Histórias que a Vida Conta


Nunca fiz questão em esconder as minhas preferências clubísticas. Os meus leitores sabem que sou, desde que me conheço, adepto do Sporting Clube de Portugal (SCP). Nessa medida a vitória do Sport Lisboa e Benfica (SLB) na Liga de futebol (a 37ª vitória) não me deu qualquer satisfação. Felicitei os meus Amigos benfiquistas – e são muitos – mas, pessoalmente, apenas lamento não poder estar no lugar deles.
No entanto, uma coisa é não me sentir feliz; outra, muito diferente, é recusar ao SLB o mérito da vitória. Refiro-me, como é evidente, ao futebol jogado dentro das quatro linhas. Em minha opinião, o triunfo foi merecido. A inexcedível segunda volta do Benfica, a excepcional recuperação da equipa sob o comando de Bruno Lage – o grande artífice do triunfo -, as vitórias indiscutíveis que obteve nos campos do Futebol Clube do Porto (FCP) e do meu SCP, a grande eficácia rematadora que demonstrou, tudo isso e muito mais são, para mim, razões bastantes para não discutir o mérito e a justiça da vitória do Benfica.
É verdade que foi beneficiado em alguns jogos na parte final do campeonato por arbitragens (em campo e no VAR) incompetentes, que se revelaram parciais. O caso paradigmático foi a arbitragem muito infeliz em Vila do Conde, contra o Rio Ave. É verdade que o FCP teve o campeonato nas mãos e perdeu-o. Mas o demérito foi seu. A diferença de golos marcados entre o SLB e o FCP – 103 contra 74 - é impressionante. Ainda assim o Porto poderia ter alcançado o topo da classificação? É verdade, mas como dizia a letra de uma conhecida canção popular: “Se cá nevasse/ fazia-se cá ski”…!
Mas voltemos ao grande artífice, ao rosto do triunfo do SLB, tido, em determinado momento da temporada, como impossível. Bruno Lage conseguiu fazer renascer a equipa das cinzas. Recorrendo a alguns jovens talentos (de indiscutível fulgor), que ele bem conhecia do seu passado no cube (João Félix, acima de todos, mas também Ferro e Florentino), substituindo algumas pedras, apostando em jogadores “caídos em desgraça” junto de Rui Vitória (o caso de Samaris é talvez o mais significativo), extraindo maior rendimento de outros, como foi o caso de André Almeida, Grimaldo, Rafa, Pizzi e de um Seferovic transfigurado (com toda a justiça, o melhor goleador da Liga), Bruno Lage conseguiu o “milagre”. Contou ainda com um central seguro, embora demasiado faltoso (Ruben Dias) e com um guarda-redes notável, entre os postes.
É certo que, na retaguarda, fora das quatro linhas, se sucederam episódios lamentáveis e, porventura, criminosos. Os processos em curso, a gravidade dos factos imputados a figuras importantes da “estrutura” benfiquista, o espírito incendiário de “cartilheiros” de serviço; a recusa em admitir a existência de claques, o que, só por si, é revelador de um descaramento “à Joe Berardo”, o apoio servil de escribas avençados ou, no mínimo, cegos pela paixão clubista, e por comentadores em foros privilegiados de debate televisivo que deviam envergonhar quem os acolhe, tudo isso torna, a meus olhos, pouco simpática e menos ética a postura e a estratégia desse grande clube que é o SLB.
Mas esses tristes factos não atingem Bruno Lage nem os jogadores e a equipa que ganharam a Liga. O mesmo quero pensar das fracas prestações das nossas arbitragens e o facciosismo presente em análises críticas, feitas com óculos avermelhados.
Permita-se-me um parêntesis para exprimir a minha opinião segundo a qual a final da Taça de Portugal deveria ser (ter sido) arbitrada por uma das muito conceituadas equipas de arbitragem estrangeira. Estou a escrever estas linhas antes do jogo decisivo entre o FCP e o meu SCP. Creio que se trataria de um sinal da nossa insatisfação e até da nossa revolta contra a actuação incompetente e pouco credível de tantos dos nossos árbitros de campo e de VAR.
Mas volto a Bruno Lage para sublinhar a elevação das suas palavras no momento da celebração da vitória na Liga e, mais tarde, na recepção na C. M. de Lisboa. Tratou-se de momentos raros de dignidade e respeito pelo Desporto e pelos Adversários (com letra grande pelo respeito como os tratou) e de exortação dos valores que podem contribuir para melhorar a sociedade. Saber ganhar é uma virtude cada vez mais rara. Basta pensar nos discursos de vitória dos políticos. Saber ganhar assim é uma prometedora novidade.
Recusando a euforia ruidosa da praxe, optou pela serenidade e pela sobriedade para lembrar que tudo deve estar em perspectiva e que faz falta, em todas as áreas sociais, uma militância cívica mais activa e persistente. Aproveitou para exortar os adeptos benfiquistas a darem valor aos que os adversários fazem, única forma de verem reconhecidos, com justiça verdadeira, os méritos próprios.
Como escreveu José Manuel Delgado, na sua crónica “Cartas na mesa” publicada em “A Bola”, de 20 de Maio, a mensagem pedagógica de Lage merece o nosso respeito pela coragem de não dizer o óbvio (eu diria, o trivial) e procurar transformar quem o ouvia em pessoas melhores. “… pertencer ao futebol, amar o jogo, vibrar com os clubes não pode ser sinónimo de ódio e intolerância. Os adversários são para respeitar e reconhecer o mérito, os rivais devem ser factores de motivação e crescimento e não faz sentido que haja inimigos no Desporto”. O título da crónica é bem humorado e a condizer: “Lage, até o leão do Marquês aplaudiu”.
Na sequência lógica desta mensagem, por ocasião da consagração prestada aos campeões na Câmara Municipal de Lisboa, o Presidente da Câmara, Fernando Medina, manifestou o desejo de ver “um clube da cidade” (sic) ganhar a Taça de Portugal. Foi então que Lage disparou: “Diga o nome”, convidando o Presidente da C.M. a nomear expressamente o Sporting Clube de Portugal.
Mais uma lição do treinador Bruno Lage aos políticos do País, neste caso, na pessoa do benfiquista portuense Fernando Medina.

Entretanto, quando lerem esta crónica, terão tido lugar as eleições europeias. Não me adianta então antecipar resultados. Já os saberão ao ler-me agora. Mas posso, como fiz acima para o futebol, analisar a campanha que precedeu a votação que a eles levou.
As sondagens prognosticaram de forma clara. As entrevistas, debates, reportagens e arruadas desenharam sem grande novidade os perfis dos cabeças-de-lista. Foi mais que evidente que o que se apresentou pelo PS constituiu um erro de casting, mas teve Costa a levá-lo pela mão de tal jeito que muito boa gente se terá confundido e pensado/imaginado que já estava nas legislativas… . Com esta exposição e jogando, na realidade, a duas voltas, vê-se bem que António Costa não vai desistir de uma maioria absoluta nas eleições parlamentares de Outubro. Vamos ver se não me engano e se não vamos ter, como num tal champô para a caspa, “Dois em um “…!
Por agora, fico-me esperando que, para o discurso da vitória, o vencedor (obviamente este) mostre que ouviu Bruno Lage e que nas suas palavras acolha alguma coisa do bom senso, hombridade e largueza de alma do treinador que teve a coragem de nos lembrar que, de todos, clubes ou partidos, o primeiro, o maior e o mais nosso, é Portugal inteiro.
Lisboa, 21 de Maios de 2019