Viagens ao reino de Clio


No dia 10 de setembro de 1756, D. José publica o alvará que cria a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. No alvará é estabelecido o monopólio da venda do vinho do Porto, por essa companhia, até uma distância de três léguas. Como tal, os produtores privados não podem vender o vinho pelo preço que quiserem, sendo obrigados a entregá-lo à companhia para comercialização segundo preços predefinidos.
Outro princípio seria o de proteger a qualidade do vinho com a delimitação de uma zona demarcada: “Devendo-se separar, inteira e absolutamente para o embarque da América e Reinos Estrangeiros, os vinhos das Costas do Alto Douro e do seu território, de todos os outros vinhos, dos lugares que somente os produzem, capazes de se beber na terra, para que desta sorte a inferioridade destes vinhos não arruíne a reputação que aqueles merecem pela sua bondade natural: é Sua Majestade servido que, com a maior brevidade, se faça um Mapa e Tombo Geral, das duas Costas Setentrional e Meridional do rio Douro, no qual se demarque todo aquele território que produz os verdadeiros vinhos de carregação, que são capazes de sair pela barra do mesmo rio.”
Para evitar falsificações ninguém está autorizado a vender mais do que se registou, o que inclui pequenas e grandes fazendas, a sua área, os limites e a produção.
Para selo da Companhia é escolhida a imagem de Santa Marta, protetora das terras do Douro, debaixo da qual se coloca uma parreira e a divisa “Providencia Regitur”. As vasilhas são marcadas, a fogo, com a sua qualidade e preço. Fica também proibida a venda de vinhos de fora da região e quem for apanhado a prevaricar as normas poderá ser açoitado e mesmo degredado para o reino de Angola.
Contudo, a criação da Companhia teve forte contestação popular. Em 1757, estala uma revolta. Os taberneiros querem vender livremente o vinho contra as regras estabelecidas por D. José. O povo assalta a casa do provedor da Companhia e destrói todo o recheio da casa. A tropa foi chamada a intervir para acabar com o motim.
Como o Secretário de Estado, o Marquês de Pombal, quer que o castigo sirva de exemplo, exige que a revolta seja tratada como “crime de lesa-majestade de 1ª cabeça” o que significa a punição com a pena de morte. Assim, os amotinados, vinte e um homens e cinco mulheres, são condenados à pena de morte.
Em 1761, o Marquês de Pombal e Conde de Oeiras acompanha com grande rigor a demarcação da zona do Vinho do Porto. Eis como respondeu à reclamação do proprietário da Quinta de Roriz, Diogo Archibould, por o seu vinho não ser considerado de primeira classe: “Somente se ofereceu ao dito respeito a dúvida que causou a queixa que fez Diogo Archibould, de que à sua Quinta de Roriz, lotada em oitenta pipas de vinho estando contígua ao lado meridional do Douro se não pusessem a classe de dezanove mil e duzentos réis por pipa, como outros vinhos dos sítios de Távora e Cazais que se puseram nesta classe. Por alguma memória local, que tenho do sítio da referida Quinta de Roriz, posso presumir que uma grande parte da sua vinha seja nos altos vizinhos à Ervedosa; e que disto resultasse a diferença que deixo referida. E sendo a maior parte do vinho da dita quinta verde, por aquela razão ficará inatendível o requerimento do dito Archibould. Se porém na Costa imediata ao Douro, tem a referida quinta porção de vinho tão bom, como os de quatro moedas; nesse caso lhe podem V. M. taxar esta porção de terra reduzida a certo número de pipas, para vinho de dezanove mil e duzentos réis; e conservar no preço de quinze mil réis o restante; se disso for capaz, isto é, nos termos em que o vinho dos altos da mesma quinta, sendo separado do que ela produz nos sítios baixos, não fique de sorte verde e inferior, que não valha, nem ainda o preço em que está taxado.”
Em 1765 manda a Secretaria de Estado arrancar todas as vinhas nas margens e campinas dos rios Tejo, Vouga e Mondego para proteger o Vinho do Porto. Deste modo, muitas regiões vitivinícolas do país são sacrificadas em nome da ideia de que apenas a exportação do vinho do Porto seria rentável para Portugal. A decisão, que se veio a revelar errada, desencadeou grande oposição e polémica por exigir a cessação da produção do vinho português de qualidade produzido fora da região do Douro.