Viagens ao reino de Clio


A Revolução de 1820, que se deu no Porto no dia vinte e quatro de agosto, não teve origem popular. Ao contrário de outras foi um movimento conduzido por uma associação denominada Sinédrio, formada por um pequeno grupo de intelectuais portugueses. O Sinédrio, instituído em 1818 após a execução de Gomes Freire e seus companheiros, foi originalmente formado por Manuel Fernandes Tomás, José Ferreira Borges e José da Silva Carvalho. À associação juntar-se-iam mais tarde Duarte Lessa, Lopes Carneiros, José Gonçalves dos Santos, José Pereira de Menezes e o coronel Bernardo de Castro e Sepúlveda, entre outros.
O Sinédrio tinha como objetivo “observar a opinião pública e a marcha dos acontecimentos, vigiar as notícias da vizinha Espanha, reunir-se em 22 de cada mês em jantar em São João da Foz, onde se daria parte dos sucessos acontecidos no mês passado e do que conviria fazer no futuro; guardar a maior lealdade uns para com os outros e o m ais inviolável segredo para com os estranhos; que, se rompesse um movimento anárquico ou uma revolução, os membros do Sinédrio se combinariam para aparecer e conduzi-la para bem do País e da sua liberdade, guardada sempre a devida fidelidade à dinastia da Casa de Bragança.
Manuel Fernandes Tomás, que vai desempenhar um importante papel na História de Portugal, era natural da Figueira da Foz e tinha o bacharelato em direito da Universidade de Coimbra. Era Juiz de Fora em Arganil e superintendente das alfândegas e dos tabacos nas comarcas de Aveiro, Coimbra e Leiria. Na luta travada contra os invasores franceses, em que havia colaborado com Wellesley, foi o encarregado geral dos abastecimentos militares, em que mostrou excecionais qualidades de chefia e de organização. . Como desembargador da Relação do Poro alcançou muito prestígio pelo caráter demonstrado e pela coerência dos seus princípios inspirados no Direito Natural e no Iluminismo.
Mas como foi recebida a revolução em Lisboa? O Marquês de Fronteira e d’Alorna revelou que “ No dia 26 de Agosto, estando eu na plateia do Teatro de São Carlos com o meu irmão e vários amigos, entre eles um capitão-tenente Silveira, chegou um amigos nosso que então era guarda-marinha, e se entretinha a decifrar o telégrafo o que não era muito difícil, o qual me disse, com toda a reserva que, da sua janela, deitando o óculo, tinha visto trabalhar o telégrafo e decifrara estas três palavras: 24 revolução Sepúlveda. Os confidentes éramos uns seis ou mais, que logo saímos para o salão do teatro, para discorrermos sobre o assunto mais em liberdade e aqui nos constou que um indivíduo, que estava no camarote dum dos nossos amigos, tinha visto chegar naquele momento um correio extraordinário do Porto a casa do secretário da Regência, D. Miguel Pereira Forjaz, sendo introduzido no seu gabinete particular.
Demos logo como certo que tinha rebentado um movimento revolucionário nas províncias do Norte. OS segredos, nessas ocasiões, não se guardam; no fim do teatro , o público era sabedor, tanto do boletim telegráfico, como da chegada do correio, e discorria sobre o assunto com toda a liberdade na sala grande do Teatro de São Carlos, sendo necessário, para se fechar o teatro, que a polícia intimasse o público a sair.”
O mesmo marquês comentou os acontecimentos, explicando a revolução deste modo “ O marechal Beresford tinha partido para o Rio de Janeiro, pela segunda vez, para representar energicamente contra a desgraça do país. Nos teatros, nos passeios, em toda a parte se manifestava um grande descontentamento.
Do Brasil não vinha nem a remota ideia de regressar a Corte para Portugal; bem pelo contrário, tudo fazia crer que Portugal estava condenado a ser uma colónia do Brasil, ideia revoltante que atacava o amor-próprio da Mãe Pátria…
Foi por este tempo que, pela primeira vez, ouvi falar no famoso Manuel Fernandes Tomás, apesar de ele estar relacionado com muitos membros da aristocracia, principalmente com o meu parente Conde de Peniche. Dizia-se que ele tinha vindo a Lisboa incógnito, o que tinha constado à polícia e lhe dava grande cuidado.
As ideias de revolução eram iguais. Rapazes e velhos, frades e seculares, todos a desejavam. Uns, que conheciam as vantagens do Governo representativo, queriam este Governo; e todos queriam a Corte em Lisboa, porque odiavam a ideia de serem uma colónia de uma colónia.”