Sei que é uma estação de temperaturas baixas,

e também vos digo que não gosto do frio. Todavia gosto da entrada do inverno por se tratar de uma época do ano em que as reuniões familiares são mais frequentes e os enfeites luminosos se tornam mais alegres durante as noites longas e frias. Logo na abertura deste quartel temos a alegria de conviver com os festejos de Natal e do Ano Novo, mas outros se seguem até à Quaresma, tempos em que o inverno nos deixa.Pela dureza que nos impõe recebe muitas vezes a designação de general inverno, dado que não há outra maneira de lhe dar a volta, apenas aguentar. Aqui faz-me lembrar a velha história do povo cigano, que quando uma força da G.N.R. em face da lei obriga esta gente a qualquer mudança no seu comportamento e depois de tudo entrar nos eixos, lançam esta máxima: - “Gramar e Não Refilar”.Também se vive numa época em que tudo começa a crescer, logo o tempo diurno a partir da primeira hora, muita embora todo ele se passe durante o horário de inverno, todas a gente gosta de ver os dias a crescer.Esta minha crónica sai no jornal datado de vinte e três de dezembro no ano de dois mil e vinte e vinte e um, dia em que como já vos disse em tempos se faziam as filhós. Mais concretamente na véspera da consoada. Tudo isto acontecia porque na consoada já era Natal e havia o brio de as apresentar tenras e bonitas.Estou a falar da minha juventude, no início da segunda metade do século passado, onde aqui pelas minhas bandas quem as queria pôr na mesa tinha que as fazer, pois não havia quem as tivesse à venda.Era mais um encargo que a dona de casa tinha e que com a evolução da vida social deixou de ter.Apetece-me aqui contar um facto real passado num lar camponês, bem perto de mim na noite da feitura das “filhozes” como por cá erradamente se diz. Também tinha que ser pela noite a dentro e fora do horário habitual, uma vez que a vida campestre não permite devaneios.Ora acontece que depois de fazer o queijo, ferver o soro, a ceia comida e os filhos na cama, a dona da casa pediu ao marido ajuda para lhe dar apoio a fazer as filhós, cuja missão se tornava fácil, mais não era do que manter a lareira com lume brando e certo, enquanto ela se ocuparia de tender a massa num pano branco com o joelho a servir de molde. Daí eram colocadas na sertã onde terminava a confecção.Entre os dois ficava uma cesta quadrada bem acondicionada com uma toalha de linho branco para mostrar o esmero.Com tudo no preciso lugar deu-se início à tarefa e sem qualquer pressa para que não se ficasse longe da perfeição.Dentro deste cenário sai a primeira da sertã, a que o marido deitou a mão para provar e avaliar o sabor. Como tudo estivesse a contento de ambos, ela foi fritando e ele comendo enquanto gabava o serviço. Tudo isto se desenrolou até à décima segunda. Pois a dona da cozinha já tinha contado doze e nem uma via sequer, na alvura que cobria o lastro da cesta.Perante a gula do marido esposa desencadeou uma cena pouco própria da ocasião. Ele não teve outra saída, levantou-se, puxou pela garrafa da aguardente que tinha servido para temperar a amassadura, bebeu meio copo e foi para a cama.A cozinheira ficou prejudicada duas vezes, sem o auxílio que a beneficiava mas também com menos uma dúzia de filhós no seu pecúlio.Houve um pequeno racionamento no tempo que se seguiu, mas isso apenas serviu de lição para o ano seguinte e criar uma certa piada para quem deste feito teve conhecimento. Os atores deste quadro já não estão entre nós, a sua partida já aconteceu no último século, também não sei se haverá mais alguém entre nos que tenha em memória este facto, que eu afirmo com toda a realidade.Aqui voltarei no dia de Reis.Para todos, um Santo Natal e um venturoso ano de dois mil e vinte e dois.