Viagens ao reino de Clio


Manuel Fernandes Tomás é o verdadeiro líder das Cortes, onde sobressai entre os deputados, tal como escreveu na época um correspondente de um jornal italiano: “Anteontem pude finalmente assistir a uma sessão das Cortes. Um deputado, levantando-se, atraiu toda a minha atenção. As feições do seu rosto eram austeras e fortemente caracterizadas; seus olhos eram de fogo, seus cabelos curtos e crespos começavam a embranquecer: sua tez era de um moreno pronunciado; a sua voz retumbava como o ribombo do trovão; as suas ideias eram claras, suas frases concisas e nervosas. Nem ofendia, nem lisonjeava pessoa alguma; parecia não cuidar na impressão que produzia no auditório, com os olhos fixos no presidente não estava atento senão para a inspiração da sua consciência. À vista deste orador observei nas fisionomias dos ouvintes um sorriso de satisfação misturado com respeito. Não podendo conter minha curiosidade por mais tempo, perguntei o nome daquele deputado. É (responderam-me) Fernandes Tomás. O rei da nossa revolução.”
No dia sete de março de 1821 foi anunciada a saída de el-rei D. João VI para Lisboa, sendo nomeado como regente o príncipe real D. Pedro. Esta notícia, há muito aguardada em Portugal, foi bem recebida um pouco por todo o país. Foi também anunciada a eleição dos deputados que hão-de representar o Brasil nas Cortes em Lisboa.
Entretanto, é publicado um diploma que vem ao encontro das aspirações dos comerciantes portugueses, que não encaravam com simpatia os progressos que o Brasil já fizera para conseguir a autonomia:
“ Art. 1 – O comércio entre os reinos de Portugal, Brasil e Algarves será considerado como de províncias do mesmo continente.
Art. 2 – É permitido unicamente a navios de construção portuguesa fazer o comércio de porto a porto em todas as possessões portuguesas.
Todos os navios de construção estrangeira que forem de propriedade portuguesa ao tempo da publicação deste decreto, serão considerados como de construção portuguesa.”
No Brasil, ainda com a presença da corte de D. João VI, começa a discutir-se a possibilidade da sua capital dever passar para o interior do território: “ O Rio de Janeiro não possui nenhuma das qualidades que se requerem na cidade que se destina a ser capital do império do Brasil; e se os cortesãos que para ali foram de Lisboa tivessem assaz patriotismo e agradecimento pelo país que os acolheu, nos tempos dos seus trabalhos, fariam um generoso sacrifício das comodidades e, se iriam estabelecer em um país do interior, central e imediato às cabeceiras dos grandes rios, edificariam ali uma nova cidade, começariam por abrir estradas que se dirigissem a todos os portos do mar, removeriam os obstáculos naturais que têm os diferentes rios navegáveis e lançariam assim os fundamentos ao mais extenso, ligado, bem defendido e poderoso império que é possível que exista na superfície do Globo.
Este ponto central se acha nas cabeceiras do famoso rio de S. Francisco. Em suas vizinhanças estão as vertentes de caudalosos rios, vastas campinas para criação de gados, pedra em abundância para toda a sorte de edifícios, madeiras de construção para todo o necessário e minas riquíssimas de toda a qualidade de metais; numa palavra, uma situação que se pode comparar com a descrição que temos do paraíso terreal. Desprezou-se tudo isto, pela cidade do Rio de Janeiro; porque já ali havia alguma casa de habitação, comodidades para que algumas pessoas andassem de carruagem, um mesquinho teatro para o divertimento dos cortesãos, numa palavra, porque se evitava assim o trabalho de criar uma cidade de novo e incómodos inerentes a novos estabelecimentos; e por estas miseráveis considerações, se roubou a S. A. R. o Príncipe Regente a glória incomparável de ser o fundador de uma cidade a que se afixaria o seu nome, fazendo-se imortal na criação de uma vasta monarquia.
Não nos demoremos com as objeções que há contra a cidade do Rio de Janeiro, aliás, mui própria ao comércio e a outros fins mas sumamente inadequada para ser a capital do Brasil: basta lembrar que está a um canto do território do Brasil, que a sua comunicação com o Pará e outros pontos daquele Estado é de imensa dificuldade e que sendo um porto de mar, está o governo ali sempre sujeito a uma invasão inimiga de qualquer potência marítima.”