Viagens ao reino de Clio


Por ser incapaz de governar Portugal, D. Afonso VI foi afastado do poder numa conspiração que colocou no poder o seu irmão, o infante D. Pedro. No dia 24 de novembro de 1667, o próprio infante D. Pedro, juntamente com um grupo de partidários, prendeu no palácio real D. Afonso VI, que foi obrigado a assinar um documento declarando desistir do trono em favor de D. Pedro. O rei, depois de ter estado prisioneiro nos aposentos reais, foi desterrado para a ilha Terceira, para desencorajar qualquer tentativa de rebelião. Com ele seguiram seis fidalgos, quatro moços de guarda roupa, seis moços de câmara, seis reposteiros, dois moços de prata, dois varredores, um mestre de cozinha, dois moços de cozinha, dois capelães, dois moços de capela e um médico. Mais tarde, D. Afonso VI seria transferido para Sintra na sequência da descoberta de uma conspiração para o libertar da ilha.
No dia 1 de janeiro de 1668, reúnem-se cortes em Lisboa para debater a legalidade do novo pretendente ao trono. Enquanto alguns nobres consideram que D. Pedro deve ser nomeado rei de Portugal, outros defendem que deve ser apenas príncipe regente, sendo esta última designação a que prevalece. Mas estas cortes marcaram também o fim da guerra com Castela, a troco da entrega de Ceuta aos castelhanos. A guerra de 28 anos, que se arrastava desde 1640, terminava com a assinatura do acordo de 13 de fevereiro de 1668, assinado em Lisboa.
 No dia 24 de março de 1668 foi anulado o casamento de D. Maria Francisca Isabel de Saboia com D. Afonso VI, por não haver sido consumado, deixando aberto o caminho para a rainha voltar a casar, desta vez com D. Pedro.
Entretanto, o príncipe regente tinha de cuidar dos vários aspetos da governação. A Câmara de Lisboa apresentou-lhe a seguinte reclamação:
“Por negociações dos estrangeiros, introduziram-se na Corte e no Reino, espelhos de moldura de talha dourada, bufetes, contadores, mesas e ornatos de casa, caixa de prata e ouro, com pedraria ou sem ela, relógios que se vendem em lojas e casas particulares por tão exorbitantes preços que excedem toda a estimação do seu valor, em grande prejuízo dos nossos naturais, que as compram, levados do vistoso do seu artifício.
E de todo o referido, procede impossibilitarem-se os pobres oficiais vassalos do Reino – sapatos, luvas, vestidos, capotes, ferragens, espadins com cabos de prata e dourados falsificados, boldriés lavrados e outros adornos de pessoas e casas – lhes não fica lugar para consumirem os produtos nacionais.”
Em 1675, Duarte Ribeiro de Macedo, ilustre diplomata e escritor, publicou o livro “Discurso sobre a introdução das artes de ofícios neste reino” em que propõe o desenvolvimento da indústria como principal meio para o país se desenvolver e enriquecer: “é a indústria que faz nascer o dinheiro”. Além disso, refere que “O dinheiro nos reinos tem a qualidade que tem o sangue no corpo de alimentar todas as partes dele; e para o alimentar anda em uma perpétua circulação, de sorte que não pára senão com a inteira ruína do corpo. Isto mesmo faz o dinheiro: faz que saia das mãos dos pobres a necessidade, o apetite e a vaidade dos ricos. Pelas artes (indústrias) passa aos mercadores: dos mercadores a todo o género de ofícios e mãos por onde corram os materiais que põem em obra a arte, destas mãos às dos lavradores, pelo preço dos frutos da terra para sustento de todos, dos lavradores aos senhores das fazendas; e das mãos de todos, pelos tributos, ao património real.
Deste sai outra vez pelos ordenados, tenças, sustento de soldados, armas, fabrico de naus, de edifícios, e fortificações, etc. Quando esta circulação do dinheiro se faz no Reino, serve para alimentar o Reino; mas quando sai do Reino, faz nele a mesma falta que o sangue quando sai do corpo humano.”
O conde da Ericeira, D. Luís de Meneses, propõe um plano de desenvolvimento económico assente na criação de manufaturas, pelo que escreve ao Santo Ofício o seguinte:
“Das manufaturas posso segurar que parece que Deus quer que elas se estabeleçam neste Reino, porque não é crível a multidão de dificuldades que se têm vencido. A perfeição das baetas e sarjas da Covilhã tem chegado ao último ponto, não havendo pessoa alguma que o não confesse, estando já tão independentes dos ingleses os nossos mestres portugueses, que tudo o que se obra é pelas suas mãos. O número de teares vai crescendo e só falta para chegarem a maior parte dos necessários, virem algumas tintas de Inglaterra.
Para Estremoz passei os ingleses para verem se podem levantar segunda fábrica. Enxárcias e lonas, é matéria corrente. Ferro está contratado com grandes esperanças de se conseguir um grande negócio. Duclo vai de vento em popa na fabricação de brocados, sedas e meias de fitas.”