Viagens ao reino de Clio


O cardeal D. Henrique sucedeu ao rei D. Sebastião no trono de Portugal. Com a certeza da morte deste, e na falta de sucessor direto, D. Henrique foi aclamado rei de Portugal sem pompa, na igreja do Hospital de Todos-os-Santos, em Lisboa. Esta solução serviria para resolver, mesmo que temporariamente, a sucessão da coroa. Contudo foi uma solução provisória pois, para além de já ter 66 anos, o cardeal não casou e, por esse motivo, não pode ter herdeiros.
Assim que tomou posse, o novo rei tentou resolver o resgate dos cativos em Marrocos, constituído por grande parte da alta nobreza portuguesa O rei precisaria de grandes somas de dinheiro para resgatar os cativos, pressionado por uma revolta das várias ordens sociais (clero, nobreza e povo).
Por outro lado, o rei Filipe II, de Espanha, ganhava cada vez mais influência na sociedade portuguesa, especialmente com o serviço prestado por Cristóvão de Moura, fidalgo português ao serviço do trono espanhol, que tinha influência no Conselho de Estado e prometia auxílio à nobreza e clero portugueses. Estas promessas eram bem-vindas pois a nobreza estava empobrecida pelo esforço de guerra feito no norte de África e o reino desorganizado por não ter uma autoridade central forte.
D. Henrique tentou manter a imparcialidade quanto à pretensão ao trono. Mandou publicar um édito, com um prazo, para que se apresentassem os pretendentes, com direito claro e firme, à sucessão de D. Sebastião. Deste édito resultaram três candidatos finais: Filipe II de Espanha (varão, neto de D. Manuel mas por via feminina), D. Catarina de Bragança (fêmea, neta de D. Manuel mas por via masculina) e D. António, Prior do Crato (varão, neto de D. Manuel por via masculina mas bastardo). Este último é o candidato favorito do povo.
O próprio D. Henrique não abdicava do direito à sucessão. Pediu ao papa a dispensa dos votos eclesiásticos para poder casar e ter descendentes mas, não sabendo o que iria suceder, designou quinze fidalgos, para escolher cinco, os quais, à data da sua morte se não tivesse herdeiros, governariam o reino. Nestas circunstâncias, o seu sucessor seria nomeado por um tribunal de onze letrados.
No dia 23 de novembro de 1579, D. Henrique, por carta régia, retirou a nacionalidade portuguesa a D. António, Prior do Crato. Além disso, confiscou-lhe os bens e expulsou-o de Portugal. Contudo, esta medida, vista como má vontade e resultante de inimizades pessoais, rendeu-lhe impopularidade junto do povo, partidário de D. António.
Para resolver de vez a questão da sucessão, no dia 11 de janeiro de 1580 reúnem-se cortes em Almeirim. Desde logo surgem algumas questões: quem nomeia o sucessor de D. Sebastião? O cardeal-rei ou o povo?
No dia 15, o bispo de Leiria comunicou à assembleia do clero e da nobreza que el-rei quer fazer um acordo com Filipe II de Espanha. A assembleia concorda. No entanto, os representantes do povo não veem essa ideia com bons olhos. Para estes, o rei deveria designar um príncipe português como herdeiro do trono mas D. Henrique considera que se tratava de uma forma encapotada de D. António, Prior do Crato tomar o poder e recusou a proposta.
Quinze dias depois, morreu o cardeal D. Henrique sem estar resolvida a questão da sucessão. Como tinha resolvido, deixou nomeados cinco governadores do reino: D. Jorge de Almeida, D. João Telo, D. Francisco de Sá Meneses, D. Diogo Lopes de Sousa e D. João de Mascarenhas. Dos cinco, apenas um é contrário à nomeação do rei espanhol. Em conjugação com esta pretensão, o clero e algumas franjas da sociedade, como professores universitários e homens de leis, defendem a coroação de Filipe II. A perda da independência ganhava assim importantes adeptos.
Nota: Foi durante o reinado do cardeal-rei que, a 11 de junho de 1580, morreu, na miséria, Luís de Camões. O autor de Os Lusíadas morreu num hospital de Lisboa e foi sepultado numa cova aberta ao lado da Igreja de Santana. Abandonado por todos, vivia de uma tença anual de 15 mil reis, o que equivalia apenas ao que era hábito dar a um soldado, embora a sua obra começasse já a ser admirada por muitos.