objecto das transacções mercantis, deve pagar por entrada e por saída.”
Passo Manuel foi um dos mais importantes políticos portugueses do século XIX. Era frequente ter de defender o governo no Parlamento português. Os seus discursos demonstram a sua personalidade, como este, datado de 21 de janeiro de 1837: “Eu estou aqui para responder por todos os actos do governo: a glória das reformas não pertence aos ministros, é toda dos bons cidadãos que se dignaram assistir-nos com as suas luzes; é obra de todos os talentos nacionais que meditaram sobre tantos e tão variados projectos tendo só em vista o bem do seu país. Não pode partilhar da glória da administração quem não quis trabalhar; quem se esquivou; quem teve ou demasiada modéstia ou muito fraco patriotismo. (…)
Enquanto os meus inimigos escreviam contra mim, trabalhava eu sem cessar pela felicidade do País. Antigamente os reis eram soberanos. A soberania hoje está no povo. Os reis tinham antigamente os seus aduladores; o povo também os tem hoje. Enquanto o ministério noite e dia trabalhava pelo bem público, muitos tratavam de caluniar as nossas puras intenções. Enquanto o ministério empregava o seu tempo em ocorrer às grandes necessidades do País, os nossos inimigos não desanimavam na tarefa de indispor o povo contra nós. (…)
Como particularmente sou pobre, não posso pagar a escritores e como membro do Governo não havia de cometer o acto infame de gastar o dinheiro de uma nação empobrecida para com ele comprar periodiqueiros venais. Se os meus concidadãos me não fizerem justiça, eu quero ser julgado com severidade e espero que o Congresso Constituinte não seja indulgente com o ministro criminoso.”
Apesar da sua importância e papel, Passos Manuel demitiu-se do governo no dia 1 de junho de 1837, após ter perdido a votação do Parlamento onde, sob proposta do governo, era decidida a criação de subsecretários para auxiliarem os ministros.
No final desse ano, a sociedade portuguesa estava organizada segundo duas ideias políticas, no que ficou conhecido por cartismo e setembrismo. A primeira representava a burguesia, os grandes proprietários agrícolas, a nobreza com dinheiro e alguma aristocracia tradicional. A segunda era composta por industriais, artífices, operários, pequenos comerciantes e classe média em geral. Esta é uma corrente inovadora na sociedade portuguesa e quer romper com os arcaísmos estruturais de Portugal.