Viagens ao reino de Clio


O poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage foi preso em 1797. De acordo com o ofício policial “Constando-me que nesta corte e Reino giravam alguns papéis ímpios e sediciosos, mandei averiguar quem seriam os autores deles e encontrei que duma parte dos mesmos era o seu autor Manuel Maria Barbosa du Bocage, o qual vivia em casa de um cadete do regimento da primeira armada, André da Ponte, que é natural da ilha Terceira. Mandei proceder contra um e outro e à apreensão dos seus papéis, e não se achando o sobredito Manuel Maria, se encontrou somente o André da Ponte, que foi preso e apreendidos os papéis, entre os quais se achou um infame ímpio e sedicioso, que se intitula “Verdades Duras” e principia “Pavorosa ilusão da eternidade” e acaba por “Oprimir seus iguais com o ferro jugo”, como consta do auto do achado, que acompanha a carta que me deu o juiz do crime do bairro do Andaluz, a quem eu havia encarregado da diligência.”

Eis o poema apreendido:

“Pavorosa ilusão da Eternidade
Terror dos vivos, cárcere dos mortos;
d’almas vãs sonho vão chamando Inferno,
sistema da política opressora,
freio que a mão dos déspotas, dos bonzos,
forjou para boçal credulidade!

Dogma funesto, que o remorso arreigas
nos ternos corações, e paz lhe arrancas;
dogma funesto, detestável crença
que envenenas delícias inocentes,
tais como aquelas que no Céu se fingem!

Em 1801, o príncipe regente, D. João, comunicou ao governador interino da Baía, Brasil, o projeto de elaborar um catálogo geral da flora da colónia do Brasil: “ o Príncipe Regente Nosso Senhor, havendo tomado na sua Real consideração a importância do aumento do Real Jardim Botânico, cuja inspecção tem confiado ao Presidente do Real Erário, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda; e querendo também para o adiantamento da Botânica, que se publique uma Flora complementar e geral do Brasil e de todos os vastos Domínios de Sua Alteza Real: é o mesmo Senhor servido para estes fins ordenar a V. Exª que, usando de algum herborista ou jardinista perito, proceda a formar uma coleção de sementes de todas as plantas que vegetam nessa Capitania, as quais V. Exª irá remetendo por todas as vias que se lhe oferecerem, sucessivamente, conservadas em papel dentro de areia, advertindo que cada papel deve trazer o respectivo nome que às plantas se dá no país, excepto quando ele não constar e nesta generalidade hão-de ser compreendidas não só as sementes de plantas que se extraírem das terras cultivadas mas também as dos bosques e das partes totalmente incultas. O que participo a V. Exª para assim o executar, dando mensal e anualmente conta do resultado desta diligência. Estas sementes de plantas secas deverão ser dirigidas ao Director do Jardim Botânico da Ajuda com o seu catálogo e uma duplicata do Catálogo será dirigida sempre pelo Presidente do Real Erário para ser presente a Sua Alteza Real.”
Em 1895, o general Andoche Junot foi nomeado embaixador francês em Lisboa. A sua esposa, Laura Permont, é uma observadora atenta da realidade portuguesa: “ A princesa do Brasil recebe-me na quarta-feira. Mas tenho de levar saia de balão. Saia de balão no século XIX, Santo Deus!
Recorri a todos os meios para evitar essa exigência idiota. Tudo inútil. É mais fácil o Príncipe Regente renunciar à coroa de Portugal que dispensar-me a saia de balão.
No dia marcado, vesti um vestido de moiré branco bordado a ouro, enfiei a imensa saia armada sobre arcos de arame e aí vou eu, toda emplumada como um cavalo de cortesias, para me meter no coche dourado que me esperava.
Mas aí as coisas se complicaram. Confesso que nunca tinha visto ninguém, com saia de balão, entrar num coche. E havia também as plumas. Nem a saia cabia na porta, nem as plumas cabiam no coche.
Parei diante da carruagem, a fingir que estava só a ganhar tempo. Junto de mim estava meu marido, que é um ignorante em saias de balão, e M. de Rayneval, que não me parece muito entendido em vestuário feminino. Que fazer?
A multidão ia-se adensando, e eu sentia-me com vontade de chorar. Meu marido, decidido como sempre, disse-me:
- Que Diabo! Todas as portas são iguais. Se as outras passam, tu também hás-de passar!
E empurrava-me, mas por mais força que fizesse, o maldito balão não cabia na porta.
Foi nesse momento que chegou Monsieur de Cherval. É velho e sabe destes truques todos. Quando viu a minha aflição desatou a rir;
- Cada arco da saia tem uma dobradiça com mola. Carregue, e os arcos dobram em dois.
- E as plumas do chapéu?
- O chapéu tira-se. Quando lá chegar volto a pô-lo.
E assim foi.
Ao chegar a Queluz, recebeu-me a condessa de Moscoso, que me ofereceu os seus aposentos para descansar, enquanto esperava.
Depois chegou um pajem que me disse em português que a princesa me esperava.
(…)
A sessão foi excecionalmente demorada: passou de meia hora, quando o costume são dez minutos. Por fim, fez um gesto de despedida amigável. Meia dúzia de mulheres com saias de vermelho estridente, arrastando grandes caudas de cinzento-azulado bordado a ouro, acompanharam-me até à porta. Tinham estranhos toucados também azuis, com flores vermelhas. Faziam pensar nas catatuas da América.
Eu saí, e elas voltaram a ir sentar-se no chão, à volta da princesa.”