OS LIVROS NO CAMINHO DO HOMEM


Gilberto Freyre (1900-1987) foi um sociólogo, historiador e ensaísta brasileiro. Autor de uma extensa obra literária, publicou o livro “Casa Grande & Senzala”, em 1933, considerado uma das obras mais representativa sobre a formação da sociedade brasileira. Recebeu o Prémio Internacional La Madonnina, o Prémio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras e a Grã-cruz de Santiago de Compostela, entre outros.Relativamente ao título, convém esclarecer que Casa-grande era a casa da família do proprietário das grandes propriedades rurais do Brasil colonial. O termo também é utilizado para designar o centro da forma de vida patriarcal do sistema colonial no Brasil, pois todos a ela se ligavam. Até a arquitetura da Casa-grande expressaria o modo de organização social e política do Brasil, o patriarcado. De igual modo, o patriarca, proprietário da terra, tinha direito absoluto sobre tudo o que nela se encontrasse: escravos, parentes, filhos, esposa, amantes, padres, políticos. As Senzalas eram os alojamentos, rústicos e desconfortáveis, destinados aos escravos nos engenhos e fazendas do Brasil colonial, entre os séculos XVI e XIX. Construídas dentro da unidade de produção eram o local onde os escravos, muitas vezes acorrentados, passavam a noite. O livro foi a mais importante obra de Gilberto Freyre, sendo traduzida e publicada na Argentina, Estados Unidos, França, Portugal, Alemanha, Itália, Venezuela, Hungria e Polónia.Quando foi editado, provocou um autêntico “terramoto”, não tanto nos setores da esquerda, mas mais nos elementos conservadores e da direita. Foi escrito contra quase todas as teorias antropológicas que surgiram no século XIX por meio de intelectuais como Herbert Spencer e que defendiam a supremacia da “raça” branca em relação às demais.Numa perspetiva de História das Ideias o livro atuou como força radical, devido à sua grande carga de desmistificação social e política, facilitando a compreensão da formação social brasileira. Mais do que uma redescoberta da nação brasileira, foi uma espécie de fundação do Brasil no plano cultural, tal como Camões havia feito em Portugal.Na realidade, a obra valoriza o papel do negro na história brasileira, o que ia contra todas as normas vigentes, exalta a miscigenação racial, desmistifica preconceitos e reconhece a originalidade da cultura do Brasil. Sobretudo introduz algo de novo, o pensamento do autor, a sua irreverente forma de se expressar e os métodos utilizados na montagem da obra. A ideia de que a miscigenação teria conduzido a uma raça inferior é refutada, antes ajuda à formação cultural brasileira que é originada por distintas culturas. A miscigenação passava a ser vista como mecanismo de um processo, o qual teria como fim a democracia racial.Por outro lado, mostrava a face autêntica do Brasil, que não costumava ser retratada em livro: diários esquecidos, receitas de bolos e doces, usos e costumes, práticas sexuais dentro da família, mas também entre os senhores e os escravos, ou a prática dos frequentes banhos que caracterizam o povo brasileiro.O livro eleva à condição de mito um paradigma que mostra o movimento da sociedade escravocrata e ilumina o patriarcado vigente no Brasil pré-urbano e industrial.   As estruturas sociais e económicas são apresentadas como processos vivenciados onde as pessoas e as emoções não se compreendem fora dos contextos.  É indiscutível que Gilbert Freyre tenha dado importância aos escravos, mas é também indiscutível que a visão do mundo patriarcal assume a perspetiva do branco e o senhor. Mesmo valorizando a cultura negra ou proclamando a mestiçagem como algo positivo, fica a sensação de uma certa nostalgia do Brasil colonial.  
Frases de Gilberto Freyre
“A civilização do açúcar teve suas santas; suas mulheres, grandes sofredoras, que humilhadas, repugnadas, maltratadas, criaram filhos numerosos, às vezes os seus e os das outras mulheres mais felizes que elas; cuidaram das feridas dos escravos; dos negros velhos; dos moradores doentes dos engenhos. (...) Teve as suas Dona Mariazinhas, Donas Francisquinhas, Donas Mariquinhas que desde meninas, desde a Primeira Comunhão, não fizeram senão cuidar dos maridos, dos filhos, dos escravos, dos santos.”
“Da cunhã é que nos veio o melhor da cultura indígena. O asseio pessoal. A higiene do corpo. O milho. O caju. O mingau. O brasileiro de hoje, amante do banho e sempre de pente e espelhinho no bolso, o cabelo brilhante de loção ou de óleo de coco, reflete a influência de tão remotas avós.”