Histórias que a Vida Conta

É, ao que parece, nosso fado, enquanto povo, sermos quase sempre ultrapassados pelos acontecimentos. Pode assim dizer-se que “corremos atrás do prejuízo”.Alguns exemplos recentes: os especialistas avisaram, durante toda a quinzena de dezembro, que não se deveriam aliviar as restrições nos períodos do Natal e Ano Novo. Que, se os contactos fossem facilitados e as deslocações permitidas, isso teria custos sérios no alastramento dos contágios e dos óbitos: o resultado seria um janeiro e um Inverno trágicos. No entanto, o Governo decidiu seguir o caminho mais simpático (e demagógico), facilitando as deslocações e as reuniões familiares, limitando-se a apelos à observância dos cuidados necessários, nas reuniões e encontros domésticos. Os resultados estão aí! Os números são alarmantes, os tempos vão tristes e perigosos. Em pouco tempo, as fatalidades atingiram patamares impensáveis há apenas um mês. As mortes diárias têm vindo a ultrapassar a centena, e à hora em que isto escrevo superam já as 150. As capacidades hospitalares, nas valências do “tratamento da Covid”, estão esgotadas, não cobrindo por isso as necessidades futuras. Tendo em conta a nossa população, a situação do país é hoje uma das mais graves e preocupantes em toda a União Europeia. E, para cúmulo, tudo isto ocorre em plena campanha eleitoral para as presidenciais. Estamos correndo, mal equipados e, como sempre, tarde e a más horas, “atrás do prejuízo”.Em face da gravidade da situação, os especialistas recomeçaram a falar na necessidade de voltar a um confinamento geral (com algumas exceções, nomeadamente das escolas). Invocando a necessidade de recolher dados mais seguros, o que só aconteceria na reunião da Infarmed, a realizar hoje, dia 12, entendeu quem nos governa adiar tal decisão para depois desta data. Mas a gravidade da situação não pára e multiplica-se a cada dia. Só hoje se soube que o confinamento geral irá ter início depois de amanhã. De “depois de amanhã em depois de amanhã” perderam-se vários dias e a situação agravou-se.Desde o início do processo de vacinação, ouviram-se vozes aconselhando a vacinar na primeira fase os líderes políticos, bem como, por razões conjunturais, os candidatos à Presidência da República. Mas o Governo cedeu de novo ao populismo: não caía bem junto da população que tal se fizesse. Resultado: foi ontem anunciado que o candidato Marcelo Rebelo de Sousa (M.R.S.) teria sido infetado pelo vírus, transformando a campanha eleitoral num intrincadíssimo jogo de presenças e ausências.  O confinamento geral já limitava muito as ações de rua. Avultam agora as razões sanitárias mais específicas para os candidatos e seus acompanhantes para que não se transformem em focos ambulantes de propagação do vírus junto das populações. Porém, nem sempre corre tudo mal: sujeito a um segundo e a um terceiro testes, o candidato e atual Presidente da República testou negativo. O P.R. e candidato presidencial aguarda agora que as todo poderosas autoridades de saúde lhe dêem uma resposta por escrito. Entretanto, decidiu-se por um confinamento parcial, com intervenção a partir de sua casa no debate entre todos os candidatos, realizado esta noite pela RTP. Mas, quanto à resposta por escrito, nada. A incompetência reina, persistente e leviana. M.R.S. está naturalmente irritado. E quanto ao prosseguimento das campanhas dos outros candidatos? Bem que podem esperar pelas recomendações das autoridades sanitárias…Mas não seria possível adiar as eleições? Parece que já é tarde, porque a revisão constitucional necessária para o efeito já não é viável. Deveria ter-se pensado nisso mais cedo… Mais uma e outra vez, “andamos atrás do prejuízo”.Nas atuais circunstâncias não é preciso ser futurólogo – nem politólogo – para prever uma taxa recorde de abstenção nas presidenciais. Os mais velhos e todos os receosos do contágio evitarão sair de casa para irem votar. O vírus não está inscrito nos cadernos eleitorais mas, à sua maneira, podem crer que vai lá estar… E aqui, meus Senhores, somando todos os considerandos, temos de concluir que vivemos uma situação democraticamente deplorável.E, Senhores governantes, é ou não verdade que estamos de novo a andar “atrás do prejuízo”? Admiro a resistência psicológica da ministra Marta Temido, embora discorde da gestão da pandemia. Mais de uma centena e meia de mortes por dia, e em vias de aumentar, ter vacinas prontas a aplicar aos mais expostos mas saber que a sua ministração se vai prolongar durante um ano ou mais, são um lastro muito duro de equilibrar! Mas, Senhora Ministra, faça tudo para acelerar o processo de vacinação!E recorrer à requisição civil? Porque não, se for preciso? Sem demoras e sem tibiezas. Mas pergunto de novo: por que se demonizou a colaboração dos (com os) hospitais privados? Repito o que já aqui escrevi: se existiu ou existe um qualquer parti pris ou preconceito de cariz ideológico, estar-se-á perante um facto da maior gravidade, a exigir apuramento de responsabilidades. Em qualquer caso, expliquem-se!Mas mudemos de diapasão e ensaiemos uma palavra breve sobre as impressões que os debates televisivos me suscitaram. Sabe-se que fui (e sou) crítico do mandato do atual Presidente da República. Discordei, acima de tudo, da aproximação excessiva em relação ao Governo e da decisão de não reconduzir a anterior Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal. Mas reconheço que Marcelo Rebelo de Sousa é, de longe, o candidato mais preparado e competente entre todos os que se apresentam a eleições. Gostei francamente da sua prestação na generalidade destes debates. Foi paciente e cortês quando as circunstâncias e os opositores o justificaram: foi o caso de João Ferreira e de Marisa Martins; foi dialogante e didático com Mayan Gonçalves e Vitorino Silva; foi incisivo e duro quando debateu com André Ventura e Ana Gomes. Como escreve Manuel Carvalho, no seu Editorial de hoje, no “Público”, “sabemos que a calúnia e a infâmia como recurso eleitoral não são um exclusivo de André Ventura, mas que seduzem também Ana Gomes e sabemos que Marcelo Rebelo de Sousa foi obrigado pela realidade a despir a farda do monarca etéreo para combater como um soldado”. Porém, a quem aproveitarão mais e mais prejudicarão as restrições impostas à campanha e quem será mais prejudicado e mais beneficiado com a altíssima abstenção que se adivinha?Relativamente ao que se refere às ações de rua, Marisa Matias seria porventura a mais prejudicada. Com a sua simpatia natural ela é muito eficaz nos contactos pessoais. Marcelo, pelo contrário, não sofrerá com isso grande dano. Afetivo e simpático, como se sabe, mais popular não há! Mas mesmo assim, quanto à forte (fortíssima) abstenção, penso que ele será o candidato mais prejudicado uma vez que a abstenção atingirá em especial o eleitorado dos mais velhos, e, no geral, o de todos os que, indo desta vez à frente do “geral juízo”, já sabem que quem vai ganhar é ele. Lisboa, 12 de janeiro de 2021